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Subject: Portugal e o Pico de Hubber


Author:
Jorge Figueiredo
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Date Posted: 23/05/07 17:45:24


Portugal e o Pico de Hubbert
por Jorge Figueiredo [*]

Produção e descobertas de petróleo. Um fantasma ronda o mundo. É o fantasma do fim da era do petróleo. O início do seu fim está a dar-se neste momento, quando a humanidade atinge o Pico Petrolífero. A partir deste ponto máximo a curva da produção mundial já não pode aumentar e inicia o seu declínio irreversível. Nos próximos 40 ou 50 anos a dotação de petróleo convencional existente no planeta deverá estar praticamente esgotada. Trata-se de um facto com profundas, graves e pesadas consequências para toda a humanidade, até mesmo de ordem demográfica.

Nos breves minutos concedidos para esta intervenção é impossível explicar com mais pormenor a teoria desenvolvida pelo Dr. King J. Hubbert, o grande geofísico norte-americano. Para os interessados remeto às investigações contemporâneas de cientistas como Collin Campbell, Jean Laherrere, Ali Bakhtiari, Kenneth Deffeyes, Matthew Simmons, Rui Namorado Rosa e tantos outros, que corroboram a plena validade da descoberta do Dr. Hubbert.

Pode-se perguntar: por que chamámos de fantasma àquilo que é um facto já estabelecido por numerosíssimas evidências empíricas e dados quantitativos? Resposta: pela simples razão de que tal facto está a ser omitido e silenciado. Trata-se de um conhecimento reservado apenas a "iniciados". Os governos do mundo que sabem da existência do Pico Petrolífero escondem-no dos seus cidadãos. As empresas petroleiras preferem não falar do assunto em público, tentando prolongar ao máximo uma situação que lhes é vantajosa. E os media ditos "de referência" vão entretendo o público com ficções marginais, como essa gigantesca campanha para instilar o medo de um suposto aquecimento global.

Não precisaremos esperar 50 anos para sentir as consequências do Pico. Elas já começaram a fazer-se sentir. Basta ver a nova agressividade do imperialismo pelo domínio dos recursos petrolíferos remanescentes no planeta, na África, Ásia, América Latina e obviamente Médio Oriente, onde chega a brutais invasões armadas e à instalação de bases militares permanentes. Assistimos a tudo isso, mas entre o grande público persiste um défice de percepção das suas causas de fundo: o fim da Era do Petróleo, anunciado pelo Pico (ou actual plateau).

Há uma realidade que deve ser encarada de frente: o petróleo convencional não pode ser substituído, não existe no mundo qualquer outra energia primária que substitua a quantidade agora produzida e consumida de petróleo convencional, da ordem do 84 milhões de barris por dia. Nem os petróleos não convencionais ( deep offshore, polar, areias betuminosas, petróleos pesados, processos coal to liquids e gas to liquids, etc), nem as energias renováveis (como as mixórdias feitas com biocombustíveis líquidos), nem o metano fóssil ou não-fóssil podem substituir as quantidades colossais hoje gastas na grande festa do consumo de petróleo. Simplesmente não existem meios energéticos alternativos para tais quantidades.

Deste dado factual devem-se tirar as conclusões que se impõem: 1) a humanidade terá necessária e inevitavelmente de reduzir o seu consumo energético; 2) deveríamos desde já preparar uma transição tão suave quanto possível, não traumática, para o mundo pós petróleo. Tal preparação, estima um investigador norte-americano, levará pelo menos uns dez anos e exigirá grandes investimentos.

Além disso, há uma terceira conclusão a ser extraída: a partir de agora deveríamos poupar tanto quanto possível do petróleo remanescente no planeta em benefício das gerações vindouras. É o que propõe o "Protocolo do Esgotamento" (Depletion Protocol), um esquema inteligente de racionalização da produção e consumo de petróleo destinado a congregar os interesses divergentes dos países produtores e dos países consumidores. O PCP já deu um passo nesse sentido: muito lucidamente apresentou no Parlamento o Projecto de Resolução Nº 164/X (Diário da Assembleia da República, 2ª série, 20/Dezembro/2006).

Se no plano mundial já há numerosos estudos acerca das consequências do início do fim da Era do Petróleo, aqui no nosso burgo lusitano estamos atrasadíssimos até mesmo quanto à consciência da própria existência do Pico, e mais ainda quanto às suas consequências. Continuamos alegremente a festa do consumo desbragado de petróleo, como se ela pudesse perdurar para sempre. A ignorância dos governantes portugueses é aterradora e nem sequer dispõem de uma política energética digna desse nome.

