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Subject: Re: Fidel Castro: biografia a duas vozes | |
Author: URSS e Cuba |
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Date Posted: 13/01/07 11:47:31 In reply to: Fernando Morais 's message, "Fidel Castro: biografia a duas vozes" on 13/01/07 11:30:45 Apresentamos extracto da “Biografia a duas vozes”: Fidel compara experiências da URSS e Cuba 22 de Dezembro de 2006 Reproduzimos a seguir o capítulo 17 de Fidel Castro. Biografia a duas vozes, de Ignacio Ramonet, publicado na nossa língua pola editora portuguesa Campo das Letras, do Porto, neste mesmo ano 2006. Capa da ediçom portuguesa da Biografia a duas vozes, cujo capítulo 17 é reproduzido nesta página O texto é adaptaçom para o padrom galego, partindo da sua publicaçom polo portal comunista português Resistir.info .: Capítulo 17 da "Biografia a duas vozes" :. Após a queda, em 1991, da Uniom Soviética e de outros países do Leste, descobrírom-se cousas terríveis. Confirmou-se a existência de um enorme desastre ecológico, verificou-se que as infra-estruturas se encontravam num estado calamitoso. A medicina, segundo me dizia o Comandante, nom funcionava… Funcionava com deficiências, mas era dez vezes melhor do que agora. Descobriu-se que havia dificuldades terríveis na vida quotidiana e surgiu também umha espécie de reino das máfias, umha corrupçom astronómica. Os próprios quadros do Partido apoderaram-se de umha grande parte da riqueza nacional. Nom há dúvida: setenta anos de socialismo soviético nom permitiram construir um "homem novo". Todas estas revelaçons surpreendêrom-no? Afectárom as suas convicçons? Vou responder-lhe. Você expujo umha lista de questons: algumhas já eram conhecidas, mas muitas conhecêrom-se depois. Há que analisá-las bem. Havia muitas cousas com as quais eu nom concordava. Por exemplo, quando ia a Moscovo, queixava-me porque me punham à perna um pequeno quadro do Partido, o qual me acompanhava a todo o lado, convertendo-me praticamente numha propriedade sua. Via pequenas misérias, invejas, egoísmos. Esse tipo de cousas existiam, mas também se vem em toda a parte, mas num grau muito maior nas sociedades capitalistas. Confesso que havia esses problemas, mas em grau muito menor do que noutras paragens. Vamos vê-las umha por uma. Diga a primeira. "Marx pensava que o limite do desenvolvimento das riquezas estava no sistema social e nom nos recursos naturais, como hoje se sabe." O desastre ecológico. É verdade. Nom se sabia que no mundo havia um desastre ecológico, e pode dizer-se que o Ocidente o descobriu primeiro. Marx pensava que o limite do desenvolvimento das riquezas estava no sistema social e nom nos recursos naturais, como hoje se sabe. Os soviéticos nom conheciam o perigo ecológico, e num território gigantesco como o da URSS talvez fosse difícil defender-se dele, mas as catástrofes ecológicas que lá se descobrírom som iguais às da Europa e dos Estados Unidos. E Tchernobil? O desastre de Tchernobil, a única tragédia ocorrida com os tipos de reactores que nom som a água, mas de grafite, causou efectivamente danos tremendos. Antes dele, porém, houvo outros desastres ecológicos: a destruiçom que se verificou no México, na América Central, na América do Sul. Quanto à selva do Amazonas há umha disputa para se ver como será possível salvá-la. A devastaçom ecológica é universal, nom se pode atribuir realmente à URSS. Mas falemos, por exemplo, do mar de Aral. Os soviéticos tomárom decisons para desviar os rios e o mar de Aral está a desaparecer, por razons de gigantismo produtivista. Mas nom é um problema exclusivo. Discutiu-se muito, desde Khruchtchev até Brejnev e outros. Queriam produzir. Por exemplo, no Kazaquistám desenvolvêrom a produçom de trigo e todos procurárom incrementar a produçom. Também quigérom cultivar as chamadas estepes da fome no Usbequistám – eu estive lá, e entom trouxérom água de uns rios que vinham das montanhas. Produziam milhons de toneladas de algodom. Penso que foi umha aplicaçom incorrecta da técnica. Nom sabiam, nem sequer suspeitavam, que julgando fazer umha grande cousa, podiam provocar um enorme desastre ecológico. Lembro-me de que Khruchtchev me