Subject: Re: «Barba Ruiva» e as igrejas russas |
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Jorge Messias
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Date Posted: 8/05/05 12:40:41
In reply to:
Carlos Carvalhas
's message, "foram os comunistas dos primeiros a levantar-se na luta contra o fascismo" on 7/05/05 9:09:37
Jorge Messias
«Barba Ruiva» e as igrejas russas
No Tribunal de Nuremberga que julgou os principais criminosos de guerra nazis, foi lido um curto despacho da Chancelaria do III Reich com o seguinte texto: «Ficha Barba Ruiva. O Fuhrer decidiu o começo de "Barba Ruiva" para 22 de Junho de 1941». Quase simultaneamente, Hitler assinou o seguinte decreto: «Nomeio o Reichsleiter Alfred Rosenberg meu delegado para a resolução de todos os problemas relacionados com as regiões do centro da Europa. Vinte de Abril de 1941, Adolf Hitler.» Milhões de seres humanos foram, assim, condenados à morte e ao sofrimento.
Esta nomeação para um alto lugar de direcção da Operação Barba Ruiva apenas dizia respeito à organização de certos aspectos do gigantesco assalto de destruição e saque dos recursos das populações e do Estado soviético. Ficavam de lado os aspectos puramente militares e policiais, da competência da Wermacht, das SS e das polícias controladas pela Gestapo e pelos serviços secretos. Com um sentido operacional tipicamente germânico, Rosenberg dividiu imediatamente os imensos territórios do Leste em comissariados do Reich dirigidos por quadros nazis dotados de plenos poderes. Toda a riqueza criada na vastidão que separava a Polónia dos Urais seria encaminhada para a Alemanha. Privadas da indústria, da agricultura e da pesca, do comércio ou da transformação dos minérios, caberia às populações russas inventar o modo de se auto-abastecerem sem recursos e de sobreviverem enquanto pudessem.
Do Reich nazi chegaria, entretanto, uma torrente de colonos alemães que assumiriam a posse permanente dos recursos e das terras produtivas.
Este plano de invasão, destruição e desmantelamento da URSS, partia de outra certeza dos estrategas nazis. As repúblicas soviéticas constituíam um autêntico mosaico de populações, etnias, crenças e credos, culturas, tradições tendências políticas. Os dirigentes nacional-socialistas dispunham de minuciosos «dossiers» sobre a matéria, organizados pelos serviços secretos, pelas universidades ou pelos intelectuais russos dissidentes. Acreditavam serem capazes de dividir para reinar, lançando minorias contra minorias. Os meses e anos que se seguiram à violação da pátria soviética vieram provar que, afinal, esses cálculos estavam errados. Primeiro, porque o conhecimento que os nazis tinham da avaliação dos outros povos perdia toda a lucidez, anulada pelo mito racista do super-homem ariano. Depois, por subestimarem os sentimentos de unidade pátria das populações da Rússia. E, ainda, por não terem entendido a capacidade de recuperação, resistência, organização e liderança do Partido Comunista soviético.
As profundas contradições estratégicas dos dirigentes nazis foram-se tornando evidentes. Queriam seduzir as minorias religiosas e étnicas mas as exigências de guerra, em matérias-primas e em recursos humanos e materiais, bem como o cumprimento dos curtos prazos exigidos pelos Altos Comandos, reclamavam das hordas fascistas a imposição do terror. Centenas de igrejas e conventos de diferentes cultos foram saqueadas e os seus tesouros seculares seguiram o caminho do Grande Reich Alemão. Milhares de sacerdotes (só polacos, foram mais de 3000 ) tiveram o trágico fim de tantos outros patriotas, queimados, enforcados, fuzilados ou exterminados em campos como os de Dachau, Auschwitz, Buchenwald ou Bergen-Belsen.
Os nazis não faziam distinção entre os diferentes credos. Lançavam fogo às barbas de um rabi judeu ou crucificavam-no, com a mesma indiferença com que fuzilavam no «muro preto» um padre católico ou ortodoxo ou enforcavam um fundamentalista religioso. Debalde se pode procurar uma ideologia nazi. Um nazi-fascista pertence, por definição, a uma organização rigidamente baseada no princípio das chefias (o fuhrerprinzip) que lhe fornece planos de acção claros e imediatos, com tarefas definidas e individualizadas. Quando assim acontece, um nazi sente-se bem. Tal como os jesuítas, o nazi nunca discute as decisões dos seus chefes. Obedece às ordens, mesmo que estas envolvam a prática de crimes intoleráveis. E encontra, deste modo, a sua paz de espírito. A ideologia, para ele, é fraqueza desprezível.
