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Subject: Um novo ciclo


Author:
Constança Cunha e Sá
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Date Posted: 17/03/06 17:03:50

Um novo ciclo
Constança Cunha e Sá


A "cooperação estratégica"
é antes de mais uma "cooperação" nacional apadrinhada pelo Presidente
que tem, em relação ao Governo, a vantagem de ser "isento"

De repente, o país mudou. A "crise" que dominou a campanha presidencial e o discurso dos vários candidatos deu lugar a uma euforia mansa que se alimenta diariamente de OPA e de propaganda. Pelo meio, por obra e graça do eng. Sócrates, a derrota do PS esfumou-se e a cidadania de Manuel Alegre, que chegou a suscitar alguns entusiasmos incompreensíveis, acabou por regressar calmamente à sua previsível insignificância. Inchado pelo seu milhão de votos e pelo glorioso destino que o seu resultado lhe oferecia, Manuel Alegre não percebeu que a sua vitória teria a duração de um dia e que a derrota de Mário Soares, mais do que uma derrota pessoal, era também o fim de um ciclo e de uma geração de políticos à qual ele obviamente pertencia. O obituário do soarismo, glosado nas mais variadas formas, não se reduz ao desaparecimento de uma suposta corte de bajuladores acéfalos que (supostamente também) entretinha a vaidade do chefe sem levar em linha de conta a dura realidade dos factos. Com o dr. Soares, desapareceu um mundo que, ao contrário do que se tem dito, não assenta apenas no seu umbigo. Para o bem e para o mal, o fundador do PS, que, aliás, pouco ou nada tem a ver com este PS, foi educado para a política, num tempo em que a política era mais do que um mero cálculo de oportunidades, sujeito às leis das sondagens e às certezas da economia. Não por acaso, e ainda menos devido às oscilações do um ego demasiado insuflado, o dr. Soares é um dos "pais da democracia". Mas como Jorge Sampaio oportunamente assinalou a época dos "pais da democracia" passou.
Confundir isto com arrogância e interpretar o combate presidencial de Mário Soares à luz de um ressentimento quase doentio em relação à vitória de um homem de origens modestas e de cultura limitada é não perceber o essencial: a diferença abissal que existe entre duas formas de fazer política e dois modos de entender o mundo. Nos tempos que correm, as origens de Cavaco Silva servem apenas para alimentar o mito do homem sério que subiu a pulso na vida e chegou onde chegou por força do mérito e da determinação. Talvez por isso, pela eficácia com que enumera e cumpre os seus objectivos, se diga agora que o novo Presidente da República é um político previsível. Tão previsível como o primeiro-ministro, com quem partilha o gosto pela autoridade, a obstinação pela obra feita e o fascínio por uma imagem de Estado que sobrepõe os interesses nacionais aos arranjos meramente partidários.
Numa frase que faz parte da pequena história das presidenciais, o prof. Cavaco Silva garantiu-nos que duas pessoas sérias e informadas chegavam fatalmente às mesmas conclusões: a competência não se compadece com floreados teóricos, próprios de quem vê a política nos velhos moldes do republicanismo. Na altura, o PS, ou parte do PS, não viu com bons olhos esta subvalorização da política em detrimento das regras da economia e da necessidade das suas receitas. Há poucos dias, no entanto, o eng. Sócrates explicava-nos, de forma ainda mais explícita, que quem não contribuía para o "clima de recuperação", que por aí se respira, não fazia oposição ao Governo mas sim "oposição ao país", dando como adquirido que o "interesse nacional" deve ser interpretado num único sentido. O diálogo, definido por quem se acha detentor da verdade e considera que há um único caminho para o desenvolvimento, só pode conduzir ao confronto com grupos de "privilegiados" que não aceitam a mudança (como tem acontecido com o Governo) ou a um consenso alargado, propício à estabilidade (como defende Cavaco Silva).
O "novo ciclo", que se anuncia com a "cooperação estratégica" que o novo Presidente da República está disposto a estrear, assenta, não tanto na cumplicidade entre Belém e São Bento, mas no entendimento de que, neste momento crucial, o país deve dispensar a política e as suas permanentes quezílias e empenhar-se "responsavelmente" na resolução dos seus problemas de sempre. Daí o apelo, feito por Cavaco Silva, a todos os portugueses, em geral, e à oposição, em particular: Cavaco será o Presidente de Portugal inteiro na medida em que Portugal inteiro estiver empenhado numa obra "em comum" capaz de mobilizar o país e de lhe abrir as portas do desenvolvimento. Daí a aposta no "diálogo" e numa "estabilidade dinâmica" que não se esgota na maioria parlamentar.
Ao contrário do que o eng. Sócrates possa ter deixado transparecer, Cavaco Silva está em consonância com o Governo enquanto o Governo estiver em consonância com o país. A "cooperação estratégica", como ele aliás a definiu ao longo da campanha, sem que ninguém lhe tenha prestado especial atenção, é antes de mais uma "cooperação" nacional apadrinhada pelo Presidente que possui, em relação ao Governo, a vantagem de ser "isento" e de não ter filiação partidária. Neste sentido, o "interesse do país", que o eng. Sócrates julga corporizar, exige a bênção da Presidência da República, o único órgão de soberania capaz de congregar uma hipotética vontade nacional e de garantir uma "estabilidade dinâmica" que envolva todos os sectores da sociedade numa "obra em comum" capaz de regenerar a pátria e os seus ancestrais costumes.
Como já disse Vital Moreira, o PS pode assobiar para o lado (que é, aliás, a única coisa que, neste momento, pode fazer) mas dificilmente aceitará, no futuro, um governo tutelado por um Presidente da República que promete transformar o Palácio de Belém num centro de decisão "estratégica". Porque, apesar de tudo, e para além do caminho unívoco traçado pela economia, a política existe, como o dr. Soares sempre soube. Infelizmente, os novos políticos não têm respostas políticas para problemas que eles não consideram políticos. Têm grupos de estudo, comissões de especialistas, técnicos competentes, peritos de imagem e uma fé desmedida nos méritos da propaganda que proporcionam, agora, os chamados "níveis de confiança". Neste mundo, onde o desenvolvimento é fruto da aplicação "científica" de reformas indispensáveis, a política é apenas um exercício de má fé que contraria o "interesse nacional" e o consenso necessário ao crescimento do país. É, neste mundo, que, por enquanto, Sócrates e Cavaco Silva se entendem. Jornalista

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