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Subject: O presidente Bush deve responder perante o mundo pelos seus crimes*


Author:
Filipe Perez Roque
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Date Posted: 29/09/07 9:59:45

O presidente Bush deve responder perante o mundo pelos seus crimes

Filipe Perez Roque
Numa altura em que os governos dos países membros da UE se dissolvem em subserviência aos EUA, o discurso de Filipe Perez Roque, ministro dos Negócios Estrangeiros cubano é uma lufada de ar fresco pela reafirmação da necessidade de respeito multilateral pelos Estados independentes e soberanos.
Perez Roque defende uma ONU mais democrática, o julgamento do Presidente Bush “pelos seus crimes perante o mundo” e reafirma que “eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida…”


Filipe Perez Roque - 29.09.07

Nunca anteriormente foram tão evidentes os perigos reais que espreitam a espécie humana; nunca anteriormente foram tão evidentes as violações do Direito Internacional que põem em perigo a paz e a segurança internacionais; nunca anteriormente foram tão evidentes a desigualdade e a exclusão que castigam mais de dois terços da população do nosso planeta.

Por fim ao esbanjamento e ao frenesi consumista que promovem as grandes empresas e os grupos de poder de um reduzido grupo de países desenvolvidos, que malbaratam à custa da pobreza e da perpetuação do subdesenvolvimento de uma vasta periferia de países pobres nos quais vivem mal milhares de milhão de pessoas, converteu-se num factor chave para a subsistência da humanidade. A reunião desta Assembleia de alto nível, iniciada há apenas dois dias, deixou claro o perigo que representa o acelerado aquecimento global que já padecemos e o seu efeito na mudança climática. Há que actuar, e rapidamente, e os países desenvolvidos têm o dever moral e a responsabilidade histórica de dar o exemplo e encabeçar esse esforço.

Pela nossa parte, vários dos nossos países, sempre do Sul, continua a ser vítimas de inadmissíveis actos de agressão por parte dos poderosos de sempre, motivados, no essencial, pelo insaciável apetite de recursos estratégicos. As guerras de conquista e a proclamação e aplicação de doutrinas baseadas na guerra preventiva, que não excluem o uso de armas nucleares inclusive contra Estados que as não possuem, e o uso reiterado de pretextos, tais como o suposto combate ao terrorismo, a pretendida promoção da democracia ou a chamada mudança de regime em países unilateralmente classificados como estados vilões, constituem hoje a maior e mais grave ameaça à paz e à segurança no mundo.

A agressão e a ocupação ilegais de países, a intervenção militar contrária ao Direito Internacional e aos propósitos e princípios da Carta da ONU, o bombardeamento de civis e a tortura continuam a ser práticas diárias. Sob a falsa litania da liberdade e da democracia, tenta-se consagrar o saque dos recursos naturais do Terceiro Mundo e controlar zonas de crescente importância geoestratégica. Esse, e não outro, é o projecto de dominação imperial que tenta impor a sangue e fogo a super-potência militar mais poderosa que o homem conheceu.

Longe de se actuar nas relações internacionais segundo os princípios da solidariedade, da justiça social e internacional, da igualdade e do desenvolvimento para todos, empregam-se sem o mínimo pudor as práticas de certificação de países, de imposição de bloqueios unilaterais, de ameaçar com a agressão, de chantagear e coagir.

Se um pequeno país defende o seu direito à independência acusa-se de Estado vilão; se uma potência agride um país diz-se que “o liberta”. Um combatente contra a agressão estrangeira é um terrorista; um soldado agressor é um “lutador pela liberdade”. É a guerra mediática, a burla das verdades, a tirania do pensamento único num mundo globalizado.

Em vez de se avançar para o desarmamento geral e completo, incluindo o desarmamento nuclear, que constituiu ao longo de décadas uma reclamação permanente do Movimento de Países Não Alinhados, promove-se o armamentismo e o esbanjamento em novas armas e sistemas de armamento que gastam os recursos que o mundo necessitaria para mitigar os efeitos da mudança climática e para fazer frente aos gravíssimos problemas derivados da pobreza e da marginalização.