Assim, de acordo com as determinações de Berlim, quando se iniciaram as operações militares de invasão da URSS e os exércitos nazis conseguiram avanços fulminantes, impôs-se a necessidade de policiar rapidamente os grandes espaços resultantes da deslocação da linha da frente militar. Os objectivos dessa tarefa eram múltiplos e imediatos: destruição de qualquer forma de resistência armada, apropriação de todos os valores do património russo e abertura de grandes áreas esvaziadas de população, de forma a permitir a instalação dos colonos germânicos. Criaram-se, pois, na retaguarda da frente, os chamados destacamentos especiais, constituídos por bandos de assassinos altamente disciplinados. Estes contingentes eram recrutados entre nazis fanáticos, criminosos comuns, soldados da Wermacht retirados da frente de combate, polícias e membros das SS e da Gestapo. Em Dezembro de 1941, cinco meses após a violação das fronteiras soviéticas, 34 mil judeus tinham sido exterminados em Kiev (muitos deles enterrados vivos), após a queda da cidade, e as «unidades especiais» procediam a fuzilamentos maciços, preferencialmente de comunistas, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, comissários políticos e administrativos, numa palavra, daqueles que, de qualquer modo, pudessem vir a enquadrar e a organizar as massas camponesas e operárias. Escusado seria procurar nesses crimes uma motivação ideológica. Os nazis matavam, roubavam e torturavam, só porque tinham recebido uma ordem dos seus chefes. Agiam em cumprimento estrito da vontade das chefias. Em meia dúzia de meses, concluiu o Tribunal de Nuremberga, as unidades especiais abateram mais que um milhão de cidadãos soviéticos. Na região de Smolensk foram assassinadas cerca de 125 000 pessoas. Na área de Leninegrado, 172 000. Em torno de Estalinegrado, 140 000. Na Crimeia, os nazis obrigaram 144 000 soviéticos a subir para barcaças que, depois, rebocaram para o alto mar e afundaram. Na região de Adesa, 300000 homens, mulheres e crianças, foram chacinados. A II Guerra Mundial deu lugar, nos territórios soviéticos, à destruição deliberada de 1760 igrejas do rito ortodoxo grego, de 237 templos católico-romanos, de 532 sinagogas judaicas e de vários locais de peregrinação como, por exemplo, Kiewo-Paherskaja, Lavra ou Nowy Jerusalém. Museus importantes, nomeadamente os de Tolstoi e de Tchaikowski, foram dinamitados.
A morte, a doença, a fome, as epidemias e as destruições atingiam, indiferentemente, crentes e ateus, leigos e religiosos, comunistas e anticomunistas, criando, contrariamente ao que os nazis pretendiam, uma grande unidade entre o povo soviético. Ficou célebre a frase proferida em Estalinegrado pelos heróicos defensores da cidade: «Não há terra para além do Volga!», significando que a retirada perante os invasores, nem sequer podia ser admitida. Este sentimento era comum à esmagadora maioria do povo russo.
A posição patriótica das principais igrejas
Os generais e os dirigentes nazis enganaram-se, ainda, noutra avaliação decisiva, ao acreditarem que o mundo religioso russo iria agarrar com mãos ambas a ideia da destruição do regime soviético. A leitura nazi do mito da libertação continua a ser proposta nos tempos actuais. Mas os nazis acreditaram na sua própria propaganda, erro que os déspotas têm de evitar.
Na era czarista só uma igreja, a Ortodoxa, era consentida pelo poder imperial. Todos os outros credos foram banidos e perseguidos. A tal ponto chegava a intolerância oficial que o Código do Império Russo estipulava que «se os pais baptizarem os seus filhos numa igreja diferente da Ortodoxa ou os educarem segundo os ritos de outras igrejas cristãs, serão condenados a penas de um ou dois anos de prisão». Os czares atribuíam à Igreja Ortodoxa subsídios superiores a 50 milhões de rublos, valor bem superior ao da verba destinada à Educação. Os salários das centenas de milhares de padres e monges eram pagos directamente pela Coroa.
Quando se deu a Revolução Bolchevista de Outubro, em 1917, todo este panorama mudou drasticamente. Um dos primeiros decretos do governo provisório, a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia, estabelecia, no mês de Novembro, que «todos os privilégios e limitações religiosas e nacionais são abolidas». A partir de então, todos os cultos, comunidades e tendências religiosas eram iguais perante a lei. As igrejas ficavam separadas do Estado e proibia-se, nas escolas públicas, a exibição de emblemas ou de outros sinais confessionais e de culto.