falou desse tipo de plano, a conquista de novas terras, a superproduçom. Estavam empenhados em fazer as mesmas cousas que os Estados Unidos. E enquanto prosperava a agricultura, a sementeira de regadio, etc, aumentavam os problemas dos resíduos salinos. Também nós estamos a descobrir certas cousas. A Revoluçom utilizou herbicidas: quando a produçom de açúcar se elevou a 8 milhons de toneladas, se nom se recorresse a esses produtos químicos num momento dado, nom podia haver indústria agrícola. Quanto aos fertilizantes, bom, o fertilizante num dado momento salvou a humanidade, e em geral a humanidade nom poderia sequer pensar em alimentar mais de 6 500 milhons de habitantes, permanecendo grande parte, desnutrido e famento, o Terceiro Mundo. Contodo, recordo um livro de Voisin que se intitulava Hierba, Suelo y Cáncer (Erva, Solo e Cancro). Analisava o efeito do potássio no desenvolvimento de determinados cancros –li muitos desses livros, tinha um interesse especial pola agricultura, o perigo do excesso de potássio. Os tubérculos em geral precisam dele: para a bananeira ou a cana-de-açúcar aplicam-se o nitrogénio, o fósforo e o potássio. Há umha série de produçons de alimentos, entre eles os cereais, que precisam dos três elementos. Hoje conhecem-se muitos efeitos indesejáveis e antes inacreditáveis do abuso dos fertilizantes e dos herbicidas. Rachel Carson escreveu The Silent Spring (A Primavera Silenciosa), que muito me ensinou. Hoje estudam-se os genes. Mas, há vinte anos, destes últimos pouco se sabia, a genética regia-se polas leis de Mendel, aquelas descobertas a partir das ervilhas ajudárom muitíssimo a genética tradicional mediante a combinaçom de cromossomas e genes. Nom se conhecia a engenharia genética, nom se tinham produzido transferências de genes de umha célula para outra. Nós trabalhamos muito a genética tradicional e depois vimos as possibilidades da engenharia genética, a qual também desenvolvemos. Hoje dispom-se de medicamentos produzidos por esses métodos, vacinas ou fármacos que nom tenhem origem natural. As de origem natural podem estar contaminadas com outros elementos, polo que fazer umha vacina sintética dá muito mais segurança do que umha vacina natural. “Salvar a espécie será umha tarefa de titáns, mas nunca será possível através de sistemas económicos e sociais em que só o lucro e a publicidade decidam.” Houvo um tempo em que pareceu que a ciência resolveria todo. Hoje descobrimos que nom é assim. O desafio torna-se mais difícil porque também nom podemos renunciar a ela. A ciência terá de resolver muitos problemas que ela mesma cria. Salvar a espécie será umha tarefa de titáns, mas nunca será possível através de sistemas económicos e sociais em que só o lucro e a publicidade decidam. Ou seja, trata-se de questons muito complexas e profundas nom resolvidas polo homem, e das quais nom se pode culpar, longe disso, a antiga URSS. O estado calamitoso das infra-estruturas, das vias de comunicaçom, o caminho-de-ferro, as estradas, o telefone, a electricidade, todo em péssimo estado. Eu nom tenho qualquer interesse em defender seja o que for de mau que os soviéticos tenham feito, que isto fique bem claro. Cheguei a pensar, e penso ainda, que sem a industrializaçom acelerada à qual esse país se viu obrigado, em grande parte por culpa do Ocidente, que o bloqueou, o invadiu e lhe impujo a guerra, a URSS nom se teria salvo da bota nazi, teria sido derrotada. Eles, em plena guerra, fôrom capazes de transportar fábricas, implantá-las em terrenos cobertos de neve e fazê-las produzir quando ainda lhes faltava o tecto. fôrom protagonistas de umha enorme proeza, umha das mais meritórias daquela guerra, onde se cometeram tantos erros políticos previamente. Aqui se justificam as minhas maiores criticas polos erros cometidos. Recordando as nossas relaçons com eles, que durárom mais de 30 anos até o colapso, penso que os soviéticos tinham gasolina de sobra, porque a gasolina é o que fica depois de produzir o fuelóleo e o gasóleo para a indústria, os transportes e a agricultura. Eles nom desenvolvêrom umha sociedade consumista, saturada de automóveis particulares e grandes consumidores de gasolina como acontece nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Creio que figérom muito bem. A minha ideia é que a gasolina sobrava e, na década de 1960, a URSS nom teria mercado para ela. Nom se encontra outra explicaçom para o incrível consumo dos motores a gasolina de camions, camionetas, jipes e automóveis soviéticos. Quem o há-se saber melhor do que nós, que adquirimos dezenas de milhares e, em trinta anos, nunca nos faltou um barco da frota soviética a trazer gasolina? É justo dizer-se que também nunca deixou de chegar um barco com petróleo, fuelóleo ou gasóleo. Os equipamentos com motores diesel eram muito mais eficientes. “Tinham atrasos tecnológicos em diversas esferas da economia produtiva, e isso tivo o seu preço na luita do socialismo face ao imperialismo e seus aliados.” Mas, na realidade, tinham atrasos tecnológicos em diversas esferas da economia produtiva, e isso tivo o seu preço na luita do socialismo face ao imperialismo e seus aliados. O curioso é que a URSS era o país que mais centros de investigaçom criou, mais investigaçons levou a cabo, e, exceptuando a esfera militar, o que menos aplicou na sua própria economia o caudal de invençons que desenvolveu. As estradas eram estreitas. Talvez por razons de segurança nom desenvolvêrom grandes auto-estradas. Por razons de segurança as suas linhas férreas tinham bitola diferente das da Europa. Neste meio de transporte sim, dérom passos assinaláveis em frente. Talvez os seus carros nom fossem muito luxuosos, mas o comboio da Sibéria chegava a muitos milhares de quilómetros de distáncia e o sistema ferroviário, sem dúvida muito mais económico que o transporte rodoviário a grandes distáncias, chegava a todos os cantos daquele imenso país. Os automóveis particulares consomem hoje a maior parte da gasolina que as refinarias produzem. Nos Estados Unidos o consumo diário ultrapassa os 8,5 milhons de barris, algo realmente insustentável e que contribui para o rápido esgotamento das reservas provadas e prováveis de petróleo no mundo. E nem a informática desenvolveram, apesar de terem milhares de engenheiros, o que à partida lhes dava umha elevada capacidade. Como explica isto? Isso nom tem justificaçom, é falta de visom. É inacreditável. Os ianques, polo contrário, tratárom de a desenvolver a toda a velocidade. Nalgumhas cousas, os soviéticos fôrom medíocres; porém, isso nom acontecia nas investigaçons, o problema estava na sua aplicaçom. Eles tinham mais investigaçom, chegaram ao espaço antes dos outros, e nom se chega ao espaço sem informática. Esse erro foi evitado em Cuba? Preocupam-se com o desenvolvimento da informática? No nosso país houvo momentos em que nom se ensinava informática nem mesmo nas universidades. Avançámos a pouco e pouco, começando exactamente polas universidades. Depois criamos 170 clubes juvenis de informática, e nom há muito elevámos esse número a 300, com o dobro dos computadores em cada clube. O essencial é que hoje, no nosso país, o ensino da informática começa na idade pré-escolar. Cem por cento das crianças e dos jovens, desde o jardim-escola até a universidade, contam com os seus laboratórios de informática, e descobrimos as possibilidades enormes que isso nos oferece. Também se utilizam exaustivamente os meios audiovisuais na educaçom de crianças, adolescentes, jovens de toda a populaçom. Para o uso destas técnicas, os painéis solares, com um custo e gasto mínimos, fornecem a electricidade necessária em cem por cento das escolas rurais que dela careciam. Já entramos na etapa de massificaçom e trabalhamos intensamente noutras áreas da informática: estám a formar-se dezenas de milhares de programadores e desenhadores de programas. E criámos –já vai no quinto ano–, umha Universidade das Ciências Informáticas, com alunos seleccionados entre os melhores de todo o país, na qual ingressam dous mil alunos por ano. Ainda a URSS. Quando a Uniom Soviética se extinguiu, surgiu umha espécie de reino de máfias por todo o lado. Descobriu-se umha corrupçom gigantesca: os soviéticos nom tinham conseguido inocular valores éticos, mas, polo contrário, tinha-se criado umha espécie de corrupçom generalizada. Ora vejamos. O capitalismo é um criador de