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Subject: Como a Grã-Bretanha nega os seus holocaustos


Author:
George Monbiot
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Date Posted: 16/02/06 19:03:33


Informação Alternativa

Mundo

27/12/2005



Como a Grã-Bretanha nega os seus holocaustos

– Porque é que tão poucas pessoas conhecem as atrocidades do império? –






Ao ler as informações sobre o julgamento do novelista turco Orhan Pamuk, somos abalados por duas coisas. A primeira, claro, é a brutalidade anacrónica das leis desse país. Pamuk, como muitos outros escritores e jornalistas, está a ser processado por “ultraje à nação turca”, o que quer dizer que se atreveu a mencionar o genocídio arménio na primeira guerra mundial e a matança dos curdos na década passada. A segunda, é a sua chocante, alegre estupidez. Se existe um caminho que poderia ser calculado para transformar esses massacres em temas de actualidade, é o julgamento do novelista mais importante do país por tê­‑las mencionado.



Enquanto se prepara para a adesão, o governo turco descobrirá que os outros membros da União Europeia encontraram um meio mais efectivo de supressão. Sem coerção legal, sem utilizar multidões ululantes para tirar escritores das suas casas, nós desenvolvemos uma capacidade quase infinita para esquecer as nossas próprias atrocidades.



Atrocidades? Que atrocidades? Quando um escritor turco utiliza essa palavra, todos na Turquia sabem do que ele está a falar, ainda que o neguem veementemente. Mas a maioria dos britânicos olhará sem compreender. Deixem­‑me dar­‑lhes dois exemplos, ambos tão bem documentados como o genocídio arménio.



No seu livro Late victorian holocausts [Holocaustos em fins do período vitoriano], publicado em 2001, Mike Davis conta a história das fomes que mataram entre 12 e 29 milhões de indianos [1]. Estas pessoas foram, demonstra, assassinados pela política estatal britânica.



Quando uma seca do El Niño levou à indigência os camponeses da meseta de Decca em 1876 havia um excedente neto de arroz e trigo na Índia. Mas o vice­‑rei, Lorde Lytton, insistiu que nada devia impedir a sua exportação para Inglaterra. Em 1877 e 1878, no auge da fome, os mercadores de grãos exportaram um recorde de 325 mil toneladas de trigo. Enquanto os camponeses começavam a passar fome, ordenou­‑se aos responsáveis governamentais que «desencorajassem os actividades de ajuda de todas as maneiras possíveis» [2]. A Lei Contra Contribuições Caritativas de 1877 proibiu «sob pena de prisão doações privadas de ajuda que interferissem potencialmente com a fixação de preços do grão pelo mercado». A única ajuda permitida na maioria dos distritos eram os trabalhos forçados, dos quais se excluía qualquer um que estivesse num estado avançado inanição. Dentro dos campos de trabalho, os trabalhadores recebiam menos comida do que os reclusos de Buchenwald. Em 1877, a mortandade mensal nos campos equivaleu a uma taxa anual de mortalidade de 94%.



Enquanto morriam milhões, o governo imperial lançou «uma campanha militarizada para cobrar os impostos em atraso acumulados durante a seca». O dinheiro, que arruinou aqueles que de outro modo poderiam ter sobrevivido à fome foi utilizado por Lytton para financiar a sua guerra no Afeganistão. Mesmo nos lugares onde se tinha produzido um excedente de colheitas, a política de exportação do governo, como a de Estaline na Ucrânia, produziu fome. Nas províncias do noroeste, Oud e Punjab, que tinham produzido colheitas recorde nos três anos precedentes, morreram pelo menos 1,25 milhões.



Três livros recentes – Britain’s gulag [O gulag britânico] de Caroline Elkins, Histories of the hanged [Histórias dos enforcados] de David Anderson e Web of deceit [Rede de enganos] de Mark Curtis – mostram como colonos brancos e soldados britânicos reprimiram a revolta Mau Mau no Quénia nos anos cinquenta. Expulsos das seus melhores terras e privados de direitos políticos, os kikuius começaram a mobilizar-se – alguns deles violentamente – contra o regime colonial. Os britânicos reagiram encerrando até 320.000 deles em campos de concentração [3]. A maioria dos restantes – mais de um milhão – foram mantidos em “aldeias cercadas”. Os prisioneiros foram interrogados com a ajuda de «cortes de orelhas, perfuração de tímpanos, chicotadas até à morte, despejando parafina sobre suspeitos que depois eram incendiados, e queimando tímpanos com cigarros acesos» [4]. Os soldados britânicos utilizavam um «instrumento castrador metálico» para cortar testículos e dedos. «Quando lhe cortei os testículos», alardeou um colono, «não tinha orelhas, e o seu globo ocular, o direito, creio, estava dependurado fora da sua órbita» [5]. Foi dito aos soldados que podiam disparar a quem quisessem «desde que fosse negro» [6]. A provas de Elkins sugerem que mais de 100.000 kikuius foram assassinados pelos britânicos ou morreram de doenças e fome nos campos. David Anderson documenta o enforcamento de 1090 supostos rebeldes: muitos mais do que os executados pelos franceses na Argélia [7]. Milhares mais foram sumariamente executados por soldados, que alegaram terem “falhado em fazer alto” quando lhes foi ordenado.