Tal como é inevitável no quadro das transformações democráticas de fundo, uma parte do clero ortodoxo reagiu mal à perda de privilégios. Durante pouco mais de dez anos, as relações entre o governo comunista e a igreja foram tensas. Mas o poder soviético manteve e alargou as garantias dadas, ao passo que a hierarquia ortodoxa foi aceitando as novas características da sociedade russa. Quando a barbárie nazi procurou destruir a URSS, funcionavam, em todo o território da União, milhares de templos e instalações religiosas ortodoxas, muçulmanas, católicas romanas, uniatas, luteranas, baptistas, judaicas, budistas, metodistas, etc. Todas elas tinham estruturas orgânicas diferentes entre si, livremente estabelecidas pelas respectivas comunidades, todas elas completamente autónomas do Estado Soviético.
Todo este imenso universo crente cerrou fileiras e apoiou a resistência ao invasor teutónico. Mesmo no período do avanço acelerado das tropas nazis, mesmo quando as comunidades religiosas ficavam em território ocupado e os templos eram incendiados, conhecem-se actos heróicos de coragem e de firmeza, dos muitos sacerdotes e leigos que desafiaram a morte e a tortura.
Houve excepções, evidentemente, como a do colaboracionismo da Igreja Católica Uniata, mas que representaram casos isolados. Sem dúvida que a fúria nazi acabaria por provocar uma aproximação entre as igrejas e a sociedade comunista.
Ainda a guerra estava no seu auge, em 1943, verificou-se um encontro histórico ente Estaline e os três mais altos dignitários da Igreja Ortodoxa, Mons. Serge, Guarda do Trono Patriarcal, Mons. Alexis, Metropolita de Leninegrado, e Mons. Nicolas, Metropolita de Kiev. Repare-se que, nessa altura, em 1943, Kiev ainda estava nas mãos dos nazis e Leninegrado permanecia cercada. Desta reunião no Kremlin, saiu a convocação de um Concílio Geral, o qual teve lugar em 7 de Setembro, dele resultando a eleições de um Metropolita de Moscovo como figura máxima da Igreja Ortodoxa Russa. A igreja ortodoxa mantinha abertos ao culto, nessa altura de grandes riscos e sacrifícios, 20 mil templos, 67 mosteiros, 8 seminários, 3 academias teológicas e dispunha de 31 000 sacerdotes ordenados. Quanto à questão polémica de se saber se existia ou não, na URSS, liberdade religiosa, estes números podem falar por si.
No Tribunal de Nuremberga que julgou os principais criminosos de guerra nazis, foi lido um curto despacho da Chancelaria do III Reich com o seguinte texto: «Ficha Barba Ruiva. O Fuhrer decidiu o começo de "Barba Ruiva" para 22 de Junho de 1941». Quase simultaneamente, Hitler assinou o seguinte decreto: «Nomeio o Reichsleiter Alfred Rosenberg meu delegado para a resolução de todos os problemas relacionados com as regiões do centro da Europa. Vinte de Abril de 1941, Adolf Hitler.» Milhões de seres humanos foram, assim, condenados à morte e ao sofrimento.
Esta nomeação para um alto lugar de direcção da Operação Barba Ruiva apenas dizia respeito à organização de certos aspectos do gigantesco assalto de destruição e saque dos recursos das populações e do Estado soviético. Ficavam de lado os aspectos puramente militares e policiais, da competência da Wermacht, das SS e das polícias controladas pela Gestapo e pelos serviços secretos. Com um sentido operacional tipicamente germânico, Rosenberg dividiu imediatamente os imensos territórios do Leste em comissariados do Reich dirigidos por quadros nazis dotados de plenos poderes. Toda a riqueza criada na vastidão que separava a Polónia dos Urais seria encaminhada para a Alemanha. Privadas da indústria, da agricultura e da pesca, do comércio ou da transformação dos minérios, caberia às populações russas inventar o modo de se auto-abastecerem sem recursos e de sobreviverem enquanto pudessem.
Do Reich nazi chegaria, entretanto, uma torrente de colonos alemães que assumiriam a posse permanente dos recursos e das terras produtivas.
