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Subject: Re: Do "socialismo do séc XXI" até ao "comunismo do séc XXXI"... E doidos são os muslins!


Author:
vou ali volto já
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Date Posted: 9/01/07 19:27:51
In reply to: vou ali volto já 's message, "Do "socialismo do séc XXI" até ao "comunismo do séc XXXI"... E doidos são os muslins!" on 9/01/07 19:24:12

Partindo de Meszaros – propostas concretas para transformar a Venezuela

Michael Lebowitz

«No seio da nova sociedade socialista “a primazia das necessidades” parte, não do direito particular de consumir sem limites, mas da “própria necessidade do trabalhador de se desenvolver”; das necessidades das pessoas numa sociedade onde “o livre desenvolvimento de cada um seja o livre desenvolvimento de todos”»

Michael Lebowitz* - 09.01.07

Ao reler Para além do Capital de Istvan Meszaros fiquei muito impressionado pela forma como vai directo ao miolo da nova sociedade que se deve construir. É verdade que se inspira muito nos Grunddrisse (e sobre isso já muitas vezes chamei a atenção), no entanto, o que é extraordinário é como pormenoriza o caminho indicado por Marx. Especialmente importante é o modo como enfatiza a existência no capital de uma “determinação duplamente tirânica (uma coisa que evitaram analisar os reformadores da corrente socialista de mercado da URSS): a) o autoritarismo no lugar específico do trabalho e b) a tirania do mercado totalizador (Meszaros 1995: 974-5, 837).

É por tão claramente ver esta tirania que Meszaros identifica, de forma muito precisa, como características da nova sociedade socialista: a) que o controlo da produção “seja completamente entregue aos próprios produtores” e b) que o carácter social do trabalho seja directamente reafirmado e não post factum. Quer dizer, a actividade produtiva neste socialismo é social, não porque produzimos uns para os outros através da mediação de um mercado, mas porque nós, conscientemente, produzimos para outras pessoas. E é social não porque nos tivessem dito que produzamos essas coisas, mas por que nós, como indivíduos que estamos dentro dessa sociedade, optamos por produzir para aqueles que necessitam o que lhes podemos fornecer.

Isto é o que Meszaros considerou o miolo deste novo socialismo: “a primazia das necessidades” (Meszaros, 1995: 835). As nossas necessidades como integrantes da sociedade – quer como produtores quer como consumidores – são chaves. Esta é uma sociedade centrada num intercâmbio consciente de actividades referidas às necessidades e fins comunitários. Esta é uma sociedade de seres humanos novos e plenos que se desenvolvem no decurso do acto de produzir com outros e para outros; estas são pessoas para quem o desejo de possuir e a necessidade de dinheiro a ele associada (a necessidade real que produz o capitalismo, assinalou Marx) se extinguem. Estamos a descrever um mundo novo no qual temos as nossas necessidades individuais relacionadas com o nosso próprio “desenvolvimento integral”, mas onde não somos impelidos a actuar por estímulos materiais. Este é um mundo no qual a nossa actividade é em si mesma uma recompensa (e é, efectivamente, “o desejo primordial da vida”) porque é através desta actividade que nos reafirmamos como seres sociais conscientes. É um mundo em que produzimos valores de uso para os demais e nos produzimos a nós próprios como membros da família humana.

Mas, obviamente, estas pessoas não caiem do céu. Formam-se através de cada aspecto da sua vida, não só pela sua actividade como produtores, mas também nas esferas da distribuição e do consumo. Meszaros sublinha que nesta dialéctica complexa de produção-distribuição-consumo nenhuma parte pode actuar por sua conta e risco. É necessário reestruturar radicalmente o conjunto destas relações, porque o capitalismo é “uma estrutura da sociedade na qual todas as relações existem simultaneamente e se apoiam umas às outras” (Marx). Então, como se podem fazer mudanças verdadeiras, se há que mudar todas as relações, e todas não se podem mudar simultaneamente?

