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Subject: A distribuição do rendimento


Author:
Miguel Gouveia
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Date Posted: 28/06/07 17:07:40

Uma das causas do desequilíbrio das finanças públicas portuguesas é o crescimento do número de funcionários públicos ocorrido após 1995.

A necessidade de corrigir esta situação é consensual, como se pode confirmar vendo os programas dos principais partidos ou até afirmações (mesmo que relutantes) do líder da CGTP.

Mas há outros problemas estruturais associados como o impacto negativo substancial que a administração pública tem gerado na distribuição do rendimento em Portugal. Para ver esta ligação basta alinhar um conjunto de factos.

1. O rendimento do trabalho é a componente mais importante dos rendimentos dos agregados familiares. Assim, a desigualdade na sua distribuição é a mais importante fonte de assimetrias na distribuição dos rendimentos totais dos agregados familiares.

2. Ao contrário do que muitas vezes se lê, os funcionários públicos têm qualificações em média bastante superiores às dos outros trabalhadores. Apesar de a administração pública representar pouco mais de 15% do emprego total, significa uma percentagem muito maior dos trabalhadores com licenciatura ou ensino superior pós-graduado.

Durante a segunda metade dos anos 90, anos de grande crescimento de quadros, é provável que a administração pública tenha absorvido praticamente metade dos licenciados que ingressaram no mercado de trabalho.

Isso significa que, na maioria dos casos, os vencimentos observados no mercado de trabalho para os que tem maiores qualificações são determinados pelos vencimentos da função pública.

Para outros trabalhadores com qualificações educacionais superiores à média (mas não licenciados) verifica-se uma situação semelhante, embora menos extrema.

3. Existe já suficiente investigação econométrica em Portugal para documentar que a administração pública paga salários mais altos que o sector privado, sendo a comparação particularmente válida para trabalhadores com as mesmas características observáveis (idade, sexo, educação e experiência profissional).

4. Podemos juntar aos factos anteriores a constatação de as diferenças entre os salários dos licenciados e trabalhadores, com níveis de educação acima da média, e os salários dos outros trabalhadores seram muito grandes em Portugal, maiores que em quase todos os países desenvolvidos.

Oextraordinário 'prémio' à educação dado pelo mercado de trabalho português é a maior fonte de desigualdade na distribuição dos rendimentos do trabalho e é uma consequência directa do papel da administração pública no mercado de trabalho. Se este prémio fosse originado pelo sector privado, poderia ser interpretado como reflectindo diferenças de produtividade.

Mas como ele é originado no Estado, tem-se que os elevados vencimentos dos grupos profissionais com maior educação reflectem sobretudo uma maior capacidade destes grupos em capturar os orçamentos públicos.

Em conclusão, a função pública tem seguido políticas de recrutamento e remuneração que têm um impacto adverso nos níveis de desigualdade da distribuição do rendimento em Portugal.

Uma redução da função pública é uma via estrutural para que a desigualdade na distribuição do rendimento diminua. Algo de desejável, já que a desigualdade assim eliminada não está enraizada em diferenças de produtividade mas, pelo contrário, baseia-se em assimetrias no poder de capturar os recursos do Estado.

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