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Subject: Depois desta guerra


Author:
Howard Zinn
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Date Posted: 15/02/06 19:04:03

A guerra contra o Iraque, o assalto às suas gentes, a ocupação das suas cidades, mais cedo ou mais tarde, chegará ao fim. O processo já começou. Os primeiros sinais de rebelião estão a aparecer no Congresso. Os primeiros editoriais pedindo a retirada do Iraque começaram a aparecer na imprensa. O movimento contra a guerra foi em crescendo, devagar mas sem pausas, por todo o país.

As sondagens de opinião pública mostram agora um país decididamente contra a guerra e contra a administração Bush. As duras realidades tornaram-se visíveis. As tropas terão que voltar para casa.

E enquanto trabalhamos com determinação crescente para que isto suceda, não deveríamos pensar para além desta guerra? Não deveríamos começar a pensar, inclusive antes que esta vergonhosa guerra acabe, em acabar com a nossa adesão à violência maciça e utilizar a enorme riqueza do nosso país para as necessidades humanas? Quero dizer, não deveríamos começar a falar em acabar a guerra, não esta guerra ou qualquer outra, mas a guerra em si mesma? Talvez tenha chegado o momento de acabar com as guerras e levar a humanidade por uma via saudável e reconfortante.

Um grupo de figuras internacionalmente conhecidas e aclamadas, tanto pelo seu talento como pela sua dedicação aos direitos humanos, como Gino Strada, Paul Farmer, Kart Vonnegut, Nadine Gordimer, Eduardo Galeano e outras estão em condições de lançar uma campanha a nível mundial que recrute milhões de pessoas num movimento de renúncia às guerras, com a esperança de alcançar uma situação em que aos governos, confrontados com uma resistência popular, seja difícil, se não impossível, fazer a guerra. Pode ser que tenha soado a hora de pôr em prática esta ideia.

Há um argumento persistente contra esta possibilidade que tenho vindo a ouvir de pessoas de todos os quadrantes do espectro político: nunca poderemos acabar com a guerra porque está na natureza do homem. A resposta mais convincente a este argumento está na história: nunca encontrámos pessoas que espontaneamente se tenham lançado na guerra contra outros. Aquilo com que deparamos, isso sim, é com governos a fazerem um esforço tremendo a fim de mobilizar os cidadãos para irem para a guerra. Têm que atrair os soldados com promessas de dinheiro e educação; têm que oferecer aos jovens, cujas possibilidades na vida são muito escassas, uma oportunidade de alcançar respeito e status. E se estes incentivos não chegam, o governo tem de usar a coacção, tem de recrutar jovens, forçá-los ao cumprimento do serviço militar e ameaçá-los com a prisão se não obedecerem.

Além disso, o governo tem de persuadir os jovens e as suas famílias de que se o soldado possa perder os braços e as pernas ou ficar cego, tudo é por uma nobre causa, por Deus, pela pátria. Se analisarmos a interminável série de guerras deste século não encontraremos pessoas a exigir a guerra, mas antes resistindo a ela, até que são bombardeadas com exortações que apelam não a um instinto assassino, mas ao desejo de fazer qualquer coisa boa como alargar a democracia e a liberdade, derrubar um tirano.

Woodrow Wilson encontrou uma cidadania tão avessa a meter-se no matadouro da primeira guerra mundial que na sua campanha presidencial de 1916 prometeu não entrar nela: "Existe uma nação que tem a dignidade de não lutar". Mas uma vez eleito, pediu e recebeu do Congresso a declaração de guerra. A torrente de lemas patrióticos começou, aprovaram-se leis para encarcerar os dissidentes e os Estados Unidos uniram-se à matança que estava a ocorrer na Europa.

Na segunda guerra mundial havia sem dúvida um imperativo moral, que ressoa entre a maioria deste país e que mantém a reputação de que a segunda guerra mundial foi "uma guerra boa". Havia a necessidade de derrotar o monstruoso fascismo. E esta foi a crença que me fez alistar-me na Força Aérea e voar em missões de bombardeamento na Europa.

Comecei a questionar a moralidade da cruzada, quando a guerra já havia acabado. Ao deitar bombas de uma altura de cinco milhas (oito quilómetros) não via seres humanos, não ouvia os seus gritos, não via as crianças despedaçadas. Mas agora tinha que pensar sobre Hiroshima e Nagasaki, as bombas incendiárias de Tóquio e Dresden, a morte de 600 mil civis no Japão e um número semelhante na Alemanha.

