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Subject: O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em Portugal, em 3 de Março de 2004


Author:
Intervençoes e declaração de voto
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Date Posted: 21:00:36 03/03/04 Wed

O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em Portugal, em 3 de Março de 2004


Intervenção de Odete Santos

Senhor Presidente
Senhores Deputados

As minhas primeiras palavras, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que hoje trouxe a plenário o debate sobre a legalização da IVG, são palavras de solidariedade dirigidas àquelas mulheres que já foram ou vão ser objecto de inquisição por parte de agentes policiais, para que revelem se interromperam a gravidez, e aonde e por que meios.

Dirigem-se, estas palavras solidárias, às mulheres que um dia descobriram que estavam grávidas, e tiveram de subir clandestinamente a escada de uma clínica, de um consultório de uma parteira, de uma casa num esconso vão de escada, para
resolver a angústia de uma gravidez indesejada.

Dirigem-se às adolescentes deste país, a quem tem sido negado o direito à educação sexual.

Dirigem-se a todas as mulheres, a quem não tem sido garantido o direito à maternidade consciente, e que vêem negado o mais elementar direito à dignidade, através de uma lei que, autoritariamente, elege as convicções de alguns para as impor a todos.

Podem contar connosco.

Terminada que foi a contagem dos votos no referendo, os mentores do “não” respiraram de alívio e foram fazendo protestos da necessidade de investimento na educação sexual e no planeamento familiar.

Viu-se!

A história da luta pela despenalização é uma história de hipocrisias, de faz-de-conta, de falsas compaixões.

Finge-se que não se sabe que a lei não é cumprida.

Apesar de tudo, a sociedade não considera que a mulher comete um crime.

Faz-se de conta que não se sabe dos graves problemas de saúde resultantes do aborto clandestino.

Finge-se que se desconhece que há mulheres que morrem, e que muitas ficam permanentemente afectadas na sua saúde sexual e reprodutiva. Muitas nunca mais podem ter filhos.

Junte-se a esta hipocrisia as palavras tartamudeadas por quem se opõe à despenalização, sempre que há um julgamento por aborto provocado. Que não, que não querem que as mulheres vão para a cadeia.

Digam então para que querem a lei.

Para ganhar indulgências?

Sempre que sobe a Plenário uma iniciativa visando a despenalização- e isto acontece desde 1982-fala-se muito de educação sexual e de planeamento familiar.

Com um olhar oblíquo. De quem sabe que não vai cumprir. De quem sabe que, mesmo se cumprisse, não resolveria o problema do aborto clandestino.

A direita sempre votou contra todas as iniciativas legislativas apresentadas pelo PCP e por outros Partidos sobre educação sexual e planeamento familiar.

O PSD esteve no Governo durante largos anos. Mostrem o certificado de garantia com que pretendem assegurar que agora sim, agora é que se vai cumprir a legislação contra a qual votaram o PSD e o CDS-PP.

Com fiadores como os que têm lá para as bandas do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho, a Garantia vem com carimbo falso.

Mais uma vez se verá que pela parte da direita, tudo isto para ela não passa de mais outro faz-de-conta.

Só para as mulheres é que não se trata de um fingimento.

A Lei está aí e foi utilizada na Maia, em Aveiro. Correm notícias de que alguns outros processos estão pendentes.

As mulheres são vítimas de perseguição penal, vêem a sua intimidade exposta na praça pública. As mulheres são humilhadas depois de terem sido ofendidas com a provação do aborto inseguro. Depois de lhes ter sido negado o direito à maternidade consciente por políticas anti-sociais que feminizam a pobreza.

As mulheres são condenadas a graves consequências na sua saúde física e psíquica. Por vezes perdem a vida.

É este quadro que se deve analisar.

E é perante este quadro que se coloca aos Deputados a questão de saber se querem manter uma lei que determina tão graves consequências e não protege o embrião nem o feto, ou se querem pôr fim ao flagelo do aborto clandestino.

Na resposta não entra o foro íntimo de cada um, relativamente ao aborto.

Têm é de dizer se entendem que têm o direito de impor as suas próprias convicções, filosóficas, religiosas e morais a toda a sociedade, originando com tal imposição um grave problema de saúde pública.

Acham que o Estado tem o direito de utilizar a lei penal para definir uma moralidade tipo à qual todos os cidadãos e cidadãs se têm de submeter?