Isto deverá fazer-se tal como se desenvolveu o capitalismo. O capitalismo desenvolveu-se mediante um processo, processo “em que foi subordinando todos os elementos da sociedade a si mesmo”, e criando os órgãos que ainda lhe faziam falta. A nova sociedade socialista deve desenvolver-se de forma semelhante, através dum processo de subordinação de todos os elementos do capitalismo e da lógica do capital, e mediante um processo de inserção, no seu lugar, de uma lógica centrada nos seres humanos. Deve proceder reunindo os elementos de uma nova dialéctica de produção-distribuição-consumo.

Elementos do novo socialismo

Quais são estes elementos? No centro desta combinação nova há três características: (a) a propriedade social dos meios de produção, que é a base para (b) a produção social organizada pelos trabalhadores, para (c) satisfazer as necessidades e os fins comunitários. Examinemos cada destes elementos e a sua combinação.

A propriedade dos meios de produção é primordial porque é a única forma de garantir que a nossa produtividade social e comunitária se dirige ao livre desenvolvimento de todos, em vez de ser utilizada para satisfação dos propósitos particulares dos capitalistas, grupos de indivíduos ou burocratas estatais.

No entanto, a propriedade social não é o mesmo que propriedade estatal. Esta última pode coexistir com empresas capitalistas do Estado, com firmas estatizadas e hierárquicas e com empresas nas quais grupos de trabalhadores (em vez da sociedade como um conjunto) recebem os benefícios mais importantes desta propriedade estatal.

A propriedade social implica uma democracia profunda, uma democracia na qual as pessoas funcionam como sujeitos, tanto enquanto produtores com enquanto membros da sociedade.

A produção organizada pelos trabalhadores constrói novas relações entre os produtores: relações de cooperação e de solidariedade; além disso permite aos trabalhadores pôr fim à “mutilação física e intelectual” e à perda de “cada átomo de liberdade, tanto na actividade física como na actividade intelectual” (Marx), que provém da separação da mão e da cabeça, característica da produção capitalista.

Enquanto se impedir aos trabalhadores desenvolverem as suas capacidades, combinando o pensar com o fazer quando trabalham, aqueles permanecerão seres humanos alienados e fragmentados, cujo único gozo consiste em possuir e consumir bens. Por consequência, enquanto esta produção se desenvolver para seu benefício particular em vez de ser em função da sociedade, os trabalhadores considerarão as outras pessoas (e assim ocorrerá também entre eles próprios) como meios para alcançar fins particulares e permanecerão assim alienados, fragmentados e mutilados. A produção social é, então, uma condição para o pleno desenvolvimento dos produtores.

Para satisfazer as necessidades comunitárias requere-se, como condição necessária, um método para identificar e comunicar estas necessidades e fins. Isto requere o desenvolvimento, a todos os níveis, das instituições democráticas que podem expressar as necessidades da sociedade. Só quando a informação e as decisões flúem, desde baixo até cima, a produção poderá reflectir as necessidades comunitárias.

No entanto, se não existe uma transformação da sociedade, as necessidades que se transmitem desde baixo até cima são necessidades de pessoas formadas dentro do sistema capitalista, pessoas que “económica, moral e intelectualmente ainda levam reproduzida a velha sociedade” (Marx). No seio da nova sociedade socialista “a primazia das necessidades” parte, não do direito particular de consumir sem limites, mas da “própria necessidade do trabalhador de se desenvolver”; das necessidades das pessoas numa sociedade onde “o livre desenvolvimento de cada um seja o livre desenvolvimento de todos”. Numa sociedade como esta, onde a nossa actividade produtiva para os demais é, em si mesma, uma recompensa e onde se dá um desenvolvimento integral dos indivíduos, a sociedade pode ter como lema: “a cada um segundo a sua necessidade de desenvolvimento”.

Um debruçar sobre estes três elementos específicos sugere que cada elemento depende da existência dos outros dois. Precisamente para aí apontou Meszaros quando referiu a inseparibilidade desta combinação distribuição-produção-consumo. Sem produção para as necessidades sociais, não há propriedade social autêntica; sem propriedade social não há tomada de decisões por parte dos trabalhadores orientada para as necessidades da sociedade; sem a tomada de decisões por parte dos trabalhadores, não há transformação das pessoas e das suas necessidades. A presença dos defeitos herdados da velha sociedade em qualquer destes elementos contamina os outros dois. Voltemos à pergunta chave: como é possível uma transição quando tudo depende de tudo?