Estes são só dois exemplos de pelo menos vinte atrocidades semelhantes supervisionadas e organizadas pelo governo britânico ou pelos colonos britânicos: incluem, por exemplo, o genocídio tasmaniano, o uso do castigo colectivo na Malásia, o bombardeamento de aldeias em Omã, a guerra suja no Norte do Iémen, a evacuação de Diego Garcia. Algumas delas podem provocar uma vaga, recôndida memória em alguns milhares de leitores, mas a maioria das pessoas não terá a menor ideia do que estou a falar. Max Hastings, hoje no Guardian, lamenta a nossa «relativa falta de interesse pelos crimes de Estaline e Mao» [8]. Mas pelo menos estamos conscientes de que ocorreram.



No Express podemos ler o historiador Andrew Roberts argumentando que para «a vasta maioria do seu meio milénio de história, o Império Britânico foi uma força exemplar pelo bem... os britânicos renunciaram ao seu Império em grande parte sem derramamento de sangue, depois de terem tentado educar os seus governos sucessores na via da democracia e das instituições representativas» [9] (presumivelmente encarcerando os seus futuros dirigentes). No Sunday Telegraph, insiste que «o império britânico assegurou surpreendentes taxas de crescimento, pelo menos naqueles lugares suficientemente afortunados para serem coloridos de rosa no globo» [10]. (Compare-se isto com o dado central de Mike Davis, de que «não houve aumento no rendimento per capita da Índia de 1757 a 1947», ou com a demonstração de Prasannan Parthasarathi de que «os trabalhadores do sul da Índia tinham maiores rendimentos do que os seus homólogos britânicos no século XVIII e viviam vidas de maior segurança financeira» [11]). (No Daily Telegraph, John Keegan afirma que «o império tornou­‑se, nos seus últimos anos, altamente benevolente e moralista». Os vitorianos «propuseram—se levar a civilização e o bom governo às suas colónias e abandoná-las quando já não fossem bem-vindos. Em quase cada país, outrora colorido de vermelho no mapa, cumpriram esta intenção» [12].



Existe um, justamente sagrado, Holocausto na história europeia. Todos os demais podem ser ignorados, negados ou menosprezados. Como assinala Mark Curtis, o sistema dominante de pensamento na Grã­‑Bretanha «promove um conceito chave que subjaz a tudo o resto – a ideia da benevolência básica da Grã-Bretanha… A crítica das políticas externas é certamente possível, e normal, mas dentro de limites estreitos que mostram “excepções”, ou “erros”, na promoção da regra da benevolência básica» [13]. Esta ideia, temo, é o genuíno «sentido da identidade cultural britânica» cuja alegada perda Max lamenta hoje. Nenhum juiz ou censor é requerido para impô-la. Os donos dos jornais simplesmente contratam as histórias que desejam ler.



A aderência da Turquia à União Europeia, posta agora em causa pelo julgamento de Orhan Pamuk, requer não que aceite as suas atrocidades; só que permita aos seus escritores enfurecerem­‑se impotentemente contra elas. Se o governo quer que o genocídio dos arménios seja esquecido, deveria abandonar as suas leis de censura e deixar que as pessoas digam o que querem. Só precisa de permitir que Richard Desmond e os irmãos Barclay comprem os seus jornais, e o passado não voltará a incomodá-lo.



_________

[1] Mike Davis, Late Victorian Holocausts: El Nino Famines and the Making of the Third World. Verso, London, 2001.

[2] Uma ordem do tenente-governador Sir George Couper aos seus oficiais distritais. Citado em Mike Davis, ibid.

[3] Caroline Elkins, Britain’s Gulag: The Brutal End of Empire in Kenya. Jonathan Cape, London, 2005.

[4] Mark Curtis, Web of Deceit: Britain’s Real Role in the World. Vintage, London, 2003.

[5] Caroline Elkins, ibid.

[6] Mark Curtis, ibid.

[7] David Anderson, Histories of the Hanged: Britain’s Dirty War in Kenya and the End of Empire. Weidenfeld, London, 2005.

[8] Max Hastings, This is the country of Drake and Pepys, not Shaka Zulu. The Guardian, 27/12/2005.

[9] Andrew Roberts, “We should take pride in Britain’s empire past”. The Express, 13/07/2004.

[10] Andrew Roberts, Why we need empires. The Sunday Telegraph, 16/01/2005.

[11] Prasannan Parthasarathi, Rethinking wages and competitiveness in Eighteenth-Century Britain and South India. Past and Present 158, 1998. Citado por Mike Davis, ibid.

[12] John Keegan, The empire is worthy of honour. The Daily Telegraph, 14/07/2004.

[13] Mark Curtis, ibid.

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Para já não falar da Guerra dos Boers...Guilherme Statter16/02/06 20:13:15


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