Nós, o que queremos é uma lei que garanta a todas a liberdade de opção.

A lei que queremos não obriga ninguém a interromper a gravidez.

A Lei que a direita defende obriga a sociedade toda, a adoptar sob a ameaça da mais temível arma do Estado, as concepções de alguns. Fazendo tábua rasa do direito das mulheres a decidir em liberdade.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

Todos sabemos porque estamos hoje a reeditar um debate ocorrido há seis anos. Nessa altura tudo podia ter sido resolvido. Muito sofrimento se teria evitado não fora o triste episódio que deu origem à interrupção do processo legislativo.

Com outro parceiro, edita agora o PSD mais uma manobra para adiar a resolução do problema. Com argumentação que não faz vencimento em toda a sua bancada.

Porque a defesa da legalização/ despenalização da IVG no 1º trimestre de gravidez, é tão justa, que colhe a aprovação para além da esquerda.

Se há um problema de saúde pública causado pela lei penal; se esta lei não defende o embrião nem o feto, pois os abortos fazem-se aos milhares; se, consequentemente, a lei penal produz maiores males do que aqueles que diz querer evitar, então é porque a lei não cumpre os seus fins.

Trata-se de uma lei simbólica (simbólica de um certo pensamento único) que não desempenha qualquer papel na prevenção.

É uma lei que excede os limites que a Constituição impõe às leis restritivas da liberdade.

Uma lei com a qual o Estado se torna fautor de violência contra as mulheres. Que se vêem forçadas a recorrer à interrupção da gravidez, independentemente da classe social, convicção religiosa e política.

E só há uma solução. Legalizar a interrupção da gravidez quando efectuada no 1º trimestre, por decisão da mulher.

Não há outras alternativas, que são falsas alternativas, porque mantêm a clandestinidade e a insegurança do aborto e não resolvem o problema de saúde pública.

Não são alternativas, pois continuam a pressupor a culpa das mulheres soluções adiantadas das bandas do CDS que chegou a admitir a aplicação às mulheres da pena de trabalho a favor da comunidade. O que constituiria uma espécie de lapidação em praça pública das mulheres que abortassem.

Basta de penas infamantes.

Aliás, certo argumentário dos que se opõem à legalização/ despenalização, parte do pressuposto de que as mulheres não são capazes de decidir responsavelmente. Não têm capacidade nem podem, por isso, ter autonomia, nem ter direito à liberdade de opção.

Afirma-se, com despudor, que onde se despenaliza a IVG, aumenta continuamente o número de abortos. O que é manipulação de estatísticas.

Na base de tal posicionamento está um forte preconceito anti-feminino que outrora animou a tríade Deus Pátria e Família.

Porque abortar é um verbo que se conjuga no feminino, reeditam-se argumentos fundados num forte preconceito contra as mulheres...

Porque entendem que as mulheres abortam por razões fúteis.

Porque continuam a entender, ainda no século XXI, que a mulher não sabe usar da sua autonomia, que não sabe tomar decisões responsáveis.

E contudo, já Descartes reconhecia à mulher a racionalidade do ser humano.

Podem classificar-se de fúteis as mulheres que abortam porque (como diz a OMS) são muito novas ou muito pobres para criar uma criança; porque entraram em conflito com os seus companheiros, porque são vítimas de violência, porque estão desempregadas, porque não desejam um filho enquanto não acabarem o curso, porque têm de estar inteiramente disponíveis para o trabalho e têm de trabalhar para a subsistência da família; porque não lhes é garantido um adequado acesso aos serviços de planeamento familiar, porque são insuficientes estes serviços, porque os métodos contraceptivos falharam; porque têm de ver renovado o seu contrato a prazo; porque estão maioritariamente representadas na alta taxa de pobreza de que são vítimas os trabalhadores portugueses?

Estas não são razões frívolas.

As cifras negras do aborto inseguro, tanto a nível internacional como nacional, desmentem a afirmação da frivolidade das mulheres.

E não podem ser minimizadas, como alguns pretendem. Alguns que até questionam tratar-se de um problema de saúde pública.

Mas é-o em toda a parte do mundo.

Como o reconhece a OMS. E afinal, também como diz esta Organização, o aborto inseguro é uma das causas de morbilidade e de mortalidade maternas mais fáceis de evitar e de tratar.