Tenta impedir-se, politizada e selectivamente, a aplicação do princípio, proclamado já no Tratado de Não Proliferação Nuclear, de que as nações tem direito ao desenvolvimento de energia nuclear com fins pacíficos. Ameaça-se com a guerra e a destruição uns países, enquanto se permite ao aliado agressivo dispor de centenas de artefactos nucleares e se ajuda à contínua modernização.

Quanto tempo mais terá de decorrer e quantas novas vítimas morrerão antes que os falcões da guerra compreendam que as armas não servem para resolver os graves problemas da humanidade?

Num dia como o de hoje, vale a pena recordar as palavras do Presidente Fidel Castro perante esta Assembleia-Geral em Outubro de 1979:
“Digamos adeus às armas e consagremo-nos civilizadamente aos problemas mais angustiantes da nossa era. Essa é a responsabilidade e o dever mais sagrado de todos os estadistas do mundo. Essa é, além disso, a premissa indispensável da sobrevivência humana”.

Senhor Presidente:

Hoje não se avança para o cumprimento das Metas do Milénio e das decisões das grandes conferências das Nações Unidas efectuadas durante a última década.

A pobreza não diminui. Cresce a desigualdade entre os países e dentro dos países.

Mil e cem mlhões de pessoas não têm acesso a água potável; 2.600 milhões carecem de serviços de saneamento; mais de 800 milhões são analfabetos e 115 milhões de crianças não vão à escola primária; 850 milhões passam fome todos os dias. 1% das pessoas mais ricas do mundo possuem 40% da riqueza, enquanto 50% da população mundial conta apenas com 1%. Tudo isto ocorre num mundo que gasta um milhão de milhão em armas e outro tanto em publicidade comercial.

Os cerca de mil milhões de pessoas que vivem em países desenvolvidos consomem cerca de metade da energia total, enquanto quase 2.000 milhões de pobres nem sequer conhecem a electricidade.

É esse o mundo que querem que aceitemos? É por acaso o futuro com que nos devemos conformar? Temos ou não o direito de lutar por mudar este estado de coisas? Devemos ou não lutar para que o mundo seja o melhor possível? Por que se esbanjam tão colossais recursos na indústria de matar e não se empregam para salvar vidas? Por que não se constroem escolas em vez de submarinos nucleares e hospitais em vez de bombas inteligentes? Por que não se produzem vacinas em vez de veículos blindados e mais alimentos em vez de mais bombardeiros? Por que não se impulsionam as investigações para combater a SIDA, a malária e a tuberculose em vez de fabricar escudos antimisseis? Por que não faz a guerra contra a pobreza em vez de contra os pobres?

Apesar de se necessitarem só 150 mil milhões de dólares para atingir as Metas do Milénio, afirma-se que não há como obter os necessários recursos financeiros. Mentira! Há dinheiro de sobra, o que falta é vontade política, ética e o compromisso real dos que têm de tomar as decisões.

Se se quer verdadeiramente encontrar o dinheiro:
Cumpra-se de uma vez por todas com o compromisso de dedicar 0,7% do PIB para a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento. Isso significaria mais 141 mil milhões de dólares adicionais aos actuais montantes. Para cúmulo da simulação, os países doadores contabilizam agora o conjunto das doações de uma dívida que sabem que não poderão cobrar para inchar artificialmente as suas contribuições.

Condene-se a dívida externa, que os nossos países já pagaram mais de uma vez. Isso permitiria dedicar ao desenvolvimento os mais de 400 milhões de dólares que hoje se atribuem ao pagamento de uma dívida que não para de crescer.

Conclua-se a Reunião de Doha para o desenvolvimento e eliminem-se os 300 mil milhões de subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. Isso permitirá dedicar esse dinheiro à luta contra a pobreza rural, a insegurança alimentar e garantir preços justos para os produtos de exportação dos países subdesenvolvidos.