todo o tipo de germes. Quem inventou a máfia foi o capitalismo. Todos esses germes de corrupçom estám presentes. No socialismo também os há, porque as pessoas tenhem necessidades, tu tés de semear valores, promovê-los. Nós luitamos –e continuamos ainda hoje a luitar, e muito–, porque umha revoluçom começa acabando com todas as leis. Recordo-me que descobrimos a existência de umha cultura dos ricos e umha cultura dos pobres. A dos ricos, muito decentes: compro, pago. A dos pobres: como podo conseguir isto aqui? Como vou roubar o rico ou seja lá quem for? Muitas famílias humildes, boas, patriotas, diziam ao filho que trabalhava por exemplo na hotelaria: "Escuita, traz-me um lençol, traz-me umha almofada, traz-me isto, traz-me aquilo". Estas atitudes nascem da cultura da pobreza, e quando se fazem as mudanças sociais para transformar todo, os hábitos perduram durante muito tempo. Se este socialismo desaparecesse de Cuba, por termos seguido os conselhos de Felipe González e de toda essa gente, também aqui, e em altíssimo grau, teriam desabrochado as máfias, e todo o pior do capitalismo, incluindo drogas e crimes. Há sectores completos da nossa sociedade que ainda nom conseguimos mudar, e o entusiasmo que temos é que vemos com toda a clareza como transformá-los progressivamente, mediante umha verdadeira revoluçom educacional. Também na Uniom Soviética isso deve ter ocorrido. Nom sei realmente em que grau existiu na URSS isso que você diz, porque a URSS tinha bastantes escolas, desenvolviam profusamente as investigaçons, as universidades tinham um bom nível. Seja como for, o homem é o homem, nom podemos idealizá-lo. Felizmente é grande a minha confiança: penso que este ser humano, com todos os seus defeitos e limitaçons, tem capacidades suficientes para se preservar e inteligência bastante para se melhorar. Se eu nom acreditasse nisso, nom teria umha razom para luitar até à morte. Diria: "Olhem, isto nom tem remédio, isto vai falhar de qualquer maneira". De modo que tu podes fazer todas as comparaçons possíveis, e creio que umha razom ou outra podem explicar o que parece nom ter justificaçom. Há fenómenos que som de outra natureza. Vocês nom realizárom em Cuba aquilo a que, no tempo de Gorbatchev, se deu o nome de perestroika, revisom geral do funcionamento do sistema. Acha que aqui nom era necessária umha perestróica e que isso ajudou a preservar a Revoluçom? O que lhe podo dizer é que, na Uniom Soviética, ocorrêrom fenómenos históricos que aqui nom se dérom. Aqui nom houvo estalinismo; no nosso país nunca se conheceu um fenómeno desse carácter: abuso de poder, culto da personalidade, estátuas, etc. Aqui, logo no início da Revoluçom, foi promulgada umha lei que proibia que se desse o nome de dirigentes vivos a umha rua, a umha obra, ou que se lhes erigisse umha estátua. Aqui nom há retratos oficiais nas repartiçons públicas: sempre fomos firmemente contra o culto da personalidade. Tal culto nom passou por aqui. “Aqui nom houvo estalinismo; no nosso país nunca se conheceu um fenómeno desse carácter.” Nós nom temos de rectificar erros que se cometêrom noutros lados. Também nom houvo colectivizaçom forçada de terras, foi cousa que nunca aconteceu no nosso país. Sempre respeitamos um princípio: a construçom do socialismo é tarefa de homens livres que queiram construir umha sociedade nova. Nom temos razons para rectificar erros que nunca existírom. Se tivéssemos feito essa perestróica, os norte-americanos estariam felizes, porque, de facto, os soviéticos autodestruírom-se. Se nos tivéssemos dividido em dez fracçons e iniciássemos assim umha luita tremenda polo poder, nesse caso os norte-americanos iam sentir-se as pessoas mais felizes do planeta e diriam: "Vamos finalmente ver-nos livres da Revoluçom Cubana". Se nos temos dedicado a fazer reformas desse tipo, que nada tenhem a ver com as realidades de Cuba, teríamo-nos autodestruído. Mas nom nos vamos autodestruir, que isso fique muito claro. Chegou a considerar com interesse os esforços de Gorbatchev para reformar a URSS? Olhe, eu tinha umha péssima opiniom de todo o que Gorbatchev estava a fazer, num dado momento da sua liderança. Agradou-me no princípio, quando falou