Subject: Quando um jornal se torna o protagonista da luta política |
Author:
João Mesquita
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Date Posted: 19/05/05 13:46:14
In reply to:
Eduardo Miragaia
's message, ""um golpe objectivo do PS, para arranjar um pretexto visível para a sua luta contra o PCP"..." on 19/05/05 13:38:57
Quando um jornal se torna o protagonista da luta política
"Caso república" Episódio é peça maior do confronto entre a legalidade institucional e a legalidade revolucionária Socialistas selam divórcio com as restantes forças de Esquerda
João Mesquita, JN, 19/05/05
Passa das cinco da manhã de 20 de Maio de 1975 e uma chuva miudinha cai dos céus de Lisboa. Quase 200 trabalhadores do vespertino "República" são evacuados, por forças militares, das instalações do jornal, à Rua da Misericórdia, imediatamente seladas. Uns são delirantemente ovacionados, mas a maioria é transportada em "Berliets" do Exército e apupada pelo que resta da concentração promovida pelo PS, desde a tarde da véspera. Termina, assim, o mais "quente" episódio do que ficou conhecido como o "caso República" - um longo conflito entre adeptos e opositores da Direcção, até aí liderada pelo socialista Raul Rego, peça maior do confronto mais vasto entre a legalidade institucional e a legalidade revolucionária que então se vive no país.
Dia 19 de Maio, segunda-feira. Pela manhãzinha, a Comissão Coordenadora de Trabalhadores (CCT) do "República", onde os operários gráficos estão em maioria, pede uma reunião aos responsáveis editoriais do jornal. Raul Rego é o director, tendo Vítor Direito, que muitos anos mais tarde liderará o "Correio da Manhã", como adjunto. Outra destacada figura do PS, João Gomes, chefia a Redacção e Rui Camacho é o "número dois".
Os quatro colocam como única condição para a realização do encontro a presença do administrador Gustavo Soromenho, outra personalidade grada do partido da rosa. Uma vez aceite, o grupo é confrontado com a exigência de demissão da Direcção e da chefia do vespertino, fundado em 15 de Janeiro de 1911, por António José de Almeida. Exigência recusada em nome do artigo da recém-aprovada Lei de Imprensa, que comete aos directores, uma vez obtido voto favorável do Conselho de Redacção, a competência exclusiva para decidir a orientação editorial.
De todo o modo, Rego convoca os 22 jornalistas da casa para darem a sua opinião. Apenas dois não corroboram a sua ideia Carlos Albino Guerreiro, actual redactor do "Diário de Notícias", e Edmundo Perdiz. Ambos são conotados com a chamada Extrema-Esquerda.
"Camarada Belo Marques"
Serve de pouco a iniciativa da Direcção. Pouco depois das 11 e meia, a CCT distribui um comunicado, onde informa que, "baseando-se nos plenos poderes que lhe foram conferidos" numa reunião geral de trabalhadores, realizada a 2 de Maio, suspende do exercício de funções a Direcção e a chefia, nomeando director-interino "o camarada Álvaro Belo Marques", até então director comercial da Editorial "República". O texto é suportado pela assinatura de 93 funcionários.
Ao princípio da tarde, como de costume, o jornal sai para a rua, com o nome de Belo Marques no cabeçalho e um editorial onde se acusam os demitidos, entre outras malfeitorias, de estar a partidarizar o jornal em favor do PS.
Uma edição que os socialistas consideram "pirata". O ex-chefe de Redacção João Gomes declara mesmo ao "Jornal Novo", poucos dias depois "Não é um qualquer Belo Marques que possui autoridade moral e política para substutuir uma pessoa com a autoridade moral e política de Raul Rego".
Em todo o caso, a maioria da Redacção também tem direito a dizer de sua justiça, nas páginas do jornal. Mas, quando este chega às bancas, já o PS está a convocar uma concentração para a porta do "República", às 18 horas.
"Não se pode ignorar a vontade popular!"; "Este jornal não é do Cunhal!" e "República é do povo, não é de Moscovo" são algumas das palavras de ordem mais entoadas na manifestação, em que participam quase todos os dirigentes do PS, com Mário Soares à cabeça.
Pelas sete e meia da tarde - com a maioria dos trabalhadores a sentir-se sitiada e a Redacção a afirmar-se sequestrada -, chegam ao local as primeiras forças militares. Já noite alta, é a vez do ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, tido por próximo do PCP, e do director-geral de informação, Rui Montez. Conversações e mais conversações. Ambos os lados se mantêm, no entanto, irredutíveis.
Os trabalhadores são evacuados e as instalações seladas, como a Administração do jornal exigia, desde que perdera o controlo dos acontecimentos. Os últimos "resistentes" da manifestação convocada pelo PS abandonam a Rua da Misericórdia. A 20 de Maio de 75, dia em que completaria 64 anos de vida, o "República" já não sai para a rua.
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