Para identificar as medidas que são imprescindíveis para a construção desta nova sociedade socialista, é de importância fundamental entender o conceito de “prática revolucionária” de Marx – a transformação simultânea das circunstâncias e a actividade humana, ou a auto-transformação. Para transformar uma estrutura na qual todas as relações coexistem em simultâneo e se apoiam umas às outras, o nosso esforço não pode limitar-se a mudar alguns elementos desta estrutura; há que, em todos os momentos, pôr ênfase no aspecto central de todas estas relações: os seres humanos como sujeitos e produtos da sua própria actividade.

Cada actividade que uma pessoa empreende transforma-a. Assim, em cada actividade há dois produtos: a transformação das circunstâncias ou das coisas (por exemplo, no processo de produção) e o produto humano. Quando se fala dos campos estruturais, esquece-se, amiúde, este segundo aspecto da produção; no entanto, a constituição bolivariana não se esqueceu disto quando destacou a importância da prática e do protagonismo, sobretudo ao destacar a participação como “o meio necessário para alcançar o compromisso que assegure o seu completo desenvolvimento, tanto individual como colectivo”.

Que significa reconhecer explicitamente este processo de produzir pessoas? Primeiro, ajuda-nos a entender a razão pela qual as mudanças devem ter lugar em todos os campos: cada vez que as pessoas actuam dentro das relações velhas ocorre um processo de reprodução das velhas ideias e atitudes. Ao trabalhar debaixo das relações hierárquicas, ao operar sem capacidade de tomar decisões no local de trabalho ou na sociedade, ao centrar-se no interesse individual em vez da solidariedade dentro da sociedade, estas actividades produzem pessoas por cada dia que passa. É a reprodução do conservadorismo da vida quotidiana.

Reconhecer a existência deste segundo aspecto, leva-nos também a centrarmo-nos na introdução de medidas concretas que tenham em conta o efeito destas medidas no desenvolvimento humano. Neste sentido, devemos colocar-nos duas perguntas, antes de decidir o passo seguinte: como é que esse passo vai mudar as circunstâncias e como vai ajudar a produzir os sujeitos revolucionários e aumentar as suas capacidades? Muitas vezes há várias maneiras de produzir mudanças, mas as batalhas específicas que construirão este socialismo novo serão, antes de mais, as que não só conquistem um novo terreno, mas também as que produzam um exército capaz de travar com êxito novas batalhas.

Escolhendo os passos concretos

Quando nos centramos nos seres humanos e no seu desenvolvimento é fácil ver como estão interligados os elementos dentro da dialéctica nova de produção-distribuição-consumo. Trata-se de um processo de sinergia: as mudanças na esfera da produção afectam as esferas da distribuição e do consumo; Assim, este todo é maior que a soma das suas partes individuais.

Consideremos cada um dos elementos, um a um.

A revolução bolivariana deu um salto gigantesco no século XXI ao criar os conselhos comunitários, uma célula essencial do socialismo do século XXI. Os conselhos comunitários oferecem um meio através do qual os vizinhos(as) podem identificar democraticamente as necessidades e aprendem, através do diagnóstico participativo, a convocar os vizinhos para identificar democraticamente as suas necessidades e a conduzi-los na procura das fórmulas para as resolver, mediante acção da comunidade. Neste sentido, estas instâncias comunitárias são uma escola de socialismo: ali se produz, simultaneamente, uma mudança das circunstâncias e o desenvolvimento das pessoas “tanto individual como colectivamente”.

