Author:
Francisco Louçã, Publico 21/07/2005
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Date Posted: 21/07/05 17:54:44
Há "um capitalismo predador e selvático" que "só pode ser substituído por uma sociedade socialista"
O BE é um movimento de novo tipo, que vive da contestação e da luta anticapitalistas e pela construção de uma alternativa socialista, afirma o líder dos bloquistas, Francisco Louçã
O BE não tem ideologia, garante Louçã, que assegura que isto significa não perfilhar nem o marxismo-leninismo, nem o leninismo, nem o trotskismo, nem o marxismo, apenas recolher contributos destes pensadores.
O BE defende a revolução ou assume-se como um movimento reformista?
É um debate de conceitos que o BE não teve. O que tivemos é que somos um movimento anticapitalista e socialista. O socialismo não existe sem uma transformação das condições do regime económico e social.
E isso consegue-se por via reformista ou por via revolucionária?
Consegue-se por grandes combates transformadores que são reformas e que são revoluções. Acho que nos batemos por reformas essenciais e fazemo-lo com toda a convicção de que é importantíssimo para ajudar a mudar a vida das pessoas. O capitalismo moderno, que é um capitalismo predador e selvático, só pode ser substituído por uma sociedade socialista.
O que é para si a revolução, quando diz que defende a evolução por reformas, mas que podem também elas ser revolução.
Há grandes reformas que podem ser revolucionárias. Não se consegue combater a injustiça fiscal, o privilégio do poder económico de ter regras distintas para si próprio, diferentes da grande maioria da população, sem uma alteração da relação de forças que permitem impor a democracia como regra. Acredito que não se conseguem alterar regras do comércio internacional e impor o predomínio do direito internacional na relação de conflitos sem uma alteração da relação de forças que derrote o império. Acredito que não muda a União Europeia sem uma grande refundação democrática e social que reconstrua as suas bases na estruturação. Isso são revoluções.
Como é que o BE se define ideologicamente?
Socialista.
E o que é que é ser socialista no século XXI?
Significa ter vivido e aprendido a lição do socialismo soviético e chinês e rejeitá-la. Nunca existe socialismo que proíbe o direito de greve, que impõe na Constituição o governo perpétuo de um partido político, como é o caso do Partido Comunista chinês e da Constituição chinesa. É rejeitar as monarquias delirantes como a Coreia do Norte. No fundo, é rejeitar a ideia de que o socialismo pode ser compatível com a redução do pluralismo político ou da liberdade social. Creio que o socialismo só pode existir, só se pode limpar, se resultar da reflexão e de rejeição do que foram os modelos de Leste. E é também uma outra coisa, é um anticapitalismo, uma contestação da civilização capitalista e do desastre humano e ambiental que ela representa.
Pelo que diz concluo que já não é trotskista.
O Trotsky teve um papel fundamental na luta contra o estalinismo, contra a estalinização, contra o que veio a ser o modelo soviético. Não só ele mas muitos outros.
Ainda se define como trotskista?
Eu nunca me defini como trotskista. Defini-me sempre como marxista.
Integrou uma organização trotskista...
Mas foi uma organização que nunca se definiu como tal, embora, e eu assumo isso por inteiro, o contributo do Trotsky tenha sido fundamental para pensar o socialismo de hoje. Como foi o de outros, como Rosa Luxemburgo ou Gramsci e alguns outros marxistas. A nossa herança é exactamente essa e vivia sempre da mesma forma.
Entre o Trotsky e a Rosa Luxemburgo há diferenças substanciais...
Com certeza. Mas eu creio que o socialismo aprendeu com essas diferenças.
No BE ainda há marxistas-leninistas?
Depende do que quer dizer com o conceito marxista-leninista. Há leninistas certamente, há leninistas que são marxistas. Agora o marxismo-leninismo foi entendido muitas vezes como uma representação do estalinismo e isso não há. Como há não marxistas.
Mas o BE como movimento identifica-se com o leninismo?
Não, o BE não tem que se identificar com o leninismo.
Portanto, não há ideologia única?
Não há nem vai haver. Como sabe, aliás, o BE nasceu e só podia ter nascido assim não por uma fusão ideológica que reinterpretasse o passado, mas por uma definição da agenda política e do programa. O programa constrói-se na luta social, nas alternativas políticas para o país, para a Europa. E foi isso que nos permitiu aprender um nível de política completamente distinto do que a esquerda radical tinha feito em Portugal durante 30 anos. Nós mudámos completamente a capacidade de actuação política e social, tornando-nos uma força política influente.
A importância que dão aos movimentos sociais é enquadrada pelo Fórum Social?
Quando o BE surgiu ainda não existia o Fórum Social, mas o movimento que lhe ia dar origem já estava a nascer, o movimento antiglobalização.
O caminho de forçar reformas, de condicionar o capitalismo, é mesmo por aí?
Há algumas políticas que são de reformas, há outras que são de combates frontais. Por exemplo, na política do ambiente quando se defende uma política de redução das emissões de dióxido de carbono por causa do efeito de estufa é uma grande reforma.
Não concebem a oposição política exclusivamente teorizada, sem ser através da acção dos movimentos sociais, da contestação social.
O que os fóruns sociais começaram a introduzir é a necessidade de dar substância aos movimentos de contestação com a formulação de alternativas, com a formação de políticas. Acho que nós temos o dever de apresentar políticas tão consistentes quão necessárias para governar um país.
Mas não concebe fazer isso só por via parlamentar, por exemplo?
Não. Porque a representação parlamentar reduziria a democracia, como se fosse a única forma de debate político no país. Nós damos toda a importância à intervenção parlamentar, cumprir o nosso compromisso, mas entendemos que a democracia vai para além da vida parlamentar.
Nos seus acampamentos, o BE ministra cursos de desobediência civil. O que é isto?
Nós não ministramos cursos. Nos acampamentos há um conjunto de ateliers. Discutimos desobediência civil, que eu creio que é indispensável fazer na sociedade de hoje.
Mas o que é desobediência civil?
É por exemplo num país que está em guerra não pagar a minha parte de impostos que corresponde ao esforço de guerra quando estou em desacordo com ela. Foi presa uma jornalista do New York Times porque se recusou a revelar as fontes e ela explicou, e bem, que ia para a prisão por desobediência civil. Portanto, recusou uma ordem do tribunal que achou que era injusta e contraditória com o seu código deontológico. Desobediência civil é isso mesmo, é uma acção não violenta, de protesto em situações problemáticas.
S.J.A./M.J.O.
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