Reconheça-se o nosso direito ao desenvolvimento. Garanta-se o nosso direito a aceder aos mercados, às patentes e às tecnologias que hoje são monopólio exclusivo dos poderosos. Ajude-se os nossos países a formar profissionais e cientistas e deixem de nos roubar o talento.

Os países não alinhados não necessitam de esmolas; necessitamos e exigimos justiça.

Respeite-se o nosso direito à diversidade cultural e à preservação do nosso património, dos nossos símbolos e da nossa idiossincrasia. Essa foi a reclamação unânime que os países não alinhados acabaram de proclamar em Teerão, na nossa Reunião Ministerial sobre os Direitos Humanos e a Diversidade Cultural.

Senhor Presidente:

Os países não alinhados querem umas Nações Unidas mais democráticas e transparentes, onde a Assembleia-Geral, o seu órgão mais representativo e democrático, exerça realmente as faculdades que lhe correpondem.

Necessitamos de umas Nações Unidas com um Conselho de Segurança reformado, que actue dentro do mandato que lhe outorga a Carta constitutiva da Organização, sem invadir as funções e prerrogativas de outros órgãos do sistema. Um Conselho de Segurança com ampliação dos seus membros de acordo com a actual composição da ONU, onde os países subdesenvolvidos são a maioria. Um Conselho de Segurança onde se reformem radicalmente os seus métodos de trabalho para permitir a transparência e o acesso de todos os Estados Membros aos seus trabalhos.

Defendemos umas Nações Unidas onde o multilateralismo e as soluções acordadas no mais absoluto respeito pela Carta, constituam a única via de abordar e resolver os problemas actuais.

Necessitamos de um Conselho de Direitos Humanos que impeça a repetição dos graves erros da antiga Comissão de Direitos Humanos. Um Conselho que consagre na sua prática o princípio de que os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes. Um Conselho que ponha fim à selectividade e aos dois pesos e duas medidas. Os países não alinhados opor-se-ão firmemente a mal intencionadas maquinações de alguns poderosos que, frustrados por não terem conseguido alcançar os seus objectivos, pretendem agora reabrir e questionar ao acordo alcançado no árduo e difícil processo de construção institucional do Conselho.

Os países não alinhados não retrocederão na defesa dos postulados com que se fundou o nosso Movimento, que são idênticos aos desta Organização. Fomentaremos entre as Nações relações de amizade baseadas no respeito pelos princípios da soberania, da igualdade de direitos e na livre determinação dos povos.

Continuaremos a defender o direito do sofredor e heróico povo palestino a ter o seu próprio Estado com a sua capital em Jerusalém Oriental. Continuaremos a condenar o genocídio que se comete contra este povo.

Continuaremos a proclamar o direito do povo de Porto Rico à soberania e à independência.

Os países não alinhados representam quase dois terços dos membros das Nações Unidas. As nossas reivindicações não poderão ser preteridas nem os nossos interesses ignorados. Manter-nos-emos unidos e apoiar-nos-emos na defesa dos nossos direitos. Faremos com que a nossa voz seja escutada.

Senhor Presidente:

Aqui terminava o meu discurso como Presidente do Movimento dos Países Não Alinhados. No entanto, a escandalosa e grosseira actuação do Presidente dos Estados Unidos nesta sala, ontem de manhã, obriga-me agora a pronunciar umas palavras em nome de Cuba.

Empregando uma linguagem soez e um tom arrogante, o Presidente Bush insultou e ameaçou uma dezena de países; distribuiu ordens, terminante e autoritário, à Assembleia-Geral; e distribuiu, com uma prepotência jamais vista nesta sala, qualificações e juízos sobre uma vintena de países.

Foi um espectáculo indecoroso. O delirium tremens do gendarme mundial. A embriaguez do poder imperial, enfeitada com toda a mediocridade e o cinismo dos que ameaçam com guerras onde sabem que não jogam a sua vida.

O Presidente dos Estados Unidos não tem nenhum direito de julgar outra nação soberana deste planeta. Ter poderosas armas nucleares não dá direito algum sobre os direitos dos povos dos outros 191 países aqui representados.

