Ensinar ci�ncia com poesia - Marcelo Gleiser -- I N F O A R Q

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Date Posted: 00:33:09 09/13/04 Mon
Author: Jos� Maria
Subject: Ensinar ci�ncia com poesia - Marcelo Gleiser

Ensinar ci�ncia com poesia

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Conversei hoje com uma jornalista especializada em divulga��o cient�fica. Ela me falou de sua preocupa��o com o ensino de ci�ncia no Brasil, especialmente nas escolas p�blicas. Me contou das dificuldades de encontrar professores. Professores formados adequadamente s�o uma raridade maior ainda. Aqueles que n�o s� sejam formados, mas gostem de ci�ncia s�o her�is que precisam ser reconhecidos. Sem recursos ou sal�rio adequado, eles se esfor�am em trazer para as crian�as um pouco do que sabemos sobre o mundo.
Ela me falou tamb�m do avan�o do criacionismo, em particular no Estado do Rio de Janeiro, e de como ele parece estar intrinsecamente relacionado ao avan�o das igrejas evang�licas. Se ela n�o me disse isso, digo eu. Nos EUA, alguns Estados tentaram proibir o ensino da teoria da evolu��o de Darwin e o modelo do Big Bang em cosmologia, afirmando que essas teorias est�o erradas e incompletas. Seus proponentes diziam que a perspectiva b�blica, criada h� milhares de anos, deveria ser ensinada em p� de igualdade com a ci�ncia. N�o s� em p� de igualdade, mas como uma alternativa. Me pergunto o que uma crian�a hindu�sta acha disso tudo. No m�nimo, que as religi�es ocidentais s�o muito arrogantes, j� que o deus delas toma preced�ncia sobre os deuses de todas as outras.
Falamos do que pode ser feito para aliviar o problema. Constatamos o seguinte fato: crian�as s�o naturalmente curiosas sobre o mundo. Todo pai ouve o filho ou filha perguntar por que o c�u � azul, por que a Lua n�o cai, como que a lagarta vira borboleta e a semente vira planta, por que o mar tem ondas e os lagos n�o. Por que a vov� morreu. Poucos pais t�m respostas para todas essas perguntas. Mas as crian�as perguntam mesmo assim. "Sei l�, filho, eu l� tenho cara de enciclop�dia?" Quando elas v�o � escola, a curiosidade n�o diminui. Ao menos at� elas chegarem � puberdade, quando existe uma transi��o de interesse: a curiosidade sobre o mundo se transforma em curiosidade sobre o outro, especialmente o outro do sexo oposto. Essa � a hora de ensinar biologia, antropologia, hist�ria, especialmente hist�rias sobre her�is. Depois, as crian�as viram adultos e das duas uma: ou a curiosidade sobre o mundo volta e elas l�em o que podem sobre ci�ncia, ou a ci�ncia se torna um bicho-pap�o, "o terror de minha adolesc�ncia", coisa para chatos, nerds e crian�as.
A desculpa � sempre a mesma: a falta de recursos faz com que o ensino de qualidade seja imposs�vel. Ci�ncia vira coisa que acontece s� no quadro-negro, cheio de fatos e f�rmulas que n�o parecem ter nada a ver com o mundo real. Fazer demonstra��es em sala de aula, experi�ncias simples que ilustrem os conceitos ensinados, � algo aparentemente imposs�vel. Mas na realidade n�o �. Sem d�vida, fica dif�cil demonstrar a difra��o de el�trons sem o equipamento adequado. Mas isso s� � relevante para alunos de f�sica do terceiro ano. Falo dos princ�pios da f�sica b�sica, como o fato de todos os corpos serem atra�dos igualmente pela gravidade terrestre.
Amarre uma pedra em um barbante e fa�a-a oscilar como um p�ndulo. Conte quanto tempo demora para a pedra completar cinco oscila��es. Agora, troque por outra pedra mais ou menos pesada e repita a experi�ncia, largando-a do mesmo �ngulo. Conte novamente o tempo de cinco oscila��es. Ele ser� o mesmo. Para se demonstrar esse princ�pio extremamente importante basta usar pedras e um peda�o de barbante. Ou fa�a como Galileu e deixe as duas pedras ca�rem da mesma altura. Pegue um pente de pl�stico e um monte de pedacinhos de papel.
Esfregue o pente nos cabelos e aproxime-o dos pedacinhos de papel. O que ocorre? Eles ser�o atra�dos ao pente. Por qu�? Porque a fric��o no pente causa um d�ficit de cargas, tornando-o atrativo. Mat�ria � feita de cargas el�tricas. Misture soda c�ustica com vinagre (bem pouquinho) e veja o que acontece, explicando a diferen�a entre subst�ncias �cidas e b�sicas.
Se n�o � equipamento, o que falta (fora sal�rio e forma��o decentes)? Falta encontrar poesia na natureza e nas explica��es que temos dela. O poeta Federico Garc�a Lorca escreveu: "A ci�ncia � mil vezes mais l�rica do que qualquer teogonia." Basta ver a ci�ncia com os olhos do poeta e fazer do mist�rio a luz que ilumina a raz�o.

Marcelo Gleiser � professor de f�sica te�rica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do C�u"

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1209200402.htm

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