Subject: A lição de Lisboa |
Author:
Cipriano Justo
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Date Posted: 1/05/05 22:09:19
A lição de Lisboa
Cipriano Justo - 26/04/05
(in www.comunistas.info)
Os recentes desenvolvimentos das negociações entre as direcções do PS e do PCP para se chegar a uma plataforma de convergência com vista a derrotar a direita nas próximas eleições autárquicas, nomeadamente em Lisboa, veio mostrar como alguns partidos de esquerda continuam a tratar matéria política de vital importância. Mau grado a expectativa que rodeou estas conversações, com a direcção do PCP a exigir celeridade no encontro, a sensação com que se fica da declaração da ruptura das negociações é de que este partido se preocupou mais em demonstrar rapidamente à sua base eleitoral de apoio a impraticabilidade de um acordo do que empenhar-se em construir um quadro político e programático que enquadrasse e promovesse o formato e o arranjo final de uma coligação alargada. Colocar como ponto único de uma agenda de negociações com tantos contenciosos o “quanto”, sem cuidar previamente do “quê” e do “como”, só mesmo de quem intencionalmente quer fazer de uma conversação um casus belli político.
Mas, bem vistas as coisas, e analisando os últimos anos da coligação PS/CDU está lá boa parte da explicação para o que agora aconteceu e para a consequente inviabilidade de coligações noutras autarquias entre estes dois partidos. Se exceptuarmos o período em que a Câmara Municipal de Lisboa foi liderada por Jorge Sampaio, na base de um amplo movimento participado de partidos, organizações de esquerda e cidadãos, tudo o que se passou depois foi pouco mais do que a gestão partidária de territórios camarários fortemente blindados. Foi assim que, em 2000, esta coligação chegou às eleições sem ter conseguido criar nos lisboetas a necessidade subjectiva de uma convergência política vitoriosa. E foi sobretudo no tecido dessa fragilidade subjectiva que a coligação de direita conseguiu ganhar adeptos e a eleição para a Câmara de Lisboa. Saiu derrotada para a Assembleia Municipal, mas aí, é bom recordar, tinha a liderá-la uma figura ímpar da nossa democracia e da esquerda portuguesa, João Amaral. Pelo caminho tinham ficado uma estratégia para Lisboa e as ideias de convergência, coligação e cooperação. Por isso, nesse ano, a repetição da coligação foi mais um ritual impulsionado por uma rotina recheada de inércias e acomodamentos, do que um acto criador movido por um desejo profundo de renovação de um projecto para a cidade.
Enquanto componente estruturante de um programa para o aprofundamento da democracia, uma política autárquica maioritariamente liderada pela esquerda ficou adiada, pelo menos, por mais quatro anos. Esse é o meu vaticínio. Ainda que, aqui e ali, vão emergindo, à revelia das direcções partidárias, vontades, esboços e dinâmicas de convergência que, a concretizarem-se, poderão tornar-se movimentos exemplares para o futuro. Apesar deste fracasso, nestes seis meses que restam até às eleições de Outubro ainda há muito para fazer e discutir à esquerda, de forma a poder-se corporizar uma candidatura a Lisboa que tenha em vista uma ideia integrada do que poderá constituir uma cidade apropriada pelos que nela habitam, pelos que nela trabalham e pelos que a visitam, com uma estratégia própria de redução das suas assimetrias sociais, um plano de articulação e integração dos seus espaços culturais e de lazer, um projecto de dinamização de redes informais de entreajuda, nomeadamente da população idosa, um programa de promoção da melhoria contínua do ambiente natural e do ambiente construído, uma política de criação de novas centralidades, integradoras das periferias e desses lugares de exclusão designados por bairros sociais.
Mas uma cidade que se queira desenvolver à escala dos que nela vivem obriga à reconfiguração de certos instrumentos da sua gestão, como a delegação para as freguesias de mais competências e recursos, a atribuição de poderes mais alargados às assembleias municipais e de freguesia, a utilização da figura do referendo para decisões que se revelem estratégicas para a cidade, o estabelecimento de regras transparentes e escrutináveis na utilização dos recursos, uma política de vizinhança integrada com as autarquias que lhe são próximas.
Todos os inícios, para se afirmarem, serem bem sucedidos e produzirem bons resultados, necessitam de um desígnio que mobilize as energias, os saberes, as capacidades e as competências dos que nele vão estar envolvidos. No caso autárquico, um desígnio que seja agregador, transversal a todas as condições sócio-económicas, idades, credos e ideologias e cuja bondade do benefício possa ser genericamente reconhecido e usufruído por todos. Um desígnio que comporte, além disso, suficientes externalidades para facilitar e potenciar os restantes planos, programas e projectos. Estou a pensar, mais concretamente, numa candidatura da cidade de Lisboa à Rede Europeia das Cidades Saudáveis, da Organização Mundial de Saúde. Se a esquerda ganhar a autarquia de Lisboa em Outubro próximo tem todas as condições para isso.
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