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Subject: QUANDO PARECE PROIBÍDO NÃO FESTEJAR


Author:
REPÚBLICA e LAICIDADE
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Date Posted: 15/01/07 16:30:39

( extraído de : http://www.laicidade.org/2007/01/15/o-artigo-que-o-publico-recusou-publicar/ )


O artigo de opinião reproduzido nesta entrada foi enviado ao Público em resposta à «campanha galáctica contra o natal» em que este periódico envolveu a ARL. O Director do Público recusou-se a publicá-lo por razões que merecem ser citadas: «poderíamos ter publicado o texto em causa se nos tivesse sido enviado como texto de opinião, não nunca o faríamos na posição de alguém que tenta recorrer (…) à lei para nos limitar a liberdade de edição». Em resumo, não nos foi concedido direito de resposta justamente por termos pedido direito de resposta, uma atitude francamente surreal, como surreal também foi toda a «guerra contra o natal» que este jornal importou da imprensa do Vaticano e dos tablóides britânicos, e na qual nem um décimo dos pseudo-factos apresentados resistiam a uma análise crítica. Haverá mais novidades sobre este assunto muito em breve, neste espaço.

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QUANDO PARECE PROIBÍDO NÃO FESTEJAR

A liberdade de consciência, de religião e de culto é, felizmente, um dos direitos fundamentais consignados na nossa Constituição. A decorrente liberdade de cada cidadão professar ou não a religião que escolher pressupõe que o Estado, devido ao seu poder coercivo, seja independente das igrejas e neutro em matéria religiosa. A Associação República e Laicidade (ARL), na defesa desses princípios, condena a realização de rituais religiosos e a existência de crucifixos e imagens religiosas em escolas públicas, situações que são comprovadamente ilegais e inconstitucionais. Opomo-nos também à existência de Educação Moral e Religiosa na escola pública, por entendermos que – pelo seu carácter de transmissão de crenças e valores particulares – não deve ser apoiada pelo Estado, embora seja perfeitamente legítima enquanto actividade auto-organizada pelos cidadãos nas suas igrejas e associações. Consideramos ainda claramente preferível que a escola pública, para além dos conhecimentos universais que deve ensinar, apenas transmita valores por todos partilhados, o que não acontece com os das comunidades religiosas que representam apenas segmentos da população portuguesa, mas não a sua totalidade.

A ARL foi incluída na notícia do Público «Quando festejar o Natal é proibido» por ter editado no seu saite uma nota sobre uma peça teatral publicada numa revista de professores. Nessa representação, uma mulher aceita uma gravidez que acontece por decisão de outrém e lhe é anunciada por um «anjo Gabriel», e diz orgulhosamente: «eu sou a escrava do Senhor». Manifestámos o nosso desagrado pela ausência de alternativas a este género de conteúdos, pois é impossível explicá-los sem recorrer à dogmática católica (e a escola pública não é o lugar da catequese), e porque a liberdade, e a maternidade consciente e responsável, nos parecem valores preferíveis àqueles objectivamente promovidos na peça (o Público garante a historicidade dos acontecimentos ali representados, mas muitos teólogos católicos seriam mais prudentes).

O laicismo, como o defende a ARL, visa garantir a liberdade dos cidadãos na esfera privada, individual e associativa, onde se exerce o essencial da liberdade religiosa, impedindo simultaneamente o Estado de ter opinião sobre matérias confessionais. Precisamente por definir limites ao poder do Estado em matérias de consciência, protege os cidadãos contra todos os totalitarismos religiosos ou políticos, designadamente aqueles que proibiriam cultos religiosos – como ocorreu no Portugal da época inquisitorial ou ainda acontece na China do ateísmo de Estado. Situações referidas como «proibição» pelo Público (saudações em cartões da época ou decorações em empresas que não aludem ao «nascimento de Cristo») ocorrem nessa esfera privada onde qualquer cidadão é livre de celebrar ou não o natal, indo à missa ou não, escrevendo «boas festas» ou «santo natal» em cartões, e aceitando ou não trabalhar ou comprar numa empresa que coloca as decorações que entende (por razões comerciais ou outras). Seria totalmente ilegítimo que o Estado interferisse em celebrações privadas, mas felizmente não temos conhecimento de um único cidadão da Europa ocidental ou da América do Norte que tenha sido impedido de celebrar o natal por proibição estatal. Porém, atendendo à secularização que se acentua nas sociedades europeias (em Portugal, no ano de 2005, 31% das crianças nasceram fora do casamento e 45% dos casamentos foram pelo registo civil, indicadores que vêm em crescendo desde o 25 de Abril) é inteiramente natural que haja, a cada novo ano e de forma espontânea, menos presépios e mais saudações como «boas festas».

No que concerne a gestão do espaço público (ruas e praças, meios de comunicação social públicos…), qualquer grupo de cidadãos usa transitoriamente o espaço público para acções de índole variada (política, religiosa, sindical, desportiva…), na condição de posteriormente ceder o lugar a acções de índole diferente ou até contraditória. Não vemos portanto qualquer transgressão da laicidade em manifestações pontuais como o acender público do candelabro de Hanucá no Porto(1). Acrescente-se que todos somos confrontados no espaço público com ideias de que não gostamos: os democratas com ideologias anti-democráticas, os religiosos com críticas anti-religiosas, e os laicistas com o anti-laicismo; todas as ideologias e religiões, em qualquer sociedade aberta, são criticáveis.

Que fique claro que consideramos que a preservação de uma cultura ou religião não pode constituir obrigação primeira de um Estado moderno, mas que já lhe compete garantir a liberdade de cada cidadão manter ou abandonar a opção religiosa em que cresceu. Se os católicos entendem que o Estado tem o dever de promover a sua religião, adoptar os seus símbolos, ou proteger a religião da crítica, colocarão a sua religião numa esfera que a todos pertence – atingindo a liberdade dos outros e monopolizando o espaço público onde cada ideia e o seu contrário deveriam poder saudavelmente cruzar-se.

(1) Pelo contrário, um Estado como Israel, onde o casamento civil não existe – tornando legalmente impossível o casamento entre pessoas de diferentes comunidades religiosas – e onde os divórcios são portanto matéria para tribunais religiosos – que subordinam a mulher ao homem, quer sejam judaicos ou islâmicos – está muito longe do nosso ideal de uma sociedade em que a lei civil seja independente das instituições religiosas.

Com os meus melhores cumprimentos, pedindo a publicação deste artigo,

Ricardo Alves (Secretário da Direcção)

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