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Subject: 10. Ainda o processo de consciencialização...


Author:
Guilherme Statter
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Date Posted: 21/11/06 15:25:37


Ainda o problema do processo de consciencialização de classe e a evolução tecnológica...

Disse em escrito anterior que o impacto do cruzamento dos dois processos históricos em evolução no mundo industrializado ao longo das últimas duas décadas (a "desconcentração" e a renovada e aprofundada "centralização") não podia ter sido mais negativo relativamente ao processo de formação ou consolidação da "consciencialização" por parte dos trabalhadores.
Vejamos outros aspectos desta transformação organizacional de caracter global.
Entretanto tudo "isto" tem que ser descrito em grandes "pinceladas" ("isto é que é tudo um grande pincel"... já estou a adivinhar o sarcasmo...)) de modo a que venham ao de cima as grandes correntes da evolução, o que só é possível se adoptarmos uma abordagem de muito longo prazo.
A este respeito, permito-me remeter o eventual leitor, mais pachorrento ou mais interessado, para o meu texto publicado aqui no Dotecome "Temporalidade e Análise Científica".
Ao tempo de Marx (e durante mais umas décadas...) a Europa Ocidental, a começar pela Inglaterra mas logo seguida por países e regiões da Europa, nomeadamente a Bélgica, a Alemanha, a França e Norte da Itália, tornou-se como que na "oficina do Mundo" e era já bem visível a tendência do sistema capitalista para a sua globalização. Em 1848 já Marx e Engels sublinhavam essa tendência para a formação de um "mercado mundial".
Primeiro ponto a sublinhar (relativamente ao processo de consciencialização):
Nessa altura eram os operários (recentemente expulsos dos campos ou aí tornados redundantes que se deslocavam para os centros urbanos industriais ou fabris. Aglomeravam-se nas já referidas "cinturas industriais" e submetiam-se ao ritmo imposto pelos processos maquinizados em crescimento exponencial.
Os operários (e camponeses...) da Europa, ciclicamente tornados redundantes ou excedentes do ponto de vista do "sistema", tinham uma saída óbvia: a emigração (daí o dizer-se hoje que os EUA, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia são como que extensões da Europa... de vez em quando também aparecem referidos a Argentina e o Chile....)
Já Lenine assinalava uma suposta conversa de Cecil Rhodes (o "Bill Gates" dos fins do século XIX... do diamantes da África do Sul) com um jornalista em que o dito cujo Cecil Rhodes afirmava textualmente "se não queremos ter uma guerra civil – em Inglaterra – temos que ter um Império" (para escoar as populações tornadas excedentárias...).
A melhoria do nível de vida nos países do Centro permitiu-lhes adoptar políticas "proto-socialistas" (a partir das elites governantes, vide o caso de Bismark o seu Estado "social" imposto a partir de cima...) exportando para fora do então "Centro" do sistema - sob a forma de trabalhadores que não encontravam trabalho - uma grande parte da potencialidade da Revolução.
Os que ficaram na Europa, sendo menos, viram os seus "rendimentos" aumentar (jogo da "oferta" e da "procura" nos mercados de trabalho...) vindo a adoptar como "ideal de vida" os modelos de comportamento da "pequena burguesia". Foi assim também que Kautsky e Lenine vieram a falar e discorrer sobre uma suposta "aristocracia trabalhista", a qual, como seria de esperar, se veio a contentar com o modelo de evolução social dito "reformista".
Ou seja, o processo de consciencialização estava operativo mas dominado, ou domesticado, comportando-se as "classes trabalhadoras" como "pequeno-burgueses" a quem a Revolução deixara de interessar.
Entretanto as contradições internas e/ou intrínsecas ao modo de funcionamento do sistema capitalista, designadamente e sobretudo a tendência decrescente da taxa de lucro, não deixaram de estar operativas e a funcionar, vindo os seus efeitos a revelar-se (a "dar conta de si"...) por meio da "regular" ou "periódica" eclosão de crises e duas guerras mundiais.
Entretanto o "internacionalismo" optimista dos primeiros revolucionários "foi à vida" (como soe dizer-se...) e volta hoje a assistir-se a um "refluxo identitário" nacional (anti-sistema...) que não facilita (bem antes pelo contrário!...) a formação de "consciência de classe" entre os trabalhadores dos diversos países industrializados. E entre os trabalhadores destes países e dos chamados "países emergentes". Além de tornar particularmente difícil a formação de sentimentos de solidariedade (operativa, com reflexos substantivos e sustentados...) entre as classes trabalhadoras dos países industrializados (e/ou "pós-industrializados"...) e os "agregados sociais" (para não lhes chamar "classe"...) que nos países da Periferia, gostariam de poder ter trabalho, mas não têm. São simplesmente "redundantes" e/ou excedentários.
Entretanto a própria constituição e estrutura interna das "classes trabalhadoras" nos países mais avançados sofreu alterações profundas ou mesmo radicais. No tempo do taylorismo (ou no período que imediatamente precedeu esta metodologia de organização industrial) a esmagadora maioria dos operários industriais tinham muito pouco formação científica ou pouco mais do que a formação escolar básica. Os operários eram assim pouco mais do "apêndices" das máquinas. Vide "Os Tempos Modernos" de Charlie Chaplin... É também a esse respeito que Marx e Engels falam do processo de alienação dos trabalhadores.
Hoje, a constituição e estrutura interna das "classes trabalhadoras" nos países mais avançados é profundamente distinta. As famigeradas deslocalizações de operações fabris não são mais do que um reflexo dessa transformação.
Enquanto que nos tempos de Marx, foram os operários que emigraram dos campos para os centros urbanos fabris nos países do Centro, hoje são os "centros fabris" que se deslocam – "emigram" – para as concentrações urbanas onde há milhares, centenas de milhares, de pessoas à espera de poder trabalhar...
Por outras palavras, e por exemplo, enquanto a "DaimlerChrysler AG" deslocaliza fábricas da série "Mercedes C" para a África do Sul, dando aí trabalho a milhares de operários "presos" a uma cadeia de produção em controle remoto a partir do "Centro", a África do Sul e outros países africanos "exportam" para a Europa (e EUA...) centenas ou mesmo milhares de técnicos, cientistas e quadros qualificados.
À distância de mil anos (lá para o ano 3000 ?...) dir-se-ia (talvez...) que se assiste hoje à escala planetária a uma reconfiguração do sistema capitalista (ou da "economia política" realmente existente) de modo a que à escala do planeta é cada vez mais visível uma estrutura de classes que corresponde ao modelo teórico elaborado por Marx e Engels há uns 150 anos atrás.
No meio disto tudo haverá talvez ainda muito que esperar até que se possa falar de uma classe "proletária" de âmbito mundial, consciente de si e actuando para si...
Mas, em todo o caso, é mesmo por isso que, como escreviam na África do Sul, Aluta Continua

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Subject Author Date
Re: 10. Ainda o processo de consciencialização...Paulo Silva21/11/06 16:56:40


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