Os conselhos comunitários também são uma base sobre a qual construir. À medida que os conselhos começam a funcionar com sucesso, eles podem avançar na identificação das necessidades da comunidade: quais são estas necessidades (tanto as individuais como as colectivas) e com que recursos locais se conta para as satisfazer? Por exemplo: os conselhos podem fazer um censo das cooperativas e empresas que existem no seu território e podem produzir para as necessidades locais. Além disso podem reunir os trabalhadores e a comunidade para discutir diferentes maneiras de produzir em função das necessidades e dos propósitos comunitários.

Neste caso os conselhos comunitários são um paradigma do processo. Não são apenas um veículo para a transformação, tanto das circunstâncias como dos próprios protagonistas, mas também avançam, passo a passo, para um aprofundamento do processo. Inevitavelmente, nem todos os conselhos se desenvolvem a igual ritmo, pelo que não se poderá impor uma uniformização; no entanto, esta desigualdade no desenvolvimento dará oportunidade às comunidades mais avançadas de partilhar as suas experiências (um processo que ajudará a construir a solidariedade entre as comunidades). Além disso, transmitir as suas necessidades para cima e inserirem-se no orçamento participativo a níveis mais altos é uma parte essencial do processo de desenvolvimento de uma planificação desde baixo que responda às necessidades e propósitos comunitários.

Desde logo, nem todas as decisões sobre a satisfação das necessidades sociais se situam ao nível das realidades locais e da comunidade. As decisões de recusar o neoliberalismo, de fomentar o desenvolvimento endógeno, de conseguir atingir a segurança alimentar, de criar novos programas de saúde e educação, de criar uma nova infra-estrutura de transportes, de construir novas relações sociais de produção, todas estas são decisões que devem ser tomadas a nível nacional. Em tais casos, como se faz para conseguir a participação das pessoas, isto é, como cabe ali a prática revolucionária, a transformação simultânea das circunstâncias e a auto-transformação?

Não existe automaticamente um espaço para o protagonismo do povo em tais decisões estatais. Pode ser que um dia ocorra um novo Estado, baseado nos conselhos comunitários e, talvez, um dia os computadores permitam realizar referendos instantâneos sobre uma grande quantidade de temas nacionais. Uma participação em tais temas desde baixo, que permita que as pessoas desenvolvam as suas capacidades, só ocorrerá como resultado de um compromisso político, um dos compromissos que concretiza aquela afirmação da Constituição que sustenta que o povo soberano deve tornar-se não apenas o objecto, mas também o sujeito do poder.

Em resumo, as decisões de importância nacional só se podem tomar em cima, isto acontece tanto nas ditaduras como nas democracias representativas, ou pode investigar-se quais os mecanismos que permitem incorporar as pessoas de baixo, para que as suas opiniões não apenas possam influir na natureza das decisões, mas também para que elas possam reconhecer as decisões como suas. O ”Parlamentarismo de rua” é um exemplo óbvio de um mecanismo que pode incorporar as pessoas na discussão das leis, melhorar a qualidade da informação disponível para a tomada de decisões correctas e criar uma identificação com estas decisões; não obstante, é importante encontrar uma maneira de institucionalizar este processo para que as pessoas o vejam como o resultado do seu direito de participar (e castigar os deputados da Assembleia Nacional que não respeitem este direito), tanto para as pessoas assumam o poder, como para atacar a burocracia e o elitismo.

As decisões nacionais, em matérias como os sectores da economia que devem ser desenvolvidos e que investimentos devem ser feitos, são extremamente críticas no momento em que se procura a rápida e dramática transformação da estrutura da economia petrolífera. E estas decisões têm um profundo impacto no tipo de necessidades que a sociedade possa satisfazer agora e no futuro. A relevância destas decisões é precisamente a razão que explica a importância de que sejam tomadas com transparência, que a informação que as pessoas necessitam para poder compreender a lógica que está por detrás destas propostas circule de uma forma clara e simples e, que previamente se debatam os planos nacionais e os rumos propostos, em assembleias de trabalhadores e de comunidades.

