Subject: Sondagens |
Author:
Luís Costa
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Date Posted: 20/10/05 18:11:36
In reply to:
www.comunistas.info
's message, "A posição da Renovação Comunist sobre os resultados das eleições autárquicasa" on 13/10/05 17:43:39
Sondagens
Luís Costa*, Público, 20/10/05
Em meados da década de 90, já lá vão pelo menos dez anos, coube-me em sorte ter de preparar uma sondagem com uma empresa da especialidade, então a dar os primeiros passos neste ramo de actividade. Definido o objectivo desse estudo de mercado, sugeri o conjunto de perguntas que gostaria de ver respondidas e, como é prática nestas coisas, fiquei à espera da formatação técnica do questionário. Quando um jornal quer fazer uma sondagem, é este o procedimento habitual. Como é fácil de perceber, fazer perguntas numa entrevista não é o mesmo que fazer perguntas numa sondagem.
Qual o meu espanto quando um dos altos responsáveis dessa empresa, da qual felizmente não tenho ouvido falar, me telefonou a perguntar que tipo de respostas eu gostaria de ver induzidas. Surpreendido e escandalizado, desliguei-lhe o telefone na cara, não sem antes lhe garantir que o jornal - pelo menos enquanto eu lá trabalhasse e nele tivesse responsabilidades editoriais - nunca mais encomendaria à dita empresa qualquer tipo de trabalho. E assim foi.
Vem esta lembrança a propósito das sondagens realizadas no âmbito das recentes autárquicas, nas quais os estudos de opinião que projectavam os resultados eleitorais voltaram a ser o habitual bombo da festa. Como acontece quase sempre, e com razões acrescidas em actos eleitorais de âmbito local - que são as mais difíceis de monitorizar e, consequentemente, se revelam menos precisos -, houve discrepâncias excessivas e falhas de difícil explicação. Com inteira legitimidade, o comum dos mortais perguntará como é possível, que num mesmo dia, a escassas 48 horas das eleições, sejam conhecidas sondagens de sentido diametralmente oposto, sendo que nenhuma delas, ainda por cima, conseguiu sequer aproximar-se do resultado efectivamente obtido nas urnas?
Parte do problema não reside nas sondagens ou nas empresas que as efectuam. Por conveniências de índole diversa, por interesses de natureza política ou partidária, por má-fé, ou até por simples ignorância, os estudos de opinião e as sondagens são objecto de aproveitamento múltiplos. Quem assim procede esquece-se que a sondagem vale o que vale, que avalia opiniões no preciso momento da inquirição, que as pessoas podem mentir ou alterar a sua intenção de voto, que os resultados obtidos dependem da metodologia utilizada, que uma sondagem telefónica é diferente de uma simulação em urna fechada, que uma amostragem realizada com 500 pessoas é distinta de uma outra efectuada num universo quatro ou cinco vezes superior, que a sondagem da empresa A realizada na passada semana não pode ser comparada, de modo linear, com a sondagem da empresa B realizada dois meses antes, e por aí adiante.
A verdade, porém, é que a outra parte do problema - de que se tem falado muito pouco ou quase nada, por pudor ou interesses convergentes - tem tudo a ver com as empresas ou institutos que promovem e efectuam sondagens e estudos de opinião. Se em meados da década passada já era assim, agora deve ser bem pior, tal a proliferação de gente que nos tempos mais recentes passou a dedicar-se à avaliação das intenções alheias, numa concorrência crescente e supostamente desenfreada.
Não sei se esta área de negócio emergente e particularmente sensível estará a precisar de um qualquer correctivo de natureza legal. Mas, mesmo que assim não seja, parece-me boa ideia que os órgãos de comunicação social que contrataram, mesmo que baratinho, empresas de sondagens manifestamente impróprias para consumo, fossem assumindo perante os seus leitores, espectadores, ou ouvintes, que não voltarão a cair no mesmo erro em futuras encomendas. A democracia agradece.
*Jornalista
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