Porque existindo uma relação inequívoca de causa e efeito, entre as leis proibitivas da IVG e aquelas consequências, a solução é legalizar, única forma de tornar o aborto seguro.

Assim se respeitando a dignidade e os direitos humanos da Mulher.

O direito à maternidade consciente, logo, direito a uma gravidez desejada e planeada.

O Direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade. O direito à liberdade de decisão. O direito à vida e à liberdade. O direito à segurança. O direito à dignidade. Não é Portugal um Estado de Direito Democrático fundado na dignidade da pessoa humana? O direito à intimidade da vida privada, também superlativado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O Direito à saúde. Direitos que, referidos à sexualidade, são os que integram os direitos sexuais e reprodutivos.

Chegados aqui, não haverá quem deixe de dizer que só falamos das mulheres.

E que não falamos do embrião e do feto.

A vida humana é um contínuo. E nisto todos estão de acordo.

Trata-se de vida de espécie humana.

Mas quando começa a vida de pessoa humana, nisso existem os mais diversos cambiantes, a partir dos fundamentalismos dos que entendem que existe pessoa humana logo a partir da concepção.

É preciso afirmar, claramente, que não é verdade o que alguns proclamam: Que está provado, pela ciência, que a pessoa humana começa logo na concepção.

Nós não temos que tomar partido nesta querela. Temos tão só de constatar que há várias convicções.

Dezasseis cientistas italianos, católicos, tomaram pública posição no Corriere della Sera dizendo:
“Afirmar que o produto da concepção já é um indivíduo representa a perfilhação de um determinismo biológico que não é sustentado pelos conhecimentos científicos disponíveis.”

Ora, constatadas as diversas opiniões sobre o início da pessoa humana, não pode, um Estado de Direito, tomar parte na querela, impondo a toda a população, as concepções filosóficas e religiosas de alguns. Isso é característico de um Estado autoritário.

É tão simples quanto isso.

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

Uma medida como a que propomos, beneficiará, sobretudo, aquelas mulheres que não podem recorrer à segurança, ainda que relativa, de uma clínica. Aquelas que não podem viajar para o estrangeiro.

Aquelas que são as que mais sofrem na pele as consequências do obscurantismo que quer impedir a forma de superar o sofrimento humano.

Perguntem a Nancy Reagan, onde estão os fundamentalismos republicanos a respeito do embrião, agora que por razões óbvias, defende a investigação científica com células estaminais embrionárias.

Perguntem-se por que há-de Prometeu ficar agrilhoado para sempre.

Ou por que há-de Eva continuar a ser punida apenas porque através dela se explica o começo da vida.

Disse.

Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Durante toda a tarde tem ficado comprovado que este debate, agendado pelo PCP, era indispensável. Indispensável perante a manutenção da penalização das mulheres na lei; indispensável face à sua concretização prática de investigações e julgamentos de mulheres.

Esta é uma causa por que o PCP se bate desde 1982, uma questão que há muito devia estar resolvida, não fora a insensibilidade de maiorias formadas em vários momentos, ou a imposição de um referendo em 98 interrompendo um processo legislativo.

O debate que hoje aqui travamos é sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez; não é sobre educação sexual e planeamento familiar. Estas são questões importantes; tão importantes que é inadmissível que a direita só se lembre delas quando se discute a despenalização da IVG. E hoje mais uma vez isso acontece, com a direita a refugiar-se num conjunto de recomendações para que o Governo faça agora aquilo que ao longo de dois anos e meio não fez.

E pergunta-se: mesmo que as preocupações da maioria com a educação sexual fossem sérias, não continuariam a existir mulheres a optarem por recorrer à IVG e portanto a serem sujeitas à condenação da lei, a que a direita não quer pôr fim?
Este debate não é sobre uma questão de consciência; essa é a da mulher na sua decisão de recorrer ou não ao aborto; aqui a questão é de opções de lei penal e de saúde pública.

Aqui reside a hipocrisia da direita. Dizem alguns, como o primeiro-ministro, que não são capazes de condenar uma mulher que opte pela IVG. Mas chegados ao momento concreto optam por manter a lei e portanto por manter a sujeição das mulheres a investigações, a incriminações, a julgamentos e a eventuais condenações.

Para que as mulheres não sejam perseguidas só há 1 solução: despenalizar a Interrupção Voluntária da Gravidez.