E tal como no caso das discussões nos conselhos comunitários e do desenvolvimento de vínculos entre as comunidades com as suas necessidades e dos produtores locais, a divulgação e discussão da informação em matéria de necessidades e planos da nação serão importantes para mobilizar o apoio e as iniciativas desde baixo, tanto nas comunidades como nos locais de trabalho, para conseguir satisfazer as necessidades da sociedade. Também, em alguns casos, permitiria prevenir os graves erros que costumam ocorrer quando as iniciativas nacionais não têm em conta o impacto local e regional (sobretudo o impacto no meio ambiente). Portanto, estes processos democráticos não só disseminam a informação até baixo, como também são um mecanismo essencial para transmitir a informação até cima.

Em relação às metas identificadas, tanto a nível da comunidade como nacional, quanto mais a informação se disseminar e quanto mais discussões que habilitem as pessoas tomar parte activa na tomada de decisões, mais provável é que suceda a actividade produtiva que garante o alcance vitorioso destas metas (e não a actividade produtiva que obedeça ao interesse dum grupo). Deste modo, a produção para as necessidades e os fins comunitários emerge como algo coerente com o senso comum.

São duas as pré-condições para o êxito de uma organização da produção pelos trabalhadores: a divulgação da informação necessária para levar a cabo o trabalho e a capacidade de utilizar esta informação de um modo eficiente. Portanto, a transparência (livros abertos) e a formação dos trabalhadores (através de uma transformação da jornada de trabalho tradicional para incluir nela a formação) deviam ser introduzidas nas empresas estatais, capitalistas privadas e cooperativas.

Ainda que os trabalhadores possam de uma forma relativamente fácil monitorar alguns aspectos da actividade das empresas (por exemplo as estatísticas de produção e a informação em matéria de decisão de compras), a análise dos dados financeiros e a avaliação das propostas dos gerentes necessitam que se desenvolvam mais capacidades. Durante um período de transição, os trabalhadores deveriam ter acesso a auditores e assessores que façam este trabalho por eles. Estes especialistas poderiam fazer parte do grupo de educadores adstritos à empresa ou poderiam ser disponibilizados à empresa pelo Ministério do Trabalho, por um sindicato ou uma federação de sindicatos.

Em cada empresa devem estabelecer-se, de antemão e de forma muito transparente, os passos a dar para que os trabalhadores possam assumir o controlo da organização da produção. Estes passos e o ritmo da sua implementação variarão, caso a caso, de acordo com a história, a cultura e a experiência. Ainda que os casos individuais variem, um dos aspectos em que os trabalhadores podem demonstrar a vantagem de serem eles a tomar as decisões é na reorganização do trabalho. Pelos seus conhecimentos sobre esbanjamento e ineficácia actuais, os trabalhadores deveriam ser capazes de melhorar a produtividade e reduzir os custos de produção.

Para estimular a produção eficiente de valores de uso e para aprofundar o desenvolvimento da produção social, os ganhos obtidos com estas iniciativas dos trabalhadores não deveriam ir para a empresa, particularmente no caso das empresas privadas. Preferencialmente e em princípio, estes ganhos deveriam repartir-se entre os trabalhadores da empresa e a comunidade, depois de discussão em assembleias de trabalhadores e da coordenação directa entre representantes dos trabalhadores e os conselhos comunitários. Os vínculos que, nesta base, se constroem entre os trabalhadores e a comunidade passam a ser uma parte importante da criação destas novas relações.

Normalmente, o processo de tomada de decisão dos trabalhadores deve avançar começando desde baixo até cima. Começando pelo veto dos trabalhadores aos seus supervisores (partindo da lógica que a existência de supervisores inaceitáveis pelos trabalhadores é incoerente com qualquer forma de gestão dos trabalhadores), e avançando depois passo a passo.

O ponto de partida poderia seria uma etapa em que os trabalhadores estabelecem o perfil do que para eles deveria ser um gerente aceitável e começam a discutir apresentadas pelos gerentes para a produção e o investimento. O desenvolvimento dos conhecimentos e das capacidades dos trabalhadores avançará até um momento em que os trabalhadores (incluindo os gerentes que os representam e a sociedade no seu conjunto) organizarão a produção social em função das necessidades e propósitos comunitários.

