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Subject: Modelos


Author:
Constança Cunha e Sá
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Date Posted: 10/03/06 18:40:32
In reply to: Fernando Penim Redondo 's message, "O novo franchising" on 6/03/06 18:23:00

Modelos
Constança Cunha e Sá


O eng. Sócrates descobriu agora a Finlândia, onde parece que o "seu" choque tecnológico obteve magníficos resultados


Na década de 80, Portugal descobriu a Europa, transformando-se, mais tarde, com o prof. Cavaco Silva, no "aluno aplicado" que haveria de "pedalar" a "montanha" do desenvolvimento. O país acreditou, como é óbvio. Com a Europa e com os fundos da Europa, Portugal ia finalmente fazer parte da Europa. Mais: ia ficar na "moda", como então se dizia, com a segurança que acompanha este tipo de vacuidades. Bastava-lhe receber dinheiro, construir auto-estradas, deixar de ser pessimista, acreditar no futuro e desbaratar os fundos que devia usar para a "formação profissional". Isso e umas tantas "empresas" destinadas à falência e ao enriquecimento rápido dos seus proprietários mostravam ao mundo a nossa notável modernidade.
Infelizmente, a "montanha", que parecia estar ao nosso alcance, revelou-se intransponível. Em pouco tempo, o país deixou o quadro de honra onde estava e, perdendo as ilusões do cavaquismo, instalou-se na famigerada cauda da Europa, numa melancólica competição com a Grécia e em risco de ser ultrapassado pela mão-de-obra barata do Leste. O carro, o frigorífico e as três assoalhadas com que a classe média se endividara não conseguiam disfarçar o velho e miserável atraso em que essa modernidade assentava. O Portugal europeu e desenvolvido, contabilizado pelo número de telemóveis e pelas grandes obras do regime, era afinal o mesmo país de sempre: sem empresas de qualidade, sem um ensino capaz, sem uma justiça fiável, sem investimento privado, sem crescimento económico, sem um défice controlado e sem uma administração pública eficiente.
Seguiram-se os diagnósticos da praxe: manifestos de empresários com receitas miraculosas que (não fosse a Constituição) acabariam, em dois tempos, com a balbúrdia das contas públicas e a falta de produtividade das empresas; abaixo-assinados onde se coleccionam nomes ilustres e se enumeram os muitos imbróglios que entopem o desenvolvimento da pátria; e "fóruns" patrocinados pelas mais altas figuras do Estado que juntam, num diálogo forçado, os vários "agentes" de um "sector" que se enredou, entretanto, nos intrincados meandros da crise. O país, especialista na enumeração dos seus vícios e na melhor forma de os eliminar, tem ao seu dispor um rol imenso de boas intenções e de soluções milagrosas que misteriosamente não consegue aplicar.
Para além disso, que já é bastante, Portugal recorre ainda aos exemplos que lhe vêm de fora, importando ciclicamente um modelo de desenvolvimento que supostamente lhe assenta a preceito. Agora descobriu a Finlândia, como há uns anos descobriu a Irlanda, esse magnífico nicho de desenvolvimento que tinha apenas de se saber copiar. Em tempos de aperto, qualquer pequeno país próspero serve de exemplo. Se a Irlanda, na sua modéstia territorial, se tinha desenvolvido por meio da qualificação e do investimento estrangeiro, Portugal só tinha que aprimorar o ensino e repetir obedientemente a receita. À custa disto, a Irlanda transformou-se numa espécie de mito nacional, invocado, a propósito de tudo e de nada, por qualquer político sensível às modas do desenvolvimento. Ainda, na última campanha eleitoral, a Irlanda, essa magnífica Irlanda que podia ser Portugal, surgiu várias vezes em cena, no papel de desígnio nacional. Não ocorreu a quase ninguém um facto simples e evidente: que a Irlanda, com a sua ligação privilegiada aos Estados Unidos, com quem partilha, aliás, a mesma língua, não é Portugal. Como não tinha ocorrido a quase ninguém, na época gloriosa do cavaquismo, que a Europa não era apenas uma questão de fundos e de betão.
Esgotada a Irlanda, o eng. Sócrates descobriu agora a Finlândia, onde parece que o "seu" choque tecnológico obteve resultados magníficos. Numa visita de reconhecimento ao local, o primeiro-ministro maravilhou-se com o sucesso desse pequeno país e com o facto, deveras extraordinário, de existirem por lá crianças que falam fluentemente inglês. Mais extraordinário ainda, os melhores alunos de uma escola, visitada pelo eng. Sócrates, querem ser professores quando crescerem. Este pormenor não deixa de ser significativo, se levarmos em linha de conta que em Portugal só um estudante a precisar de ajuda profissional é que confessaria ter queda para o ensino. O ensino, aliás, é uma das razões que nos deviam levar a desconfiar deste tipo de comparações.
O facto de o eng. Sócrates apostar na qualificação não transforma, por si só, Portugal numa Finlândia em potência. Não existe qualquer semelhança entre o descalabro do nosso sistema educativo e o que existia na Finlândia quando, na década de noventa, o seu Governo arrancou com as principais reformas no ensino superior. Para além disso, quase tudo nos separa dessa magnífica Finlândia que recentemente descobrimos: o ensino, o papel do Estado, os níveis de corrupção, a cultura empresarial, a capacidade de exportação e o facto de a Finlândia nunca ter "copiado" um modelo de desenvolvimento de sucesso. A ideia de que existe uma "receita" que leva ao desenvolvimento é uma ideia estranha aos países que se desenvolvem. Por cá, no entanto, essa ideia fez escola. Já, no século XIX, a Bélgica era o nosso modelo de eleição: também nessa altura não ocorreu a quase ninguém que sem o carvão, sem a mesma situação geográfica e sem o francês (que ainda contava) Portugal não se iria transformar miraculosamente na Bélgica. Como já se devia ter percebido, o desenvolvimento não vem de fora. Jornalista

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