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Subject: Vale a pena mandar os filhos à escola?


Author:
Maria Filomena Mónica (Público, 23.10.2007)
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Date Posted: 29/10/07 9:38:56



A revolução contribuiu para que muitos acreditassem ser a educação o caminho para uma vida melhor


Ao longo dos séculos, a resposta a esta pergunta tem variado, mas uma coisa é certa: os pais só mandam os filhos à escola quando nisso vêem um benefício. Nos países protestantes, como a Suécia, os pais desejavam que os filhos soubessem ler, a fim de poderem meditar sobre os ensinamentos da Bíblia, e, nos países com uma forte mobilidade social, como os EUA, os pais ambicionavam que os filhos tivessem um diploma, por pensarem ser essa a via para subir na vida. Quanto à oferta escolar, as situações variaram: os países que procuraram modernizar-se rapidamente, como foi o caso do Japão durante o século XIX, criaram uma rede escolar alargada; os impérios a sério, como a Inglaterra, aumentaram o número de escolas, como forma de subjugar, através da cultura, os nativos.
Pela negativa - e duplamente - Portugal é um caso paradigmático. Aqui, tudo jogou contra a escolarização. Nem os camponeses queriam enviar os filhos à escola, nem, se exceptuarmos uns hiatos temporais, estiveram os governos empenhados em ensinar o povo a ler. Em meados do século XX, o país ainda era uma sociedade rural, onde não só a educação estagnara, como as aspirações populares eram reduzidas. O Estado Novo não estava interessado em industrializar o país, muito menos em formar cidadãos esclarecidos. Foi por isso que chegámos a 1974 com mais de metade da população analfabeta.
A revolução contribuiu para que muitos acreditassem ser a educação o caminho para uma vida melhor. Ao longo das últimas três décadas, os pais fizeram enormes sacrifícios para levar os filhos até à universidade. Não é raro encontrarmos empregadas de limpeza ou taxistas - os indivíduos das chamadas classes baixas com quem os intelectuais têm contacto - que alimentaram sonhos quanto à mobilidade social dos descendentes. Vendo-os desempregados, sentem-se, como é óbvio, ludibriados. É no contexto da estagnação da economia nacional que devemos abordar a questão do abandono escolar. A publicação das recentes estatísticas do Eurostat que revelam que, entre os 18 e os 24 anos, 40 por cento dos alunos - mais do dobro da média europeia - abandonaram a escola levou os responsáveis a prometer o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos. Mas as leis pouca influência terão sobre o que se vai passar. Perante a questão de ter de decidir se devem manter os filhos na escola, os pais interrogar-se-ão sobre duas coisas: em primeiro lugar, se se podem dar ao luxo de passar sem o contributo do seu trabalho (em termos sociológicos, o chamado custo da oportunidade da educação); em segundo, se aquilo que os filhos irão aprender na escola tem alguma utilidade.
Abordei este tema, no que diz respeito ao ensino primário, na minha tese de doutoramento. Entre outras coisas, pretendia averiguar se, durante os primórdios do Estado Novo, a escolaridade era bem vista pela população. Para meu desgosto, a conclusão foi a de que, para a imensa maioria, a resposta era negativa. Era-o nas regiões de propriedade minifundiária, onde uma criança de sete anos já podia tomar conta dos animais, apanhar lenha e ajudar nas actividades domésticas. Prescindir dela, enviando-a à escola, equivalia a uma descida do nível de vida da família. Um jornal de Viana de Castelo descrevia o modo como um camponês encarava a instrução primária em geral e a alfabetização das mulheres em particular. Interrogado sobre se tencionava mandar as filhas à escola, respondeu: "Nada, nada. Elas estão aqui mas é para trabalhar. Qual escola? Se lá fossem, mais tarde não lhes chegava tempo para se escreverem com os namoros". Saber escrever era um luxo destinado aos privilegiados.
Se tivermos em conta que a estrutura social dessa época não deixava antever qualquer mobilidade social, o comportamento deste camponês era racional. Numa sociedade em que as posições hierárquicas dependiam do nascimento, a instrução não proporcionava benefícios. Além de que, numa sociedade analfabeta, não saber ler estava longe de constituir um estigma. Manhoso, Salazar limitou-se a reforçar os traços retrógrados da sociedade que governou. Os resultados estão à vista: os 10 por cento de alunos de sete anos que reprovam na primeira classe são herdeiros de gerações de analfabetos.

Um momento houve, em 1974, em que tudo pareceu possível. Mas a esperança de que Portugal se pudesse tornar numa sociedade meritocrática está em vias de desaparecer. A maioria dos pais considera, mais uma vez, que não é através da escola que se sobe na vida, mas através de "cunhas". Por outro lado, olha o espectáculo dos licenciados no desemprego com espanto. Muitos, pais e filhos, pensarão duas vezes antes de continuar na escola. O problema do abandono precoce excede em muito o âmbito do Ministério da Educação: é bom que se perceba isto.
É verdade que o objectivo dos nove anos de escolaridade está praticamente cumprido. A isso ajudou, em grande medida, a evolução da sociedade portuguesa, com destaque para o facto de, na economia, o sector primário ter diminuído de forma drástica. Mais do que um bem de produção, os filhos passaram a ser um encargo. Já não há cabras para guardar, nem couves para plantar; vive-se nas cidades, onde as oportunidades para o emprego infantil escasseiam; ser-se analfabeto tornou-
-se uma vergonha. Em vez de vadiarem pelas ruas, mais vale, pensam os pais, que as crianças fiquem na escola, onde, mesmo que pouco aprendam, estão afastadas do perigo dos gangs. A escola passou a ser considerada um depósito, o que, na medida em que pouco dela é exigido, não é uma vantagem.
Quanto ao prolongamento da escolaridade, em nada contribuirá para diminuir a desigualdade social. A massificação do ensino encarregar-se-á de fazer diminuir o valor desse diploma. Do ponto de vista da mobilidade, o 12.º ano valerá menos do que a antiga 4.ª classe: não porque os alunos saibam menos, mas porque, ao distribuir um bem a todos, fica ipso facto desvalorizado. Os factos mais importantes são a evolução do mercado de trabalho e a melhoria dos curricula. Sem isto, o prolongamento da escolaridade apenas serve para esconder o desemprego juvenil.
Vem isto a propósito de uma reportagem, transmitida no Perdidos e Achados da SIC no último dia 13, sobre o que, passados nove anos, acontecera a um grupo de alunos da Escola Básica 2,3 da Trafaria. O que impressiona não é tanto a indisciplina pretérita, mas o facto de os rapazes estarem hoje a exercer, como se a escola nada lhes tivesse dado, a profissão dos pais (a apanha da amêijoa). No dia seguinte, Nuno Crato comentou o programa, salientando justamente a falta de ambição. O que se esqueceu ou não teve tempo de esclarecer foi que, para se desenvolver, aquela carece de um solo apropriado. Ora, no contexto em que foram educados, surpreender-me-ia que estas crianças ostentassem o achievement syndrome presente em países como os EUA. A existência de expectativas profissionais quanto ao futuro só nasce em sociedades dinâmicas. Infelizmente, não é isso que acontece em Portugal.
Professora universitária

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