Cheguei a uma conclusão sobre a minha própria psicologia e a dos outros combatentes: Uma vez que havíamos decidido que o nosso lado era o lado bom e o contrário o lado mau; uma vez que tínhamos feito esse raciocínio tão simples e tão simplista, não tivemos que pensar em mais nada. Podíamos cometer os crimes mais inomináveis, pois tudo estaria correcto.

Comecei a pensar sobre os motivos das potências estrangeiras e da Rússia estalinista e interrogava-me se o que lhes importava era o fascismo ou a manutenção dos seus próprios impérios, do seu próprio poder, e se essa era a razão pela qual as suas prioridades militares eram tão sublimes que não podiam bombardear as vias de caminho de ferro que levavam a Auschwitz. Dos seis milhões de judeus assassinados nos campos de extermínio (deixados assassinar?), só 60 mil se salvarão pela guerra, um por cento. Um artilheiro de outra tripulação, professor de história com quem estabeleci amizade, disse-me um dia: "sabes, esta é uma guerra imperialista. Os fascistas são uns malvados, mas o nosso lado não é muito melhor". Então não pude aceitar a ideia, mas ficou-me gravada.

É indubitável que a guerra cria, de forma insidiosa, uma moral comum para todos os lados. Envenena todo aquele que se compromete com ela, por muito diferentes que sejam uns dos outros; converte-os em assassinos e torturadores, como actualmente. Simula a preocupação de derrubar tiranos, e de facto pode fazê-lo, mas quem morre são as vítimas desses tiranos. Dá a impressão de limpar o mundo dos malvados, mas essa impressão não perdura, porque pela sua própria natureza gera mais maldade. Concluí que a guerra, como toda a classe de violência, é uma droga. Provoca uma euforia rápida, a emoção da vitória, que passa depressa, e então, converte-se em desespero.

Tudo o que possamos dizer sobre a segunda guerra mundial a fim de compreender a sua complexidade e a situação que se lhe seguiu, Coreia, Vietname, estava tão longe do tipo de ameaça que a Alemanha e o Japão representavam para o mundo, que essas guerras só podiam justificar-se através do recurso à propaganda de uma "guerra boa". Uma histeria anti-comunista leva-nos ao macartismo nos EUA e às intervenções na Ásia e na América Latina – de forma clara ou encoberta – justificadas pela "ameaça soviética", suficientemente exagerada para mobilizar as pessoas para a guerra.

O Vietname, no entanto, demonstrou ser uma experiência de que a opinião pública estadunidense retirou lições e, durante 20 anos, compreendeu as mentiras que lhe tinham contado para justificar todo aquele derramamento de sangue. Os Estados Unidos foram obrigados a retirar-se do Vietname e o mundo não acabou. Metade dum pequeno país no sudeste da Ásia unia-se agora a outra metade comunista e 58 mil vidas de estadunidenses e milhões de vietnamitas foram desperdiçadas para o evitar. A maioria dos estadunidenses chegou a opor-se à guerra, no que constituiu o maior movimento anti-bélico da história da nação. Quando a guerra do Vietname acabou, as pessoas odiavam a guerra. Acredito que o povo estadunidense, uma vez levantada a névoa da propaganda, regressou a uma situação normal. As sondagens de opinião pública mostravam que as pessoas dos Estados Unidos se opunham a enviar tropas para qualquer parte do mundo, fosse por que motivo fosse. As classes dirigentes estavam alarmadas. O governo, deliberadamente, propôs-se superar o que então se chamou "o síndroma do Vietname". A oposição à intervenção de tropas fora do país era uma doença que tinha de ser curada. Por isso, deviam afastar os estadunidenses da sua insana atitude, mantendo debaixo de controlo a informação, evitando o recrutamento, e metendo-se em guerras curtas e rápidas contra opositores débeis (Granada, Panamá, Iraque) para não dar tempo a que as pessoas pusessem em marcha um movimento anti-bélico.