Este debate também não é um debate entre os que são contra e os que são a favor do aborto; é entre os que são a favor de uma lei que despenalize a IVG mas que não obriga ninguém a recorrer a ela e os que querem manter a penalização e com isso obrigar as mulheres ao aborto clandestino.

Este debate não visa impor um novo modelo de conduta de sinal contrário ao que hoje a lei protege; visa tão só aprovar uma lei que aceite a pluralidade das opções, condutas e escolhas.

Este não é um debate que reduza o problema do aborto à questão da despenalização; é um debate em que se pretende também resolver o grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino. E para isso é preciso garantir o acesso à prática da IVG em condições de segurança para todas as mulheres.

Neste debate e nas últimas semanas o PSD repetiu à exaustão que os seus compromissos com os eleitores o impediam de aceitar alterações nesta matéria. É certo que poderíamos dizer que não faltam compromissos do PSD com os eleitores que foram há muito esquecidos. Mas mesmo assim fomos procurar nos dois documentos programáticos fundamentais que o PSD apresentou às eleições de 2002: o “Compromisso de Mudança – as propostas de Durão Barroso aos portugueses” e o “Programa eleitoral de Governo”. E por muito que procurássemos página a página, linha a linha e palavra a palavra, e mesmo recorrendo à busca pelo computador das palavras “gravidez”, “aborto”, “interrupção voluntária da gravidez” ou “referendo sobre a IVG”, o resultado foi zero. Aqui estão os respectivos documentos eleitorais para que todos os deputados da bancada do PSD tenham a consciência de que este compromisso nunca existiu.

O que há é um compromisso pós-eleitoral com o CDS. Mas as mulheres portuguesas não podem continuar sujeitas à grilheta do julgamento e da prisão que esta lei impõe só porque o PSD se amarrou ao conservadorismo mais retrógrado da extrema-direita parlamentar.

Foi contra a manutenção da desumanidade, da violência contra as mulheres, da negação dos seus direitos que agendámos este debate. Em defesa de uma lei justa; por uma sociedade mais civilizada.

Disse.

Intervenção de António Filipe

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Há seis anos atrás, depois de aprovado na generalidade nesta Assembleia um Projecto de Lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 10 semanas, o PSD obteve o acordo da direcção do PS para impor a realização de um referendo nacional sobre essa matéria.

A legitimidade constitucional e política da Assembleia da República para aprovar a iniciativa legislativa em causa era indiscutível. No entanto, o processo legislativo foi travado pela decisão política de convocação de um referendo que acabaria por inviabilizar a sua conclusão e fazer com que, apesar da aprovação na generalidade de um projecto de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas, tudo acabasse por ficar na mesma, até hoje.

Nunca foi segredo para ninguém que a convocação do referendo em 1998 surgiu em consequência de um acordo entre as direcções do PSD e do PS com o objectivo de accionar um derradeiro recurso para evitar que a correlação de forças então existente na Assembleia da República se pudesse traduzir na aprovação de um lei que despenalizasse a interrupção voluntária da gravidez.

Um ano antes, em 1997, quando um projecto de lei do PCP foi recusado por um voto de diferença, ninguém exigiu qualquer referendo nem pôs em causa a legitimidade política e constitucional da Assembleia da República para decidir como decidiu. Ou seja: para os defensores do referendo de 1998, a Assembleia da República tinha legitimidade para decidir manter a criminalização, mas já não tinha legitimidade para acabar com ela.

Em todo o caso, o referendo realizou-se e correspondeu aos objectivos políticos dos seus proponentes que, através de uma operação de grosseira mistificação sobre o que estava verdadeiramente em causa e de autêntico terrorismo psicológico, conseguiram convencer muita gente que o que estava em causa era ser a favor ou contra o aborto, quando o que estava em causa era manter ou não a desumana norma do Código Penal que condena a prisão até três anos as mulheres que interrompam a gravidez.

O resultado é conhecido. Apesar da participação eleitoral ter sido extremamente reduzida e de, por esse facto, o referendo não ter eficácia vinculativa, a vitória tangencial do Não, inviabilizou o processo legislativo que estava em curso e fez com que ainda hoje sejam instaurados processos crime contra as mulheres que interrompam a gravidez.

