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Subject: Menezes, a política, o povo: o desencanto


Author:
Miguel Sousa Tavares (Expresso, 06.10.07)
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Date Posted: 8/10/07 15:03:13

Menezes, a política, o povo: o desencanto

Nesta espécie de campanha eleitoral sofrida pelo PSD, houve uma senhora do povo, algures numa feira ou coisa assim, que se virou para Luís Filipe Menezes e lhe disse: “Espero que o senhor ganhe para que isto melhore, porque, como está, não vamos a lado nenhum!”. Não sei dizer exactamente porquê, mas este simples comentário, lido num jornal, pareceu-me encerrar em si tudo o que o país e a política actuais podem conter de desilusão e descrença.

Como é óbvio, nenhum de nós acredita que, se amanhã já, Luís Filipe Menezes fosse primeiro-ministro, melhoraria o que quer que fosse. Nem sequer por ele ou principalmente por ele, mas porque não há muito mais para melhorar - e o que há, político ou partido algum teria coragem de fazer. Ninguém se atreveria a terminar com a promiscuidade entre o Estado e os grandes negócios privados, ninguém se atreveria a ter uma política de ordenamento territorial e ambiental que protegesse o interesse público derrotando os predadores imobiliários, ninguém se atreveria a pôr a Justiça ao serviço das pessoas e da economia contrariando os lóbis instalados, ninguém se atreveria a enfrentar a sério o caciquismo autárquico e o dr. Jardim, ninguém ousaria cortar o que fosse preciso nas despesas correntes do Estado - por exemplo, seguindo a sugestão de Daniel Bessa de fixar um limite à cobrança fiscal em função do PIB. O PCP seguramente que não mudaria nada que tivesse que ver com ‘os legítimos interesses dos trabalhadores’, e que é quase tudo; a direita do PP seguramente que não mexeria uma palha para afectar os inúmeros interesses representados pelo sr. Abel Pinheiro e afins; e o PS e o PSD, com mais ou menos ‘social’ e mais ou menos ‘projectos PIN’, obviamente que nunca chegariam ao fundo da reforma de um sistema que criaram e alimentaram.

Pelo que, como todos já compreendemos, o Governo de Sócrates é o mal menor, e em certas áreas, como a saúde, a educação e a segurança social, tem sido até o único Governo a reformar e a tentar mudar alguma coisa. É certo que governa em obediência a um princípio de equilíbrio entre contrários: concede à esquerda as questões de moral e costumes (o aborto, as seringas nas prisões, em breve o casamento de homossexuais) e concede à direita o sossego de leis para sossegarem a paranóia securitária; concede à esquerda a manutenção de um sistema laboral que protege os maus trabalhadores e fecha as portas do mercado aos jovens; e concede à direita a garantia de manter vivo e actuante o consagrado sistema do tráfico de influências políticas nos grandes negócios dos privados com o Estado. E é certo que, assim actuando, mantém imutável o essencial: a protecção dos ‘direitos adquiridos’, contra o mérito, contra a mudança e contra o risco, quer à direita quer à esquerda. Mas é o melhor que temos, o melhor que conseguimos, o mais a que pode aspirar o ‘bom povo português’.

Se algum dia me desse a tentação para a política (coisa que, até agora, nunca sucedeu), eu acho que recuaria perante a obrigação de prestar vassalagem ao ‘bom povo português’. O bom povo português é um mito de trazer por casa. Existem, é claro, muitos e bons portugueses, sem distinção de classes ou de categoria profissional, que são bons aqui como o seriam em qualquer lado do mundo. Existem ainda e felizmente, muitos empresários que investem, que correm riscos, que tentam competir num mercado global e que não vivem de pagar salários de miséria e fazer batota com a Segurança Social. Existem agricultores que não abandonaram as terras nem as venderam aos espanhóis e que investiram, modernizaram, investigaram, sem ficar sentados à espera do subsídio que nunca é suficiente. Assim como existem grandes médicos, arquitectos, cientistas, juízes, ou financeiros, tal como existem trabalhadores sérios, competentes, empenhados em fazer melhor, aprender e progredir profissionalmente. Mas duvido que grande parte do ‘bom povo português’ não seja antes constituído por batoteiros e preguiçosos, que se especializaram a viver em dívida para com a comunidade, seja fugindo ao fisco ou gastando apoios que não justificam, seja corrompendo autarcas ou traficando influências com os governos, seja, a outro nível, metendo baixas fraudulentas ou vivendo instalados no subsídio de desemprego, acumulando com ‘biscates’ por fora sem passar recibo. Acontece que os políticos, para chegarem onde chegou, por exemplo, o dr. Menezes, têm de passar a vida a ouvir lastimar uns e outros e a prometer o milagre de conseguir satisfazer uns e outros. Não se chega ao poder dizendo às pessoas: ‘Não contem comigo para proteger a evasão fiscal ou o «off-shore» da Madeira, para fazer obras públicas sumptuárias ou inúteis só para dar dinheiro a ganhar à clientela do sector, para fazer negócios como o da Lusoponte, para assistir, impávido, ao endividamento constante das autarquias e das Regiões, ou para pagar subsídios de desemprego e baixas por falsas doenças. Não contem comigo para gastar o dinheiro dos que trabalham e investem por sua conta e risco para sustentar os que se habituaram a viver à sombra do Estado’.

Como é óbvio, Luís Filipe Menezes não disse nem dirá nada disto ao povo do PSD que vê nele apenas uma melhor hipótese de conseguir chegar à manjedoura pública do que aquela que lhe podia prometer Marques Mendes. Marques Mendes não foi apeado por ser mau político ou desonesto ou mau líder da oposição - ele foi apeado porque não cheirava a poder possível e Menezes cheira. Menezes ganha eleições e Marques Mendes não. Mendes foi o único (julgo que apenas acompanhado de Miguel Veiga) que, no Conselho Nacional do PSD, votou contra Santana Lopes - todos os outros se calaram, porque Santana garantia o poder, embora todos desconfiassem da inevitabilidade da catástrofe que se iria seguir.

Luís Filipe Menezes tem sido um excelente presidente da Câmara de Gaia, que recebeu em situação indescritível, após anos de governação socialista que representaram o que de pior o poder autárquico alguma vez mostrou. Ele transformou aquele pardieiro no melhor que alguém poderia imaginar possível. Esse mérito ninguém lho tira. O problema é que o fez à moda de Jardim: transformando Gaia no mais endividado concelho do país, em percentagem. Também passou a defender a Ota e a Regionalização, ou seja, tem a mentalidade de um «big spender» de dinheiros públicos: é tudo o que o país não precisa neste momento, mas é também tudo o que muitos esperam dele, se algum dia chegar lá acima.

Por outro lado, ele traz consigo alguma da pior gente que alguma vez habitou na nossa política, do género que faz querer gritar: ‘Socorro, que eles vão voltar!’. Como também não disse ao que vinha e se limitou a contar votos e espingardas e a alimentar uma guerra suja que as directas consentem, apresenta-se ao país (Gaia à parte) com o pior cartão de visita possível.

Chega como lídimo representante do ‘bom povo português’ contra as elites. Não sei se sabem o que isto quer dizer: que todas as campainhas de alarme devem ser ligadas e que, por enquanto, José Sócrates agradece.

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