Em circunstâncias ideais, os passos deste processo serão determinados através de negociações e consenso entre trabalhadores e gerentes das empresas, e serão registados no Ministério do Trabalho sob a forma de contrato social. Quando não for possível um acordo conveniente, os trabalhadores de uma empresa podem pedir uma qualquer acção do Ministério do Trabalho ou remeter o assunto à Assembleia Nacional, no caso das empresas privadas.

Há que assinalar que neste esquema não há lugar para duas das características que amiúde se atribuem à autogestão: a eleição dos gerentes de nível mais elevado pelos trabalhadores e a participação accionista dos trabalhadores. Ambas contêm em si a possibilidade de criação de situações que favoreçam a penetração de ideias velhas e condutas tradicionais nas novas relações de gestão dos trabalhadores e as transformem em novas formas de velhas relações.

Tal como no caso da democracia representativa no campo político, a eleição dos gerentes das empresas pelos trabalhadores, muitas vezes só criou uma separação entre os gerentes e aqueles que, supostamente, representam. O clube dos gerentes desenvolve a sua própria lógica, que não vai no sentido do interesse dos trabalhadores. Particularmente no campo renhido das empresas capitalistas, esta forma de co-gestão implica a cooptação – uma forma de incorporar os trabalhadores nos projectos capitalistas. Ao contrário, o processo antes exposto, onde os trabalhadores organizam a produção, é um processo de democracia protagonizada, onde o poder dos trabalhadores emana a partir de baixo para cima, e fá-lo em função da satisfação das necessidades da comunidade.

De igual modo, a ideia de que se deve garantir o compromisso dos trabalhadores com as empresas (estatais, ou privadas) dando acções aos trabalhadores – independentemente das acções pertencerem individualmente aos trabalhadores ou a uma cooperativa – constitui um caso em que se pode manobrar a co-gestão e transformar os trabalhadores num grupo de proprietários privados, que trabalham em função do interesse individual. Neste caso, os trabalhadores, em vez de funcionarem como produtores socialmente conscientes, que se expressam como produtores que cooperam e como membros da sociedade, transformam-se em proprietários cujo interesse mais importante é o montante dos seus recebimentos, o que significa o êxito económico da sua empresa prioritariamente. Esta não é a forma de construir a produção social, isto é, o intercâmbio das actividades baseado nas necessidades e nos objectivos comunitários.

Muitas vezes apresenta-se o tema da propriedade social dos meios de produção como um tema que tem a ver com a ideologia. No entanto, numa sociedade que pretende “garantir o desenvolvimento humano integral” e “desenvolver o potencial criativo de todos os seres humanos”, a propriedade social dos meios de produção é algo que flúi naturalmente, faz parte do senso comum.

O objectivo da propriedade social é garantir que os produtos acumulados pelo cérebro social e pela mão social se subordinem ao desenvolvimento pleno dos seres humanos, e não sejam utilizados para fins particulares.

Se a propriedade privada dos meios de produção não apoia a criação da segurança alimentar, o desenvolvimento endógeno e os investimentos que geram postos de trabalho dignos, então os interesses da sociedade avançarão se a propriedade privada for substituída pela propriedade social.

De igual modo, se os proprietários privados não estão dispostos a introduzir a transparência, a educação no local de trabalho, a aceitar cada vez mais que os trabalhadores tomem as decisões e dirijam as suas actividades cada vez mais para a satisfação das necessidades e objectivos comunitários, tal quer dizer que eles consideram que os privilégios e as prerrogativas da propriedade privada são mais importantes que garantir o desenvolvimento humano integral. Ao recusarem apoiar as políticas públicas orientadas para a criação de uma sociedade que se baseia na lógica do ser humano, demonstram que não resta outra alternativa que a propriedade social dos meios de produção para construir a nova sociedade.

Não é o projecto que os exclui, são eles que se auto-excluem.

23 de Dezembro de 2006

* Professor Universitário, Vancouver, Canadá. Este artigo foi enviado pelo autor para publicação em odiario.info.

Tradução de José Paulo Gascão

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