O resultado é a continuação do flagelo do aborto clandestino e a perseguição criminal das mulheres que, por vicissitudes diversas, se vêem obrigadas a recorrer à interrupção voluntária da gravidez e ficam sujeitas a uma pena de prisão até três anos. O resultado é continuarmos a assistir em Portugal, no século XXI e 30 anos depois do 25 de Abril, à situação estranha, absurda e aviltante, da investigação, acusação, humilhação pública e julgamento de mulheres sob a acusação de terem abortado, como aconteceu na Maia (com condenação efectiva) e mais recentemente em Aveiro.

Perante esta vergonha, que não é apenas uma vergonha nacional, mas verdadeiramente uma vergonha internacional, que ultrapassa as nossas fronteiras e suscita um forte movimento de solidariedade e a perplexidade do mundo civilizado, não basta a opinião hipócrita dos que dizem que são pela criminalização mas que não querem ver as mulheres condenadas.

A forma de evitar a condenação das mulheres não é manter a criminalização e depois, quando as mulheres são julgadas, fazer figas pela absolvição. Se o que se pretende é evitar que as mulheres sejam condenadas, a única forma segura de o evitar, é revogar a absurda norma do Código Penal que as condena a uma pena de prisão até 3 anos.

Só que o PSD e o CDS-PP, que tanto se bateram pela realização de um referendo quando estavam em minoria, agora em maioria, preparam-se para evitar a despenalização, mas desta vez já não querem nenhum referendo.

Os argumentos quanto à subsistência da validade política do referendo de 1998 são do reino do absurdo. O referendo nunca teve eficácia vinculativa devido à diminuta participação dos eleitores. Mas mesmo que tivesse tido alguma eficácia jurídica, os seus efeitos teriam caducado em Outubro de 1998, com o termo da sessão legislativa em que teve lugar. A partir desse momento, a Assembleia da República reassumiu plenamente a sua competência e legitimidade para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez sem dependência de qualquer referendo, mesmo que este tivesse sido vinculativo.

Este facto é absolutamente inequívoco. O que a Constituição determina é que os efeitos do referendo caducam com a sessão legislativa e nunca ninguém propôs em sede de revisão constitucional que assim deixasse de ser.

Que os Partidos da direita pretendam manter em vigor a norma do Código Penal que condena a prisão até três anos as mulheres que interrompam a gravidez, é uma opção que se lamenta, mas que tem de se aceitar como legítima. Cada um vota segundo as suas opções e assume perante os portugueses a responsabilidade pelas opções que toma. Agora, o que os Partidos da direita não podem, é atribuir a um referendo uma validade que ele não tem e ainda menos pretender que, uma vez feito um referendo, a sua eficácia, ainda que imaginária, seja eterna.

No momento em que nos encontramos, Assembleia da República tem plena legitimidade política e constitucional, quer para aprovar uma lei que despenalize a interrupção voluntária da gravidez, quer para deliberar propor ao Presidente da República a convocação de um novo referendo sobre essa matéria.

Em 1997, os Partidos da direita entendiam que a Assembleia da República tinha legitimidade para recusar a despenalização da IVG, sem referendo. Em 1998, já entendiam que a Assembleia da República só teria legitimidade para decidir a despenalização se houvesse referendo. Agora, em 2004, a maioria parlamentar prepara-se para recusar a despenalização e recusar o referendo.

Esta decisão tem uma consequência óbvia, que é a de manter tudo na mesma, não em nome de qualquer compromisso que tenha sido assumido para com os eleitores, mas em nome de um acordo de coligação que os portugueses, como é óbvio, não sufragaram.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O PCP, sobre esta matéria, tem posição e assume-a. O PCP considera que a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 12 semanas deve ser despenalizada e que a Assembleia da República pode e deve tomar essa decisão, agora ou no futuro, sem necessidade de qualquer referendo. Mas compreende a posição dos mais de 120 mil cidadãos que, assumindo uma posição claramente favorável à discriminalização do aborto, decidiram tomar a iniciativa cívica de se dirigir a esta Assembleia, solicitando a realização de um novo referendo.

O PCP sabe distinguir perfeitamente entre os propósitos obstrucionistas do referendo de 1998 imposto pela direita e as propostas de referendo que hoje debatemos, subscritas por quem está connosco na luta que há muitos anos travamos pela saúde pública, pela dignidade humana, pela maternidade e paternidade responsáveis.

