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Subject: Última chamada


Author:
Miguel Sousa Tavares
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Date Posted: 26/03/06 16:16:45

Última chamada

O modo de vida assente no governo das corporações, faliu clamorosamente e é directamente responsável pelo atraso com que o país vem pagando a manutenção dos seus privilégios


NÃO é preciso repetir e repisar as estatísticas para perceber, sem grande esforço, que Portugal desperdiçou abundantemente vinte anos de oportunidades concedidas pela Europa. Claro que estamos melhor agora do que estávamos há vinte anos - nem o contrário seria possível, depois de tantos e tantos milhões gastos. Mas naquilo que é o verdadeiro indicador do aproveitamento das oportunidades - o encurtar de distâncias para a Europa - marcámos passo ou ficámos ainda mais distantes do que já estávamos. Não vale a pena repetir o que correu mal, já todos estamos fartos de o saber.

O que agora interessa é aproveitar aquele que será talvez o último momento de invertermos o caminho deslizante para o fracasso geral, antes que o 3.º Quadro Comunitário de Apoio se esgote, sem perspectivas de mais um. E agora que, depois de seis anos consecutivos de desgovernação do país, há um Governo que, apesar de erros graves como a Ota, dá a sensação de ter ideias e vontade de começar a mexer no pântano de águas estagnadas em que nos habituámos a viver. O modo de vida português, assente no governo das corporações - indústria farmacêutica a determinar a política de saúde, professores a da educação, magistrados a da justiça, agricultores a da agricultura e autarcas a do ordenamento do território - faliu clamorosamente à vista de todos e é directamente responsável pelo atraso com que o país vem pagando a manutenção dos seus privilégios, hábitos de trabalho e sacrossantos «direitos adquiridos». Pelo que a escolha é simples e é agora: continuamos a entregar-lhes o país nas mãos ou passamos a exigir responsabilidades, resultados e obrigações.

Tomemos o caso dos agricultores, que nestes últimos dias se têm manifestado nas ruas, exigindo a demissão do ministro, por uma questão que basicamente tem que ver com o pagamento de subsídios, particularmente os referentes às políticas agro-ambientais. À partida, formal e substancialmente, eu acho que eles têm razão neste ponto: se a reforma da PAC passou a contemplar subsídios às políticas chamadas agro-ambientais, em alternativa à produção, e se as suas escolhas e expectativas foram determinadas por isso, não é possível faltar ao prometido a meio do percurso, independentemente de se poder achar que essa opção não merece continuação no futuro. Mas a primeira coisa que me faz espécie é que os agricultores (tal como os médicos, os juízes ou os professores), quando não gostam da política de um ministro, acham logo que têm toda a legitimidade para exigir, sem mais, a sua demissão. Como se um Governo escolhido em eleições pudesse ser remodelado na rua por umas centenas de pessoas ou como se as políticas de cada Ministério mais não devessem fazer do que escutar e seguir a orientação determinada pelos profissionais ou corporações do sector. É disso que temos vivido e com os resultados à vista.