de aplicar a ciência à produçom, de avançar polo caminho de umha produçom intensiva, apoiado na produtividade do trabalho e nom num crescimento extensivo assente em cada vez mais fábricas. Este caminho já se tinha esgotado e havia que seguir pola via da produçom intensiva. Mais produtividade e mais produtividade, aplicaçom intensiva da técnica –ninguém podia discordar disto. Falou também da sua oposiçom aos ganhos nom provenientes do trabalho. Eram palavras de um verdadeiro revolucionário socialista. Essas fôrom as primeiras declaraçons de Gorbatchev, que sempre tivérom a nossa plena concordáncia, e ele também se opujo ao excesso de consumo de álcool, o que me pareceu muito correcto. Bom, creio que lá nom é assim tam fácil lidar com este problema, exigia umha prédica longa, porque os russos sabem há muito tempo como se produz a vodca, a aguardente, num qualquer alambique. Até conversei com ele sobre este tema, essas cousas interessavam-me. Eu explicava-lhe também a necessidade de a URSS ter outros métodos nas relaçons com os restantes partidos, de ser mais aberta nas suas relaçons, nom só com os partidos comunistas, mas também com as forças de esquerda e com todas as forças progressistas. Eles tinham com os demais partidos comunistas pró-soviéticos umha atitude bastante hegemónica, ou nom? Eu nom sou dos que se ponhem a criticar os personagens históricos satanizados pola reacçom mundial para agradar aos burgueses e aos imperialistas. Mas nom vou cometer a tontice de nom me atrever a dizer algo que tenho o dever de dizer. Na Uniom Soviética, polas tradiçons de governo absoluto, mentalidade hierárquica, cultura feudal ou o que quer que seja, criou-se a tendência para o abuso de poder e, em especial, o hábito de impor a autoridade de um país, de um Estado, de um partido hegemónico, aos outros países e partidos. “Na Uniom Soviética, polas tradiçons de governo absoluto, mentalidade hierárquica, cultura feudal ou o que quer que seja, criou-se a tendência para o abuso de poder e, em especial, o hábito de impor a autoridade de um país, de um Estado, de um partido hegemónico, aos outros países e partidos.” Mantivemos relaçons, durante mais de quarenta anos, com o movimento revolucionário na América Latina, e relaçons de grande proximidade. Nunca nos ocorreu dizer a quem quer que fosse o que devia fazer. Íamos descobrindo, além disso, o zelo com que cada movimento revolucionário defende os seus direitos e as suas prerrogativas. Recordo momentos cruciais: quando a URSS desabou, muita gente ficou só, e entre essa gente estávamos nós, os revolucionários cubanos. Mas nós sabíamos o que devíamos fazer. Os demais movimentos revolucionários travavam em muitos lados a sua luita. Nom vou dizer quais, nom vou dizer quem; mas tratava-se de movimentos muito sérios. Perante aquela situaçom desesperada, a queda da URSS, perguntárom-nos se deviam continuar a luitar, ou se negociavam com as forças opostas procurando umha paz, mesmo sabendo-se ao que conduziria umha tal paz. Eu dizia-lhes: "Vocês nom nos podem pedir a nossa opiniom, a luita é vossa, quem poderá morrer som vocês, nom somos nós. Nós sabemos o que estamos dispostos a fazer; mas isso só vocês o podem decidir. Apoiaremos a sua decisom, seja ela qual for". Ali estava a mais extrema manifestaçom de respeito polos demais movimentos. E nom na tentativa de impor –na base dos nossos conhecimentos e experiências e do enorme respeito que sentiam pola nossa Revoluçom– o peso dos nossos pontos de vista. Nesse momento, nom podíamos pensar nas vantagens ou desvantagens, para Cuba, das decisons que tomassem: "Decidam vocês!". E assim cada um deles, em momentos decisivos, adoptou a sua linha. Conheceu Boris Ieltsine? Conhecim, sim . Conhecim Boris Ieltsine, era um destacado secretário do Partido em Moscovo, com muitas e boas ideias: o propósito de dar resposta às necessidades da capital, o desenvolvimento dessa cidade. Eu instei-no convictamente a que preservassem as partes históricas, que as nom destruíssem. Ieltsine tinha a ideia de criar estufas para abastecer Moscovo. Era muito crítico e muito exigente com todos os quadros, de tal modo que publicávamos os discursos de Ieltsine polo