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Subject: 25 de Abril de 2007


Author:
Clara Ferreira Alves
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Date Posted: 6/05/07 16:20:02

Certos dias olho para Portugal como quem olha para um doente terminal. Com simpatia, pena, solidariedade inútil e a certeza de que não podemos fazer nada. As notícias abrem mais um rasgão na cortina do optimismo com que pretendem, e pretendemos, convencer-nos de que o país «está a mudar» e que não morrerá inexoravelmente à medida que o mundo à sua volta vai mudando. Como o doente terminal olha o mundo dos vivos e não acredita que em breve deixará de fazer parte deles e se extinguirá, os portugueses olham em volta e recusam a sua inferioridade, a descida de estatuto, de conforto, daquilo que designámos por «qualidade de vida».

As histórias que lemos nos jornais são sempre más, ou mazinhas, nessa preferência pelo diminutivo tão complementar da preferência pelo soutôr que normalmente acompanha o diminutivo; como na frase «posso trazer a facturinha soutôr?» Estamos, no contexto europeu, no momento em que nos trazem a facturinha e não temos dinheiro para a pagar, embora sejamos todos doutores. O Retrato de Portugal que António Barreto faz na RTP dá uma enorme vontade de fugir de Portugal. Como o próprio autor disse numa entrevista a este jornal, «se tivesse 50 anos ia-me embora». Eis as letras de um epitáfio. Tenho pensado nelas, nesse ir embora que parece ser, e é muitas vezes, e foi historicamente quase sempre, a maneira de tolerar a insuportável mediocridade nacional e fazer as pazes com o sol e sardinha assada. O acto de partir é um acto de uma violência extrema, não o acto de partir mas o movimento da partida sem retorno breve, sem âncora e sem circum-navegação.

Partir sem regresso pressupõe uma série de actos preparatórios que nos ameaçam, como retirar as raízes da planta do vaso e lançá-la noutro vaso com terra nova, sem saber o que vai acontecer. Na Primavera costumo fazer isso a algumas plantas e nem todas passam bem na mudança. Certas criaturas detestam a mudança e fenecem ou amarelecem. Camões era um homem de mudança, como os sonetos indicam, Pessoa não era, alimentava-se da estase, do tédio e da quietação fazia poesia. Hoje não estou tão certa de que Pessoa, que morreu percebendo a pátria curta onde tinha nascido, gostasse assim tanto de estar sem viajar. Mandando o Campos de viagem para Inglaterra, Pessoa delegava no heterónimo o desejo que tinha de conhecer esse país cujos livros, autores e professores o tinham educado melhor do que alguma universidade da época o teria feito. Uma passagem pela Faculdade de Letras de Lisboa depois do regresso definitivo de Durban, mostrou-lhe logo o território minado que o seu génio seria obrigado a pisar.

Um país doente mata os que nele se abrigam, essa massa que dá pelo nome colectivo de portugueses, sempre à procura da culpa e da desculpa, sempre alegando «não fui eu foi ele». As coisas que se vão passando neste país, e que decerto contribuiriam para o rico anedotário se ainda estivéssemos interessados na anedota (não estamos) são sintomas da doença terminal. Um ditador de província sem desígnio e sem visão é eleito num concurso o Maior Português de Sempre e Vasco da Gama fica em último lugar. O primeiro-ministro que julgávamos certo e correcto em dois ou três propósitos políticos, embrulha-se numa trapalhada de licenciaturas à pressa e irregulares da qual sai muito chamuscado, um jornal vai descobrindo extraordinárias coincidências de negociatas beirãs em que o Estado é utilizado por servidores do Estado para fins privados e que insinuam uma clara contaminação do processo de licitude, um deputado do PS e ex-ministro da Economia que se tem distinguido por servir Espanha pretendendo servir Portugal é convidado para presidir a um dos mais poderosos grupos espanhóis de «media» em Portugal e diz, a este jornal, que o convite tem um claro «pressuposto ideológico», visto que ninguém lhe reconhece competência no sector. E o retirado Mário Soares, no qual votei e pelo qual fiz campanha, diz num jantar do PS que isto tudo é uma «campanha da direita» contra o primeiro-ministro e as suas reformas, confundindo informação e liberdade de informação com conspiração.

Na verdade, se o PS foi alvo de conspirações no passado, muita gente ficou calada perante elas, e refiro-me aos ataques a Ferro Rodrigues e às acusações de pedofilia, incluindo muita gente do Partido Socialista que pegou no assunto com pinças com medo de sujar as mãos. E entretanto, em Lisboa, o grande acontecimento da temporada é a inauguração atrasada do túnel do Marquês, tratada com a importância de quem inaugura uma nova ponte sobre o Tejo. Da oposição vêm as notícias do regresso triunfal de Paulo Portas enquanto o PSD continua a viver na Disneylândia mental do seu chefe provisório. A presidência portuguesa da União, os «grandes objectivos estratégicos» da Ota e do TGV (que nunca chegaram a ser explicados) e, de um modo geral, essas ameaças de retoma e de falsa retoma com que nos acenam à laia de chicote e cenoura, ficaram na fila de trás neste filme. Eu, como muita gente, não desejo eleições. Eu, como muita gente, estou farta disto.

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