Eu diria que o final da guerra do Vietname permitiu ao povo dos Estados Unidos expulsar o síndroma da guerra, uma doença não natural para o corpo humano. Mas podiam contagiar-se uma vez mais e o 11 de Setembro deu ao governo essa oportunidade. O terrorismo converteu-se na desculpa para a guerra. O terrorismo continua a ser um fenómeno que aterroriza o mundo inteiro. Mas a guerra não pode parar o terrorismo, porque a guerra em si mesma é terrorismo, reproduz o ódio e a raiva, como estamos actualmente a ver. A guerra é uma desculpa para não chegar às raízes do terrorismo e os Estados Unidos está a aproveitar-se disso, porque ocupar-se das causas em lugar dos sintomas requeria uma mudança radical da sua política.

A guerra do Iraque trouxe à luz do dia a hipocrisia da "guerra contra o terrorismo". Não acredito que o nosso governo seja, uma vez mais, capaz de fazer o que fez depois da guerra do Vietname: preparar a população para se fundir outra vez na violência e na infâmia. Parece-me que quando a guerra do Iraque acabar e o síndroma da guerra esteja curado, então, haverá uma grande oportunidade para que a sua cura seja permanente. A minha esperança é que a recordação da morte e da desonra será tão intensa que as pessoas dos Estados Unidos serão capazes de escutar uma mensagem que o resto do mundo, liberto de guerras sem fim, pode também entender.

Podemos estar à beira do entendimento a nível mundial de que a guerra, definida como uma matança indiscriminada de um grande número de pessoas (tendo em conta a possibilidade de intervenções humanitárias para prevenir atrocidades), não pode mais ser aceite por razão alguma, porque a tecnologia da guerra atingiu um ponto tal em que, inevitavelmente, 90% das suas vítimas são civis e muitas destas são crianças, pelo que qualquer guerra, não importa as palavras que se encontrem para a justificar, é uma guerra contra as crianças.

O governo dos Estados Unidos, como quaisquer outros governos, está a ser denunciado como pouco digno de confiança, isto é, que não se lhes pode confiar a segurança dos seres humanos, ou a segurança do planeta, ou a protecção do ar, da água e das riquezas naturais, ou o acabar com a pobreza, a doença ou o alarmante crescimento dos desastres naturais, que são uma praga para muitos dos seis mil milhões de habitantes da terra.

É verdade que são os governos quem tem o poder, os que monopolizam a riqueza, os que controlam a informação, mas este poder, com toda a sua capacidade esmagadora, também é frágil. Depende da submissão e da obediência das pessoas. Quando se lhes retira essa obediência, as entidades mais poderosas, os governos mais bem armados, as empresas mais ricas não podem fazer as suas guerras ou os seus negócios. Greves, boicotes, não cooperação podem converter em impotente a mais arrogante das instituições.

O governo mais poderoso da terra, o dos Estados Unidos, teve que retirar do Vietname quando deixou de contar com a lealdade dos seus militares e o apoio dos seus cidadãos. Há um poder maior que o das armas e o da riqueza. Algumas vezes, pudemos contemplar o cessar das guerras e o derrube de tiranias. Agora chegou o momento de acabar com as guerras e levar a raça humana a um caminho de bem-estar e restabelecimento da saúde.

Quero citar Einstein que reagiu às intenções de "humanizar" a guerra, dizendo: "a guerra não se pode humanizar, apenas se pode abolir". Este género de enormes verdades deve reiterar-se até que sejam de tal modo decoradas que não possam ser erradicadas das nossas mentes; até que as palavras se propaguem aos outros; até que se convertam num grito repetido em todo o mundo; até que o som dessas palavras se torne ensurdecedor; até que silenciem o barulho das pistolas, dos mísseis e dos aviões.
[*] Pensador e historiador norte-americano, professor jubilado da Universidade de Boston.
resistir.info já publicou os seguintes artigos seus:
# Os EUA não perdoam que Cuba seja independente
# O espectro do Vietname
# Concentremos essa raiva
# A lógica da retirada


O original encontra-se em www.lajiribilla.co.cu/noticias/n0061.html .
Tradução de José Paulo Gascão.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
15/Fev/06

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Subject Author Date
Re: Depois desta guerra... O que os "States" preparamColocado por Guilherme Statter16/02/06 12:44:17
Um jogo perigoso…Ângelo Alves16/02/06 22:42:48


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