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Subject: MISSÕES (CUBANAS) EM CONFLITO


Author:
GABRIEL MOLINA
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Date Posted: 30/05/07 20:06:10









MISSÕES (CUBANAS) EM CONFLITO
O vilão é Henry Kissinger

POR GABRIEL MOLINA

O prémio correspondente a 2003 da Associação de Historiadores da Política Externa dos Estados Unidos (SHAFR) surpreendeu o próprio autor.

O professor da Universidade John Hopkins, de Nova Iorque, Piero Gleijeses, autor do livro Missions in Conflict: Havana, Washington and Africa 1959-1976, (Missões em conflito: Havana Washington e África 1959-1976) não podia acreditar que fizesse jus a tal distinção, visto que «a mensagem principal da obra é o reconhecimento da ajuda altruísta de Cuba à África, que propiciou, entre outros resultados, a libertação de Mandela», disse ao Granma Internacional.

Com efeito, é extremamente difícil que ali seja premiada uma obra que ofereça um balanço positivo da Revolução cubana. Porém, agora é certamente surpreendente, pois neste ano aumentaram as campanhas contra Cuba nos Estados Unidos e nos países da União Europeia. O professor só acreditou quando o veredicto foi proclamado oficialmente.

Gleijeses escreveu Missions..., após realizar uma extensa pesquisa, em que recorreu a arquivos com informação revelada da Agência Central de Inteligência (CIA), de Cuba e outros da Rússia, Alemanha e África do Sul, além de artigos da imprensa no Congo, Guiné Bissau, Tanzânia e outras nações: «O método de pesquisa» -- admite -- «exige de tempo, memória, organização, analisar jornais, arquivos, bibliotecas, nomeadamente as bibliotecas presidenciais que são importantes, pois as nacionais quase nunca possuem documentos da CIA e da Casa Branca. Os arquivos nacionais até 74 e 75 são pobres e demora para ter acesso a eles. A informação sobre o período do governo de Carter é a mais rica e ainda se continua a revelar informação».

O autor é um reconhecido investigador com mais de 40 anos de experiência e que escreveu livros relevantes como o referente à invasão norte-americana à República Dominicana, em 1965 e a obra Shattered Hope, The Guatemalan Revolution and the United States 1944-54, onde usou fontes do gabinete de historiadores do Departamento de Estado e volumes da publicação Foreign Relations of the United States, para mostrar como foi organizado pela CIA o derrube do governo de Jacobo Árbenz. Gleijeses afirma que este livro lhe abriu as portas de Cuba, mesmo que não fosse nada fácil. Também foi conflituoso.

«O importante deste prémio é que a Associação, não sendo uma organização de esquerda, reconheceu o valor de uma obra, cujo autor não pertence à SHAFR e revela a dívida dos africanos para com Cuba. Este pequeno país, desde o início da Revolução, foi muito altruísta com a Argélia durante a guerra contra o colonialismo francês e com boa parte da África, até à guerra de Angola em 1976.

A outra mensagem inusitada do livro Missions... é que os Estados Unidos não se saem bem. E apesar disso, obteve um prémio dos EUA», disse. «Tudo isso é porque teve forte documentação para conseguir passar mensagens que não agradam a esse público. Se fosse um livro do género stablishment não seria tão interessante o que aconteceu».

A obra tem três edições em inglês, a última, em Fevereiro de 2003 e também em espanhol, pela editora cubana Ciencias Sociales.

Gleijeses afirma: «A tese é que nenhum país manteve uma política tão altruísta durante tanto tempo. Manteve-se durante a revolução bolchevique, durante a do Haiti, com sua ajuda a Bolívar. Porém, na pesquisa, a de Cuba chega até o fim dos 80».

Com base na sua impressão e naquilo que encontra nas pesquisas posteriores, atesta que, depois de 76, se mantêm os mesmos elementos: 1) altruísmo e 2) respeito aos movimentos e governos que Cuba ajuda e quase sustém. Cuba consegue impedir que sejam vistos com menosprezo.

O ensaísta teve acesso às transcrições das conversações, em 1981, de Fidel Castro, Raúl Castro e Jorge Risquet com os líderes angolanos e manifesta: «Os cubanos deviam ter ficado muito zangados, pois em 79 e 80 Reagan tinha proferido ameaças e a URSS afrouxou. Todavia, Cuba envia mais ajuda a Angola e mantém o mesmo respeito.

«Houve conquistas por parte de Luanda, como o acordo de Lusaka com o regime racista da África do Sul, sem nem sequer informar Cuba. E contudo, nas conversações entre Fidel Castro e Eduardo dos Santos constata-se cátedra magistral, muita educação, tamanho impacto, apesar de magoado, porém sempre com muito respeito. Deviam-lhe o pagamento da ajuda técnica e, desde Outubro de 1983, torna-se grátis e além disso, como os remédios não podiam esperar por um cartão de crédito, são enviados sem se preocupar se lhe vão ser pagos ou não.

«É muito impressionante. Fará parte de algo que penso em fazer: pesquisar a política exterior cubana desde 1959 até 89. Agora não pode se revelar, mas é uma história muito bela. Eu acho que vai interessar a Fidel. Por exemplo, a viagem à Argentina, onde foi recebido apoteoticamente, pela projecção da Revolução Cubana. Esse livro é um sonho meu».

O professor organiza suas aulas na John Hopkins da maneira seguinte: Política dos Estados Unidos desde a independência até a Primeira Guerra Mundial. História da Guerra Fria. Relações Internacionais desde o Congresso de Viena até a Segunda Guerra Mundial. A respeito de Cuba, examina a oposição do governo norte-americano à independência, desde Jefferson até a década de 20. Narciso López em 1859, e desde Martí e Bolívar até Fidel.