Este plano de invasão, destruição e desmantelamento da URSS, partia de outra certeza dos estrategas nazis. As repúblicas soviéticas constituíam um autêntico mosaico de populações, etnias, crenças e credos, culturas, tradições tendências políticas. Os dirigentes nacional-socialistas dispunham de minuciosos «dossiers» sobre a matéria, organizados pelos serviços secretos, pelas universidades ou pelos intelectuais russos dissidentes. Acreditavam serem capazes de dividir para reinar, lançando minorias contra minorias. Os meses e anos que se seguiram à violação da pátria soviética vieram provar que, afinal, esses cálculos estavam errados. Primeiro, porque o conhecimento que os nazis tinham da avaliação dos outros povos perdia toda a lucidez, anulada pelo mito racista do super-homem ariano. Depois, por subestimarem os sentimentos de unidade pátria das populações da Rússia. E, ainda, por não terem entendido a capacidade de recuperação, resistência, organização e liderança do Partido Comunista soviético.
As profundas contradições estratégicas dos dirigentes nazis foram-se tornando evidentes. Queriam seduzir as minorias religiosas e étnicas mas as exigências de guerra, em matérias-primas e em recursos humanos e materiais, bem como o cumprimento dos curtos prazos exigidos pelos Altos Comandos, reclamavam das hordas fascistas a imposição do terror. Centenas de igrejas e conventos de diferentes cultos foram saqueadas e os seus tesouros seculares seguiram o caminho do Grande Reich Alemão. Milhares de sacerdotes (só polacos, foram mais de 3000 ) tiveram o trágico fim de tantos outros patriotas, queimados, enforcados, fuzilados ou exterminados em campos como os de Dachau, Auschwitz, Buchenwald ou Bergen-Belsen.
Os nazis não faziam distinção entre os diferentes credos. Lançavam fogo às barbas de um rabi judeu ou crucificavam-no, com a mesma indiferença com que fuzilavam no «muro preto» um padre católico ou ortodoxo ou enforcavam um fundamentalista religioso. Debalde se pode procurar uma ideologia nazi. Um nazi-fascista pertence, por definição, a uma organização rigidamente baseada no princípio das chefias (o fuhrerprinzip) que lhe fornece planos de acção claros e imediatos, com tarefas definidas e individualizadas. Quando assim acontece, um nazi sente-se bem. Tal como os jesuítas, o nazi nunca discute as decisões dos seus chefes. Obedece às ordens, mesmo que estas envolvam a prática de crimes intoleráveis. E encontra, deste modo, a sua paz de espírito. A ideologia, para ele, é fraqueza desprezível.
Assim, de acordo com as determinações de Berlim, quando se iniciaram as operações militares de invasão da URSS e os exércitos nazis conseguiram avanços fulminantes, impôs-se a necessidade de policiar rapidamente os grandes espaços resultantes da deslocação da linha da frente militar. Os objectivos dessa tarefa eram múltiplos e imediatos: destruição de qualquer forma de resistência armada, apropriação de todos os valores do património russo e abertura de grandes áreas esvaziadas de população, de forma a permitir a instalação dos colonos germânicos. Criaram-se, pois, na retaguarda da frente, os chamados destacamentos especiais, constituídos por bandos de assassinos altamente disciplinados. Estes contingentes eram recrutados entre nazis fanáticos, criminosos comuns, soldados da Wermacht retirados da frente de combate, polícias e membros das SS e da Gestapo. Em Dezembro de 1941, cinco meses após a violação das fronteiras soviéticas, 34 mil judeus tinham sido exterminados em Kiev (muitos deles enterrados vivos), após a queda da cidade, e as «unidades especiais» procediam a fuzilamentos maciços, preferencialmente de comunistas, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, comissários políticos e administrativos, numa palavra, daqueles que, de qualquer modo, pudessem vir a enquadrar e a organizar as massas camponesas e operárias. Escusado seria procurar nesses crimes uma motivação ideológica. Os nazis matavam, roubavam e torturavam, só porque tinham recebido uma ordem dos seus chefes. Agiam em cumprimento estrito da vontade das chefias. Em meia dúzia de meses, concluiu o Tribunal de Nuremberga, as unidades especiais abateram mais que um milhão de cidadãos soviéticos. Na região de Smolensk foram assassinadas cerca de 125 000 pessoas. Na área de Leninegrado, 172 000. Em torno de Estalinegrado, 140 000. Na Crimeia, os nazis obrigaram 144 000 soviéticos a subir para barcaças que, depois, rebocaram para o alto mar e afundaram. Na região de Adesa, 300000 homens, mulheres e crianças, foram chacinados. A II Guerra Mundial deu lugar, nos territórios soviéticos, à destruição deliberada de 1760 igrejas do rito ortodoxo grego, de 237 templos católico-romanos, de 532 sinagogas judaicas e de vários locais de peregrinação como, por exemplo, Kiewo-Paherskaja, Lavra ou Nowy Jerusalém. Museus importantes, nomeadamente os de Tolstoi e de Tchaikowski, foram dinamitados.