Por reconhecer essa diferença, o PCP aceitou que na ordem do dia deste seu agendamento potestativo, pudessem ser incluídas, para além das iniciativas legislativas de despenalização do aborto, também as propostas de realização de um novo referendo sobre essa matéria.

A iniciativa popular de referendo que hoje debatemos, a primeira da nossa história constitucional, cuja legitimidade é indiscutível e está devidamente certificada pelo facto de reunir todas as condições constitucionais e regimentais para ser hoje debatida em Plenário, exprime o anseio compreensível de largos sectores da opinião pública favoráveis à despenalização do aborto, de intervir civicamente para a concretização desse objectivo.

Por tudo o que fica dito, o sem que isso signifique o acordo com o processo dos referendos ou o entendimento de que a AR deixa de ter legitimidade para decidir no futuro sobre essa matéria, o Grupo Parlamentar do PCP, caso sejam rejeitadas as iniciativas legislativas que visam despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, dará o seu voto favorável às propostas de realização de um referendo que possa dar de novo a palavra aos cidadãos.

Disse.
Declaração de Voto do Grupo Parlamentar do PCP

O Grupo Parlamentar do PCP regista de forma positiva o facto de tanto a generalidade dos deputados do PS como o Partido Ecologista “Os Verdes” e Bloco de Esquerda terem votado favoravelmente o projecto de lei do PCP, que foi o primeiro a ser votado.

E regista também o facto de tanto o PS como o Bloco de Esquerda, apesar de terem uma opção assumida pelo recurso ao referendo e propostas nesse sentido, não apenas terem agendado para este debate os seus projectos de lei de despenalização mas também os terem levado a votação.
Se as palavras em geral e as regras e actos parlamentares em particular ainda têm o mesmo valor, então parece indiscutível que o PS e o Bloco de Esquerda agiram hoje nesta Assembleia num sentido favorável à aprovação pela AR de uma lei de despenalização do aborto, o que neste ponto converge inteiramente com a prioridade que o PCP sempre concedeu à tese da plena legitimidade da AR para legislar directamente sobre este assunto.

É sabido que, em coerência com posições que até há cerca de ano e meio eram não apenas do PCP mas de todo o campo político à esquerda do PS e de centenas de personalidades da vida nacional, o PCP sempre sustentou a legitimidade da AR para aprovar uma lei de despenalização e sempre se recusou e continua a recusar a que se fique prisioneiro de uma espécie de perversa herança deixada pelo acordo PS-PSD que há seis anos conduziu à lamentável sabotagem da aprovação na generalidade de uma lei de despenalização nesta Assembleia.

Nestes termos, deve então ficar claro que o voto favorável dos deputados do PCP aos projectos de resolução visando propor ao Presidente da República a convocação de um referendo não significa qualquer alteração, nem na nossa posição de princípio sobre a legitimidade da Assembleia da República nesta matéria, nem na apreciação que fazemos em relação ao processo que conduziu à proposta de referendo, mas tem sobretudo em conta o significado da sequência política das votações hoje realizadas.

O voto do Grupo Parlamentar do PCP baseia-se fundamentalmente na consideração de que, face à intransigência e arrogância da maioria de direita, sobreleva a necessidade de não avolumar fracturas no campo das forças que se pronunciam pela despenalização do aborto e de antes afirmar uma solidariedade recíproca em torno desse justo e crucial objectivo, que o PCP aliás comprovadamente demonstrou na forma como conduziu o agendamento e a organização deste debate.

A maioria PSD-CDS/PP, cega e surda diante da pungente interpelação que vem da realidade, rejeitou hoje a aprovação dos diversos projectos de lei de despenalização.

O Grupo Parlamentar do PCP sublinha que nem mesmo esse facto leva o PCP a render-se à tese, sem qualquer fundamento constitucional ou legal, de que só após novo referendo se pode voltar a legislar sobre matéria objecto de um anterior referendo que não teve carácter vinculativo e desde já garante que, quando houver uma nova e diferente maioria nesta Assembleia, voltará a confrontar o conjunto dos deputados com a proposta de aprovação de um projecto de lei de despenalização, esperando que, em coerência com as posições hoje assumidas de apresentação e votação de projectos de lei visando a despenalização, o PS e o Bloco de Esquerda assumam nessa altura idêntica posição.

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Re: O PCP no Debate na AR sobre a despenalização da IVG em Portugal, em 3 de Março de 2004Luis Blanch11:14:46 03/04/04 Thu


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