«Às vezes, os estudantes olham para mim como se eu fosse doido, mas não podem objectar, pois tudo está muito documentado e evidenciado.

«Alguns asseguram que tenho preconceitos, mas como conheço muito bem a disciplina, respeitam-me, ainda que esta universidade seja conservadora, da qual foi decano Wulfowitz, alto funcionário da Secretaria de Defesa, que admitiu que a guerra contra o Iraque não procurava armas de extermínio em massa, mas derrubar o governo do país. Este desafio faz com que eu procure fortes evidências e conhecimentos. Por exemplo, da guerra de 98 em Cuba, revistei 41 jornais dos EUA e 12 da Europa. Sei muito bem a respeito disso».

Com sua barba diminuída e grisalha, magro e agitado, o prof. Gleijeses é um óptimo comunicador e conversador. Os que o criticam afirmam que o livro sobre Cuba finda em 76 ou que trata apenas da África, «porque não têm a dizer para o refutar. Ninguém pode negar o altruísmo de Cuba, o qual se depreende dos documentos pesquisados.

«A diferença de minha obra da Operação Carlota, de García Márquez, é o uso frequente de documentos de todo tipo de fontes.»

Porém, as opiniões sobre a situação de Cuba no período pesquisado pelo professor, repetem-se nesta década. As opiniões de Gleijeses podem se relacionar então com as de Fidel, quando do recente discurso em 26 de julho. A resolução tomada sobre Cuba em Junho passado pela União Européia, impulsionada por José María Aznar desde 1996 com sua chamada «posição comum», condiciona as relações da UE com Cuba a determinadas concessões políticas só exigidas à Ilha. A UE, também sob pretexto das medidas tomadas por Cuba para se defender da Lei Helms e do complô dos Estados Unidos contra sua soberania, ratificou no encontro de 20 de julho a decisão de suspender ou diminuir minimamente o que qualificam de «ajuda humanitária» a Cuba.

O presidente de Cuba revelou que «em 2000 a chamada ajuda humanitária recebida da UE foi de US$ 3,6 milhões; em 2001, 8,5 milhões, e em 2002, 600 mil, «quando ainda não se haviam aplicado as justas medidas que Cuba adoptou, sobre bases absolutamente legais»...

Fidel recordou que nesse período Cuba «sofreu o impacto de três furacões que provocaram estragos no valor de US$ 2,5 bilhões, acrescentando a isso, as consequências dos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de Setembro de 2001, para o turismo, o quebra dos preços do açúcar e do níquel por causa da crise económica internacional e do crescimento considerável dos preços do petróleo por diversas causas».

Denunciou, ademais, que os subsídios da UE para o açúcar afectaram as receitas de Cuba no valor de bilhões de dólares. Além disso, comparou os pagamentos de Cuba aos países da UE por conceito de importações de mercadorias nos últimos cinco anos, que atingiram a média de US$ 1,5 bilhão anual com os produtos cubanos importados por esses países, na ordem de US$ 571 milhões anuais nos últimos cinco anos. Perguntou-se: «Na verdade, quem está ajudando a quem?»

«Enquanto combatentes cubanos derramavam seu sangue lutando contra os soldados do apartheid, os países da União Europeia trocavam bilhões de dólares a cada ano em mercadorias com os racistas sul-africanos, e através de seus investimentos, beneficiavam do trabalho semi-escravo e da mão-de-obra barata de nativos sul-africanos», acrescentou.

Compara esta atitude da UE com a de Cuba em relação aos países do Terceiro Mundo, sem requerimentos políticos e sem apanhar nada deles: «Durante 40 anos, formaram-se em Cuba mais de 40 mil jovens de mais de 100 países do Terceiro Mundo como profissionais universitários e técnicos qualificados, sem pagar um só centavo, 30 mil deles, provenientes da África, sem nosso país roubar um só deles, como fazem os países da União Europeia com muitos dos talentos». No decurso deste tempo, mais de 52 mil médicos e trabalhadores da saúde cubanos, que salvaram milhões de vidas, prestaram serviços grátis e de maneira voluntária em 93 países...Em 2002, já havia mais de 16 mil jovens do Terceiro Mundo passando grátis cursos de ensino superior na Ilha, entre eles, mais de oito mil que se formam como médicos. Se fizermos um cálculo do que teriam de pagar nos Estados Unidos e na Europa, se somarmos os 3 700 médicos que prestam serviços no Exterior nos lugares mais afastados e recônditos, seria no total cerca de US$ 700 milhões. Isso deveria servir de exemplo e vergonha à União Europeia.

Os líderes da UE deveriam examinar estas estatísticas e ler o Missions..., antes de falar deliberadamente sobre os direitos humanos. O livro teve muita repercussão e os jornais redigiram artigos muito positivos a respeito dele, como o The Washington Post (3-31-02): «Piero Gleijeses... argumenta persuasivamente que a África hoje estaria melhor, as relações entre Washington e Havana poderiam ser menos frias e os Estados Unidos teriam menos sujas de sangue as mãos, se os líderes norte-americanos tivessem assimilado a informação fornecida por suas próprias agências de inteligência. Se o Missions... tem um vilão, não é Fidel Castro, nem Che Guevara, mas Henry Kissinger».

Com certeza, a história repete-se.


Notas:

1) O "Robert H.Ferrell Book Prize" destina-se a distinguir trabalhos académicos relevantes na história das relações internacionais americanas. O prémio é anunciado durante o encontro anual da organização dos Historiadores Americanos.

2) Mais informação pode ser obtida em:

*

The University of North Carolina Press: Conflicting Missions

*

The National Security Archive: Conflicting Missions



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