Subject: A questão da governabilidade |
Author:
Daniel Oliveira
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Date Posted: 22:13:49 07/12/04 Mon
A QUESTÃO DA GOVERNABILIDADE
por Daniel Oliveira (www.barnabe.weblog.com.pt, 12/07/2004)
Prometi que quando passasse a crise política falaria da questão do Bloco de Esquerda e da governabilidade. Este é um tema difícil e em que estou limitado. Não estou limitado na minha liberdade, entenda-se. A limitação, sou eu mesmo que me imponho, porque sei que, sendo dirigente do Bloco de Esquerda, devo lealdade àqueles com quem estou a construir um partido. Devo, por isso, e antes de mais, reforçar que escrevo este texto a título pessoal e, na medida do possível, independentemente das minhas responsabilidades políticas.
Escusado será dizer que da mesma maneira que este texto não é feito em nome do Bloco, também não o é em nome do Barnabé. Do Barnabé, apenas eu sou do Bloco, coisa que quase todos os leitores sabem, mas alguns gostam de esquecer.
Uma nota prévia: porque estou eu no Bloco? Sem esta nota a minha posição sobre o tema é incompreensível. Não sou marxista, nunca estive de alguma forma ligado a nenhuma corrente da extrema-esquerda. Saí do PCP em 1989 e poderia dizer, para simplificar, que saí pela linha reformista. Sempre me considerei libertário e radical ao nível dos costumes e um defensor intransigente de todas as liberdades individuais, o que foi sempre motivo de fortes divergências com a “moral proletária” do PCP. Desde a minha dissidência do PCP que me coloco nesse espaço amplo e pouco claro que é o da social-democracia. Resumo: defendo reformas radicais para o reforço do papel regulador do Estado na defesa dos mais desprotegidos, do Estado Providência, do pleno emprego e de uma segurança que permita a autonomia de todos para planear o seu futuro. Vejo o Capitalismo como intrinsecamente injusto, mas sou hoje desconhecedor de qualquer alternativa credível, bastando-me contrariar a sua lógica e reduzir o impacto dos seus efeitos.
Ou seja: defendo um Estado fraco perante as opções e liberdades individuais de cada cidadão e um Estado forte na defesa dos direitos sociais perante o poder económico. Nenhum Estado na cama, muito Estado na rua. Feita esta explicação sumária e um pouco simplista, passemos então à questão do Bloco de Esquerda.
Teoricamente, se a ideologia tivesse alguma importância para o Partido Socialista, poderia ser militante ou simpatizante do PS. Não o sou nem nunca pus a possibilidade de o ser por duas razões:
O Partido Socialista tem, em Portugal, uma tradição essencialmente anti-comunista. Tem a ver com o momento específico da sua implantação nacional. Esta tradição bloqueia o PS na relação com tudo o que está à sua esquerda. Com a excepção de pequenos episódios, o PS tem uma vocação de atracção do centro político. E o centro político (o Bloco Central), do ponto de vista ideológico, interessa-me ainda menos do que a direita. Não clarifica, é imobilista e, por isso mesmo, vive bem com o tráfico de influências, a maior doença da política portuguesa.
O PS, também por causa da sua história, está fortemente comprometido com o caciquismo que domina a vida política portuguesa e com as elites empresariais portuguesas, que apostam numa mão-de-obra desqualificada e numa economia de enriquecimento rápido e sem futuro.
Resumindo: o PS é pouco reformista, conservador nos costumes e comprometido com os piores vícios das elites portuguesas. Entre outras, estas serão as maiores razões para nunca me ter sentido atraído pelo Partido Socialista. A forma como Ferro Rodrigues, o primeiro secretário-geral do PS claramente colocado à esquerda, foi sabotado pelos representantes do PS profundo, é o sinal mais claro dos bloqueios deste Partido Socialista. A fragilidade de Ferro é um sinal das fragilidades da ala esquerda do PS.
Encontrei, assim, no Bloco de Esquerda, o meu espaço natural. Antes de mais, porque o BE é suficientemente plural para que ali me possa bater por reformas claramente situadas à esquerda, descomprometidas dos interesses corporativos. No BE juntam-se correntes revolucionárias, claramente marxistas-leninistas, a correntes reformistas de esquerda. Como é possível? Através de propostas programáticas concretas, em torno das quais se consegue juntar o que debates intermináveis em torno de questões que, sendo importantes, não são, hoje, as mais relevantes, sempre dividiram. O descomprometimento, o pluralismo, a liberdade interna e o radicalismo em matéria de costumes são para mim suficientes para me sentir bem onde estou.