A morte, a doença, a fome, as epidemias e as destruições atingiam, indiferentemente, crentes e ateus, leigos e religiosos, comunistas e anticomunistas, criando, contrariamente ao que os nazis pretendiam, uma grande unidade entre o povo soviético. Ficou célebre a frase proferida em Estalinegrado pelos heróicos defensores da cidade: «Não há terra para além do Volga!», significando que a retirada perante os invasores, nem sequer podia ser admitida. Este sentimento era comum à esmagadora maioria do povo russo.
A posição patriótica das principais igrejas
Os generais e os dirigentes nazis enganaram-se, ainda, noutra avaliação decisiva, ao acreditarem que o mundo religioso russo iria agarrar com mãos ambas a ideia da destruição do regime soviético. A leitura nazi do mito da libertação continua a ser proposta nos tempos actuais. Mas os nazis acreditaram na sua própria propaganda, erro que os déspotas têm de evitar.
Na era czarista só uma igreja, a Ortodoxa, era consentida pelo poder imperial. Todos os outros credos foram banidos e perseguidos. A tal ponto chegava a intolerância oficial que o Código do Império Russo estipulava que «se os pais baptizarem os seus filhos numa igreja diferente da Ortodoxa ou os educarem segundo os ritos de outras igrejas cristãs, serão condenados a penas de um ou dois anos de prisão». Os czares atribuíam à Igreja Ortodoxa subsídios superiores a 50 milhões de rublos, valor bem superior ao da verba destinada à Educação. Os salários das centenas de milhares de padres e monges eram pagos directamente pela Coroa.
Quando se deu a Revolução Bolchevista de Outubro, em 1917, todo este panorama mudou drasticamente. Um dos primeiros decretos do governo provisório, a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia, estabelecia, no mês de Novembro, que «todos os privilégios e limitações religiosas e nacionais são abolidas». A partir de então, todos os cultos, comunidades e tendências religiosas eram iguais perante a lei. As igrejas ficavam separadas do Estado e proibia-se, nas escolas públicas, a exibição de emblemas ou de outros sinais confessionais e de culto.
Tal como é inevitável no quadro das transformações democráticas de fundo, uma parte do clero ortodoxo reagiu mal à perda de privilégios. Durante pouco mais de dez anos, as relações entre o governo comunista e a igreja foram tensas. Mas o poder soviético manteve e alargou as garantias dadas, ao passo que a hierarquia ortodoxa foi aceitando as novas características da sociedade russa. Quando a barbárie nazi procurou destruir a URSS, funcionavam, em todo o território da União, milhares de templos e instalações religiosas ortodoxas, muçulmanas, católicas romanas, uniatas, luteranas, baptistas, judaicas, budistas, metodistas, etc. Todas elas tinham estruturas orgânicas diferentes entre si, livremente estabelecidas pelas respectivas comunidades, todas elas completamente autónomas do Estado Soviético.
Todo este imenso universo crente cerrou fileiras e apoiou a resistência ao invasor teutónico. Mesmo no período do avanço acelerado das tropas nazis, mesmo quando as comunidades religiosas ficavam em território ocupado e os templos eram incendiados, conhecem-se actos heróicos de coragem e de firmeza, dos muitos sacerdotes e leigos que desafiaram a morte e a tortura.
Houve excepções, evidentemente, como a do colaboracionismo da Igreja Católica Uniata, mas que representaram casos isolados. Sem dúvida que a fúria nazi acabaria por provocar uma aproximação entre as igrejas e a sociedade comunista.
Ainda a guerra estava no seu auge, em 1943, verificou-se um encontro histórico ente Estaline e os três mais altos dignitários da Igreja Ortodoxa, Mons. Serge, Guarda do Trono Patriarcal, Mons. Alexis, Metropolita de Leninegrado, e Mons. Nicolas, Metropolita de Kiev. Repare-se que, nessa altura, em 1943, Kiev ainda estava nas mãos dos nazis e Leninegrado permanecia cercada. Desta reunião no Kremlin, saiu a convocação de um Concílio Geral, o qual teve lugar em 7 de Setembro, dele resultando a eleições de um Metropolita de Moscovo como figura máxima da Igreja Ortodoxa Russa. A igreja ortodoxa mantinha abertos ao culto, nessa altura de grandes riscos e sacrifícios, 20 mil templos, 67 mosteiros, 8 seminários, 3 academias teológicas e dispunha de 31 000 sacerdotes ordenados. Quanto à questão polémica de se saber se existia ou não, na URSS, liberdade religiosa, estes números podem falar por si.
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