A dependência portuguesa nas importações de energia é da ordem dos 84 por cento. Além disso verifica-se um afunilamento: do total da energia importada, 68 por cento é constituída por petróleo. Trata-se de uma situação assustadora mesmo nesta fase incipiente em que as consequências do Pico ainda são ténues. Considerando que no mundo pós-Pico haverá uma tendência estrutural para o aumento do preço do barril, Portugal ficará numa situação de vulnerabilidade total.

Em 2005 o país efectuou importações líquidas de 15,88 milhões de toneladas de petróleo. A repartição do consumo final nesse ano, como mostra o balanço energético da DGGE , foi assim:
Sector Toneladas %
# Agricultura e pescas
278.290 2,4
# Indústrias extractivas
74.190 0,7
# Indústrias transformadoras
1.535.808 13,5
# Construção e obras públicas
849.890 7,5
# Transportes
dos quais: rodoviários
6.840.828
6.199.830 60,0
54,4
# Doméstico
715.656 6,3
# Serviços
1.100.647 9,7
Consumo final 11.395.309 100

Estes números mostram a desindustrialização do país (apenas 13,5 por cento para a indústria transformadora). Mas mostram sobretudo o verdadeiro cancro que corrói a economia portuguesa: o desbragado consumo energético do sector dos transportes, o qual é constituído quase exclusivamente por refinados de petróleo. Qualquer governo decente consideraria tal situação, em si mesma, como insustentável. Mesmo que não estivéssemos na primeira fase do mundo pós-pico do petróleo (adoptando o modelo classificatório das quatro fases proposto por Bakhtiari) a situação presente é altamente preocupante e exige medidas de emergência no imediato.

Tratar com profundidade assuntos secundários e ignorar o que é realmente importante constitui uma atitude suicida — mas parece ser aquela adoptada pelo governo Sócrates. Por ignorância ou inconsciência, o governo português não só não está a tomar a medidas necessárias para minimizar o impacto do fim da Era do Petróleo como efectua acções que poderão agravá-lo, comprometendo gerações futuras de portugueses. Impõe-se que tal atitude seja revertida, tendo em atenção os prazos, ou seja, as quatro fases que decorrerão entre o presente e o ano 2020. É preciso que a actual primeira fase do pós-Pico (a decorrer até 2009-2010), relativamente benigna, seja aproveitada para preparar as fases mais gravosas que virão a seguir.

Assim, aponta-se como rumos de actuação o seguinte conjunto de medidas:

1) Criar, no âmbito do Estado, um grupo nacional de preparação para o enfrentamento do Pico Petrolífero, constituído por sábios e personalidades eminentes no domínio da energia.

2) Reexaminar todos os grandes projectos nacionais à luz das consequências do Pico Petrolífero, o que deverá conduzir à paralisação do desenvolvimento dos projectos mais absurdos agora em curso (como o novo aeroporto , o TGV e a proliferação de termoeléctricas a gás natural);

3) Relançar o Plano Energético Nacional (PEN), com base na regra dos 80/20 e uma atenção muito especial ao sector dos transportes. O novo PEN deverá abandonar a política demissionista do Estado no domínio energético, hoje entregue à sanha predatória do capital monopolista em busca do lucro fácil;

4) Iniciar a consciencialização dos operadores económicos, do público em geral e dos próprios governantes quanto à real situação energética do mundo;

5) Ter em atenção aquilo que outros governos europeus estão realmente a fazer – ainda que de forma discreta – no domínio das medidas preparatórias para minimizar o impacto do Pico Petrolífero (o que nem sempre coincide com as políticas apregoadas pela União Europeia);

6) No domínio dos transportes rodoviários, iniciar uma política geral de substituição dos combustíveis petrolíferos pelo gás natural comprimido (GNC) e gás natural liquefeito (GNL), com a instalação de uma rede postos de abastecimento de GNC e GNL;

7) Adjudicar a laboratórios do Estado (como o INETI) a instalação de protótipos e posterior generalização de instalações para a produção de biometano a partir de Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETARs), aterros sanitários e biomassa florestal;

8) No domínio da produção de electricidade: a) esgotar o potencial hidroeléctrico nacional antes do ano 2020; b) privilegiar o carvão na instalação de novas centrais termoeléctricas; c) suspender os licenciamentos de quaisquer novas termoeléctricas a gás natural; d) preparar a instalação de uma primeira central nuclear em Portugal.

Caro amigos:
Penso que mal pude aflorar as questões principais. Mas, dentro do espaço de tempo que me foi concedido, este é o resumo que consigo transmitir quanto às nossas reflexões acerca do futuro da energia em Portugal. Muito obrigado pela vossa atenção. Fico à disposição para quaisquer esclarecimentos.
[*] Intervenção na sessão sobre Energia, realizada em Lisboa a 22/Maio/2007 no âmbito da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
23/Mai/07

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