Nunca me passou pela cabeça envolver-me na política por outra razão que não seja a de mudar as coisas. E apara as mudar, o poder é essencial. A política é para mim a luta pelo poder para transformar o poder e com ele transformar as condições de vida das pessoas. Não dedicaria a minha vida ao contra-poder sem mácula, só para morrer puro. O poder corrompe, mas a pureza é inútil. E entre a inutilidade e o risco, escolho o risco.
No entanto, o poder não acaba e começa no governo. O poder de influência é, muitas vezes, bem mais eficaz. Pessoalmente, não acredito, já o escrevi aqui, na capacidade de um partido com 3, 4 ou 5 por cento ter peso suficiente para condicionar de forma eficaz e profunda a governação. Nem me parece que isso fosse honesto do ponto de vista democrático. O partido em que estou é minoritário e penso que o seu poder deve ser minoritário enquanto assim acontecer. Ter dois ou três ministérios não mudaria esta situação. Apenas teria como resultado uma erosão política do Bloco sem que nada de substancial mudasse. Um partido pequeno não tem nem capacidade para realmente condicionar a governação, nem reservas de resistência suficientes para aguentar o preço da governação. Não tem e é justo que não tenha.
Apesar de ser contra qualquer participação do BE, nos tempos que correm, num governo socialista, não consigo esconder o meu gozo com a aflição da direita (e até algum centro-esquerda) perante tal possibilidade. Vivem bem com um partido anti-imigração e de traços autoritários explícitos no governo, viveram bem com orçamentos vindos da esquerda aprovados pelo PP e por um cacique local, mas perdem o sono com o Bloco. Que ninguém lhes dê soporíferos.
Outra questão é a da governabilidade. O facto de eu ser contra, neste e nos próximos momentos, a participação do Bloco de Esquerda num governo socialista, não me impede de estar ciente da encruzilhada em que o BE se poderia vir a encontrar no cenário hipotético de uma maioria relativa do PS – esperemos que nunca tenha a maioria absoluta (ela seria negativa para a transparência política e a autonomia do aparelho de Estado face a um poder partidário). É possível que o BE tenha, então, nas suas mão, a sobrevivência de um governo de esquerda. Mais claro e mais difícil: poderia ter nas suas mãos o regresso da direita ao poder. Na minha opinião, o posicionamento do Bloco deverá partir deste princípio: fazer depender a sua posição de questões estruturantes e agir em conformidade. Sem comércio de lugares ou de votos, penso que o BE deverá aprovar aquilo com o qual concorda e chumbar aquilo com o qual discorda. Mas estar disponível para permitir avanços, mesmo que eles não correspondam à totalidade do seu programa.
E deixar ao PS a decisão de ter à sua esquerda ou à sua direita os seus interlocutores. Penso que só isto é honesto, só isto é eficaz, só isto é responsável.
Mas sejamos claros: nada disto está hoje em cima da mesa. Tudo indica que o PS vai trilhar o mesmo caminho que trilhou no passado. O debate pode e deve fazer-se, mas ele afigura-se quase académico. O que não é tolerável, e isso justifica este texto, é a chantagem permanente do "voto ou a vida", tentando transformar a esquerda à esquerda do PS num salva-vidas para as ocasiões. Debata-se então a política e faça-se depender dela, e apenas dela, o futuro da esquerda. Começar o debate ao contrário é o pior que a esquerda poderia fazer. Nisso, a esquerda tem uma vantagem em relação à direita: a direita quer hoje que tudo fique como está e por isso une-se com facilidade, a esquerda quer mudar, e por isso está obrigada a um debate interno com conteúdo político e de proposta.
Repito que esta é a minha posição pessoal. Num partido, a posição pessoal junta-se a outras e procura a síntese. Enquanto as condições iniciais do pluralismo político e do debate livre se mantiverem no Bloco (e todos os sinais me dizem que elas se têm reforçado), acompanharei a posição da maioria.
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