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Subject: Outro "não" é possível


Author:
Luciano Amaral
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Date Posted: 2/06/05 12:46:27
In reply to: Fernando Penim Redondo 's message, "Um logro do tamanho da Europa" on 1/06/05 19:05:19

ronto, a França lá votou contra a Constituição Europeia, preparando-se a Holanda para lhe seguir os passos (à hora a que escrevo ignora-se o resultado do referendo). As razões por que o fez são lamentáveis, resultando sobretudo de uma fantasmagoria antianglo-saxónica e anticapitalista imprópria de um país ocidental desenvolvido. As razões do "sim", porém, eram ainda mais lamentáveis. Também aqui pontificava o monstro anglo-saxónico. A diferença estava em que, para os partidários do "sim", a Constituição era mesmo a melhor defesa contra ele, enquanto para os do "não" era o seu maior veículo. Foi a este nível misérrimo e em torno de tópicos laterais que o debate francês se desenvolveu. Neste sentido, a campanha teve apenas o mérito de revelar o penoso estado a que chegou o discurso político europeu, cada dia mais afundado na visão infantil, partilhada ecumenicamente pela esquerda e pela direita, de uma Europa entendida enquanto alternativa social e humanitária ao neoliberalismo selvagem e ao império americanos.

Foi a pressa em construir esta absurda alternativa aos EUA que esteve na origem da Constituição agora recusada pelos franceses. Se eles não discutiram o que é importante, convém então relembrar o que uma opinião informada deve considerar para tomar uma decisão. São três as questões cruciais uma, a do carácter constitucional do texto; outra, a do equilíbrio de poderes entre os Estados nacionais e a União; finalmente, a do carácter democrático das instituições.

O texto não é uma autêntica Constituição. Muitos dos seus defensores até o reconhecem, aproveitando mesmo a deixa para a causa do "sim". Dizem-nos que o tratado mais não faz do que simplificar o que andava disperso, e que essa é até a principal razão para o aprovar. Mas este argumento não pode ser verdadeiro, se tomarmos como credíveis os cenários de catástrofe em caso de não aprovação. Entendamo-nos se o texto é uma real Constituição tem de se lhe atribuir uma dignidade diferente de um mero tratado simplificador. Uma Constituição é o texto mais nobre de qualquer comunidade política, aquele no qual ela se funda. Se este texto é apenas um instrumento jurídico de simplificação, então seria pelos seus méritos nesse domínio que deveria ser avaliado e não enquanto Constituição, não podendo, portanto, a sua recusa significar o desastre para a Europa.

Mas não restem dúvidas sobre as pretensões constitucionais do texto. Ele foi redigido por uma convenção que se imaginou e anunciou como uma espécie de réplica da de Filadélfia. Dele faz parte uma Carta de Direitos Fundamentais que, mais uma vez, replica o famoso Bill of Rights americano. Nele se pretendem estabelecer regras para as competências respectivas dos Estados nacionais e da União. Estabelece-se também a personalidade jurídica da União, criando-se ao mesmo tempo um ministro dos Negócios Estrangeiros europeu. Tudo tópicos que apontam para uma tentativa verdadeiramente constitucional. Só que, para merecer esta designação, o texto teria de ir mais longe no esclarecimento dos limites de soberania dos Estados e da União, bem como na definição da sua dimensão externa. A questão da designação do texto não é um tópico menor. É talvez o principal. E a discussão sobre ele não pode ser séria enquanto não se estabelecer definitivamente a sua natureza.

No domínio das competências relativas, contrariamente às pretensões de simplificação, imperam a indefinição e a confusão, o mesmo acontecendo com a representatividade e o escrutínio democráticos das instituições - estando os dois pontos, de resto, interligados. Não sou antifederalista por princípio. Não tenho a nação ou a pátria por valores absolutos. Vejo-os, antes, como instrumentais. Portugal já teve extensões territoriais muito diferentes e valores simbólicos distintos ao longo da sua História. A Itália existe como país em resultado de uma união de Estados ocorrida recentemente (em 1861), o mesmo acontecendo com a Alemanha (1871). Apontasse a União para um verdadeiro federalismo, construído de acordo com regras democráticas e estabelecendo com clareza as fronteiras entre poderes federais e regionais, porque não considerar a alternativa, desde que ela constituísse uma hipótese politicamente credível, vantajosa e aceite pelos povos da Europa? Afinal, estaríamos apenas perante a substituição de uma nação por outra. Mas o que está posto na mesa nada tem que ver com isso. O tratado não dá origem a uma federação, e ao mesmo tempo dilui de forma confusa e arbitrária o poder das nações. O tratado ameaça, portanto, as comunidades nacionais democráticas existentes, não dando origem a uma nova comunidade política válida, sólida e igualmente democrática. Se a alternativa é entre as nações existentes (com as suas tradições políticas e o seu enquadramento democrático) dentro do quadro da União já em vigor e uma verdadeira monstruosidade política, que estraga o que existe sem criar nada de válido em substituição, salvemos então o que existe.

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Ora cá estão algumas reflexões bem gisadas... Tem é que se prepararVisitante aparlemado 2/06/05 15:25:11


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