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Subject: Estamos encerrados


Author:
Clara Ferreira Alves
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Date Posted: 1/07/07 9:55:24

NO DIA 13 de Junho dava-se uma volta pela cidade de Lisboa, e era o deserto. Feriado, e feriado a seguir a um feriado, o que significa que só se encontravam turistas. Os turistas deambulavam com ar perdido pelas ruas da Baixa, deserta, fechada, de taipais caídos e restaurantes fora de serviço. O chão estava cheio de papéis que esvoaçavam e as fachadas dos prédios e as lojas pareciam as de uma cidade abandonada e decadente. Até o largo do Rossio já está a ficar velho outra vez e o aspecto decrépito do comércio da zona não ajuda muito a considerar Lisboa uma cidade europeia. Nápoles está melhorzinho do que isto. Em Junho e durante as festas da cidade, quando o número de visitantes devia aumentar e quando ela estava mais bonita, com os jacarandás em flor e os verdes brilhantes de toda a chuva que tem caído, Lisboa era naquele dia uma cidade abandonada e entristecida. Os portugueses, e neste caso os lisboetas, não têm o mínimo sentido da oportunidade e do negócio e andam com os horários trocados. Se formos a Madrid ou a Londres, a Barcelona ou a Paris, vemos que estas cidades começam a transformar-se, ou já se transformaram, em cidades que não dormem, como Nova Iorque.

Londres, a mais vital e rica de todas, é uma cidade aberta e com as lojas abertas todos os dias, uma força de trabalho alimentada pelos emigrantes de todas as cores que desconhecem feriados e fins-de-semana e contribuem para a vitalidade comercial dos bairros e para essa sensação tão boa, que todas as cidades devem ter, de que o tecido urbano é uma coisa viva e orgânica e funcional 24 horas por dia. Quem quer descansar vai para o campo, as cidades são para serem habitadas e terem gente nas ruas e cafés e restaurantes abertos, e teatros e cinemas iluminados, e bares com noctívagos. Uma cidade não fecha porque é um gigantesco centro comercial ao ar livre. Em Itália, começamos a ver o mesmo fenómeno, com as lojas de certos bairros de Milão e de Roma a abrirem aos domingos e estarem abertas aos sábados à tarde. Estando as lojas abertas, os estabelecimentos de comidas e bebidas acompanham e transforma-se uma cidade entorpecida numa metrópole vibrante. A energia de Nova Iorque é a energia do trabalho e da massa humana que vive e habita e circula em Nova Iorque.

Em Portugal, tudo está feito para liquidar o comércio, sendo os próprios comerciantes os primeiros a não perceber que este modelo de funcionamento, com encerramento aos sábados à tarde e domingos todo o dia, é o menos adequado. Os sábados à tarde são, justamente, com os domingos, os dias livres para comprar, consumir e visitar as lojas. Por enquanto, com o encerramento compulsivo dos hipermercados aos domingos, o comércio das ruas não sofre a concorrência, mas assim que o horário for liberalizado, como inevitavelmente será, as lojas sofrerão as consequências, Nas últimas décadas o mercado e a livre concorrência e a ocupação de tempos livres sofreram modificações, tal como os hábitos e horários de consumo, e os comerciantes, destituídos de espírito comercial, insistem na sacralidade do sem fim-de-semana e em manter, com esta opção, as cidades vazias e encerradas no centro. As pessoas, os consumidores, invadem os centros comerciais, acolhedores no Inverno, com variedade de escolha e possibilidade de atendimento das 10 horas da manhã às 11 horas da noite, mais os cinemas e serviços. O Corte Inglés, ao sábado, tem lá dentro uma pequena cidade, um formigueiro de gente que aproveita o lazer para gastar dinheiro e passear em temperaturas climatizadas.

Os comerciantes tiveram a oportunidade de compreender que a demografia do consumo mudou, e que neste ramo quem não muda morre. A Baixa de Lisboa é, em 2007, um cadáver. E um cadáver que afecta as áreas vizinhas, mesmo as que tentam resistir, como o Chiado e o Príncipe Real. Não é possível num dia de Junho de uma cidade «mediterrânica» como esta, quando se comemora o Santo António, que a data seja entendida não como uma oportunidade de negócio pelos lojistas e donos de restaurantes, e sim como um período de férias. A falta de sentido prático dos portugueses é lendária. Em toda a Baixa não se encontrava, naquele santo dia, mais do que meia dúzia de restaurantes abertos onde turistas melancólicos debicavam grelhados e imperiais. No dia em que a cidade devia estar mais cheia de gente e em festa, o ambiente era de funeral. A Rua Augusta era um estudo sobre a depressão urbana. O Terreiro do Paço parecia, como sempre, um estaleiro.

Qualquer plano de reabilitação da Baixa terá de avaliar este comportamento e modificá-lo. A Baixa de Lisboa acabou, aquilo já deu o que tinha a dar, e por favor retirem as cadeirinhas de plástico daquelas esplanadas. O próximo presidente da Câmara e seus acólitos terão de atacar a nossa preguiça ancestral e essa mania dos dias santos como pretexto para deixar de trabalhar dentro da cidade. Quem está pobre como nós estamos não pode dar-se ao luxo de desperdiçar dias destes colocando na porta o letreiro «Estamos Encerrados».

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