E não deve subestimar-se a determinação e a coragem dos povos no momento de defender os seus direitos! Ao fim de contas, o que vale não é o poder dos canhões, mas a justeza das ideias pelas quais se combate. O Presidente belicoso e ameaçante já o deveria saber neste momento.

Igualdade soberana dos Estados e não “mudança de regime”. Respeito pela soberania e não certificações unilaterais de boa conduta. Respeito pelo Direito Internacional e não bloqueios e guerras ilegais.

O Presidente Bush falou de democracia, mas todos sabemos que mente. Ele chegou à Presidência através da fraude e do engano. Ontem, nós teríamos poupado a sua presença aqui e teríamos ouvido o Presidente Al Gore falar sobre a mudança climática e os riscos para a nossa espécie. Recordamos, além disso, como apoiou sem tibiezas o golpe de Estado contra o Presidente e a Constituição da Venezuela.

Falou de paz, mas sabemos que mente. Recordamos bem quando ameaçou 60 ou mais países, aos quais chamou “obscuros rincões do planeta”, e de fazê-los desaparecer da Terra com ataques preventivos de inesperados. Bush é um curiosos guerreiro que, da retaguarda, manda matar e morrer os jovens do seu país a milhares de quilómetros das suas costas.

Falou de direitos humanos, mas sabemos que mente. Ele é responsável pela morte de 600 mil civis no Iraque, autorizou a tortura na Base Naval de Guatánamo e em Abu Ghraib, e é cúmplice do sequestro no desaparecimento de pessoas, dos voos secretos e dos cárceres clandestinos.

Falou da luta contra o terrorismo, mas sabemos que mente. Garantiu total impunidade aos mais abomináveis grupos terroristas que, a partir de Miami, perpetuaram horrendos crimes contra o povo cubano.

O Presidente Bush atacou de novo o Conselho dos Direitos Humanos. Deita sangra-se em vida; rumina a sua impotência. Martiriza-o a vergonha de, durante a sua Presidência, os Estados Unidos não poderem sequer ser membros, porque as eleições são por voto secreto. Em contrapartida, Cuba foi eleita membro fundador com mais de dois terços dos votos.

Falou de cooperação, desenvolvimento e prosperidade para o resto do mundo, mas todos sabemos que mente. Foi o mais egoísta e irresponsável político que já vimos. Num mundo em que morreram este ano 10 milhões de crianças com menos de 5 anos por doenças preveníveis, as suas demagógicas propostas de ontem são brincadeira de mau gosto.

O Presidente Bush não tem autoridade nem credibilidade para julgar ninguém. Deveria responder pelos seus crimes perante o mundo.

Há um limite para a arrogância e a hipocrisia. Há um limite para a mentira e a chantagem. Cuba rejeita e condena cada uma das miseráveis palavras pronunciadas ontem pelo Presidente dos Estados Unidos.

Senhor Presidente:

Cuba agradece a solidariedade que recebeu desta Assembleia-Geral na sua luta contra o bloqueio e as agressões que teve de enfrentar durante quase cinco décadas.

Cuba agradece aos que apoiaram a sua tenaz luta contra o terrorismo e levantaram a voz a favor da libertação de cinco lutadores antiterroristas cubanos injustamente encarcerados em prisões dos Estados Unidos.

Cuba lutará juntamente com todos os membros do Movimento de Países Não Alinhados para alcançar um ordem internacional mais justa e democrática, onde os nossos povos possam exercer o seu direito à paz e ao desenvolvimento.

Poder-nos-ão acusar de sonhadores, mas lutamos com a convicção de que os sonhos de hoje serão as realidades de amanhã.

Lutamos com a convicção de que quando há homens sem decoro, há sempre outros que têm em si o decoro de muitos homens e neles vai um povo inteiro, vai a dignidade humana.

Muito obrigado.

* Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros Cuba pronunciado na Assembleia-Geral das Nações Unidas em 26 de Setembro de 2007.

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