Em segundo lugar, e por mais respeito que eu tenha, e tenho, aos agricultores, e por mais que reconheça que, pelo menos na vigência desta absurda e injusta política agrícola comum, não há alternativa que não uma agricultura subsidiada, também não posso deixar de compreender um ministro que diz que é preciso pôr fim à mentalidade subsidiodependente. Há aqui uma contradição, que é inevitável, mas não deve fazer esquecer a moral das coisas: de facto, é justo e é útil para o país que os agricultores sejam subsidiados até certo ponto - para que não morra de vez a agricultura e, com ela, o mundo rural e o interior. Mas a profissão de agricultor não pode consistir apenas na caça ao subsídio - ou porque não choveu, ou porque choveu demais, ou porque não fez sol na eira nem chuva no nabal. E nenhum profissional que se preze pode viver eternamente com a expectativa de lhe ver reconhecido o direito de receber ajudas públicas para não produzir, porque isso é reduzir a causa de legitimidade da ajuda exclusivamente ao direito de propriedade sobre a terra. Os agricultores que se manifestam nas ruas e cujo descontentamento parece ser eterno, têm de começar a compreender algumas questões que a opinião pública, por sua vez, tem o direito de colocar e de ver respondidas: para que serviu Alqueva, por exemplo? Para que serviu esse tremendo investimento, se vemos os agricultores portugueses da zona a vender as terras aos espanhóis, renunciando ao regadio que tinham prometido e reclamado, em benefício de mais-valias simples, realizadas graças ao investimento dos contribuintes portugueses e europeus? Como se justifica que os espanhóis venham para cá produzir, aproveitando quotas comunitárias que em Espanha estão esgotadas mas que em Portugal ainda estão por gastar, com isso caindo-se na situação surreal de contribuintes portugueses financiarem agricultores espanhóis em Portugal? Como se justifica que tenhamos desperdiçado o negócio fabuloso do olival ou do montado de sobro, em benefício dos eucaliptos e dos contratos com as celuloses, ou do abandono, puro e simples? E, já agora, como se justifica que a Espanha, partindo do mesmo estádio e beneficiando das mesmas ajudas «per capita», tenha hoje uma agricultura pujante, enquanto que a nossa regrediu em termos de produção? Pode ser que para algumas destas questões haja respostas mais ou menos satisfatórias, que a mim me escapam, por desconhecimento. Mas julgo que o fundamental é perceber-se que o grosso dos portugueses - que não são subsidiados na sua actividade, mas sim contribuintes líquidos para os subsídios dos outros - têm o direito de perguntar em que é gasto o seu dinheiro e com que resultados. Não basta pôr os tractores cá fora e gritar «ministro para a rua!».

Outro caso é o eterno Algarve. Trinta anos de uma eufemisticamente chamada política de turismo, determinada exclusivamente por autarcas e promotores imobiliários e turísticos, e sustentada apenas na construção desenfreada e sem planeamento, conduziram a este resultado lapidar: descontada a inflação e a revalorização do dólar, o turismo algarvio recebe hoje, com cinco vezes mais turistas, praticamente o mesmo que recebia há trinta anos. Entretanto, o Algarve foi abastardado a um ponto que revolta e atingiu o nível de saturação no que se refere a infra-estruturas tão essenciais como o saneamento básico, fornecimento de água, capacidade de estradas ou das próprias praias, que são o «core business» de tudo. Em pleno Verão, há concelhos sem água, estradas entupidas, praias em processo avançado de erosão, arribas a desabarem devido ao excesso de construção na costa, esgotos a correrem para a praia à luz do dia.

E o que querem os autarcas e promotores turísticos algarvios? Mais do mesmo. Querem que o Governo volte atrás com o projectado Plano de Ordenamento do Algarve, onde, entre outras coisas, se pretende limitar a construção na faixa de 500 metros da costa. Dizem que isso é «travar o desenvolvimento» e «assinar a sentença de morte do turismo». Em vez disso, querem rédea livre, não só para tudo mais que já aprovaram e que o Plano não conseguirá evitar devido aos famosos e criminosos «direitos adquiridos», como para tudo o resto que pretendem livremente aprovar, seja na Ria Formosa ou na Ria de Alvor ou onde restar um metro quadrado de falésia por urbanizar. O que talvez os portugueses não se dêem conta é que, graças a esta política que eles pretendem continuar livremente, o país tem de gastar anualmente uma fortuna a promover o turismo algarvio no estrangeiro - não, obviamente, com fotografias da fabulosa obra erguida pelos autarcas, mas com fotografias raras, tiradas no Inverno, de praias semidesertas e falésias despidas, para ver se os trazemos cá ao engano.

Continuamos assim, mudamos de país, ou mudamos de vida?

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O MST está carregado de razão (NT)Não há pachorra...30/03/06 7:50:13


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