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Subject: Um euro e trinta cêntimos


Author:
Fernanda Câncio (DN, 22 Novembro 2006)
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Date Posted: 23/12/06 8:34:59

Um euro e trinta cêntimos

É exactamente o preço do arrendamento do armazém. Um euro e trinta, no final de 2006. Não muito longe do armazém, no centro da mesma localidade da área metropolitana de Lisboa, um prédio construído nos anos 60 alberga dez apartamentos de seis assoalhadas cujos locatários pagam uma média mensal de 40 euros.

Tanto o armazém como o prédio necessitam de obras. É possível que, se forem vistoriados para avaliação com vista a aumento da renda no âmbito da lei recentemente promulgada, o senhorio se veja coagido a efectuar as ditas obras. Arrisca-se mesmo a sofrer uma espécie de expropriação, caso não tenha capacidade económica para tal, ou a ter de pagar um valor de imposto superior ao rendimento que aufere dos imóveis citados.

Acresce que se os seus inquilinos tiverem mais de 65 anos e um rendimento inferior a 1930 euros mensais só poderá aumentar a renda de modo faseado, em dez anos.

A lei, naturalmente, não tem em conta nem a idade nem o rendimento do senhorio. Nem tão-pouco a hipótese muito provável de que, ao fim de décadas a receber valores de arrendamento que só podem servir para rir (ou chorar), não tenha meios para fazer face a encargos de reabilitação que se foram avolumando à medida que crescia a desproporção entre o que recebia e o que teria de pagar.

Seria talvez pedir de mais a uma lei que compensasse décadas de injustiça, daquilo a que se pode, sem exagero, apelidar de enriquecimento de uns (a maioria dos arrendatários que beneficiaram de rendas congeladas) à custa do empobrecimento de outros (os senhorios). Ou que resolvesse, de uma assentada, o problema da decadência do edificado que esta situação causou. Mas a legislação em vigor nem sequer tenta disfarçar o vício de base que a enforma: o de tratar os senhorios como potentados económicos, como se fossem todos bancos ou companhias de seguros. Como se não houvesse senhorios na miséria, expiando o muito particular crime de um dia terem pensado lucrar com o arrendamento e a incrível burrice de não terem percebido que seriam toda a vida contribuintes líquidos, a fundo perdido, de uma concepção muito especial de justiça social.

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