rigor com que criticava deficiências, falhas. E eu dixem-lhe: "Cuidem dos edifícios patrimoniais, porque vocês quase figérom desaparecer a antiga Moscovo, construírom outra". Ele fijo escala aqui, quando visitou a Nicarágua, e conversou muito connosco. Bom, um dia em que eu estava de visita a Moscovo, ponhem o Ieltsine como meu anfitriom especial, e estou eu a falar-lhe de algumhas cousas, de como é incompreensível que alguns dos produtos mantenham os mesmos preços, desde há 40 anos, pois escasseavam e davam lugar a alguns problemas. O caviar tinha o mesmo preço que na época de Estaline. Digo-lhe: “Ainda por cima vocês mantenhem alguns produtos tam baratos que os desperdiçam. O pam está demasiado barato –dizia-lhe eu–, e muita gente compra pam para produzir frango com esse pam e vendê-lo no "mercado livre camponês". Eu via muitos gastos, muitos desses produtos superbaratos, antieconómicos, quando tantas cousas tinham mudado no país e no mundo, a massa monetária tinha-se multiplicado, e às vezes nom eram bens essenciais. Prestava-se a todo o tipo de dissipaçom e desvio de recursos. Havia ali umha contradiçom: aquele mercado livre camponês que vendia ao preço que lhe dava na gana. E também a teoria –os norte-americanos usavam esse argumento em defesa da propriedade privada– de que umha altíssima percentagem dos alimentos era produzida polo kolkosiano em pequenas parcelas; nom sei as percentagens exactas, mas o que eles nom diziam é que o kolkosiano produzia ovos baratos e carne barata porque utilizava os cereais da produçom sovkosiana ou estatal, que era muito barata, e você pode criar –numha área de 15 por 15 metros– duas mil galinhas, três mil galinhas, mesmo cinco mil galinhas. E até várias vacas de alta produçom. Vocês experimentárom isso aqui? Sim. Umha vez figemos umha experiência, utilizando a luz eléctrica, sobre a quantidade de leite que se podia produzir por metro quadrado e a quantidade de quilos de forragem que se podia produzir por metro quadrado. Figemos essa experiência, que tinha a ver com a energia que se gastava a partir de umha superfície de um hectare; você podia em teoria construir na cidade um edifício de vinte andares, e esse hectare. Se se dispugesse de luz, água, fertilizantes e umha ou várias vacas de alta produçom. Nom se sabe o que dá umha vaca! A vaca alimenta-se de vegetais, quase sem graos, dos quais surgem suculentos gomos verdes fertilizados, ricos em proteínas. Nós tivemos de estudar a sério tais problemas nos primeiros anos da Revoluçom. De modo que falávamos sobre esses temas –Ieltsine e eu. Quando ele ainda nom era presidente da Rússia, falávamos de todo. De como funcionavam as cousas na Uniom Soviética? Repare, umha viagem de eléctrico custava quatro centavos, o metro creio que cinco centavos, isso dava lugar a que as pessoas viajassem demasiado de um lado para outro de Moscovo. Eu explicava a Ieltsine o que se passava connosco em relaçom a isso, porque ele me dixo num dado momento: "Penso que os transportes deviam ser gratuitos". E eu respondim-lhe com o conselho de que os transportes nom fossem gratuitos: argumentei que deviam ter um preço razoável, nem que fosse somente para poupar o número de viagens nom necessárias que as pessoas fam com o transporte gratuito. Porque, umha vez aqui, em Cuba, entregamos a um nosso companheiro que era secretário regional do Partido –quando existia a regiom, que era menos que umha província e mais do que um município–, conjunto de autocarros e ele, sem consultar ninguém, estabeleceu o transporte intermunicipal gratuito. Cousas que a gente fazia. Pujo grátis o transporte, por sua conta e, claro, isso custou-lhe umha discussom tremenda e umha duríssima crítica que eu lhe figem. Os transportes eram aqui quase gratuitos, e as pessoas, em vez de caminharem dez quarteirons, sete quarteirons, tomavam o autocarro para fazer esse percurso, normalmente nem o pagavam, nom dava tempo, ou pagavam o correspondente a 700 metros, 800 metros, o que multiplica o consumo desnecessário. Tivem isto presente na conversa com Ieltsine –por isso o aconselhei a nom tornar grátis os transportes e outros serviços similares, em nada parecidos com a educaçom e a saúde. E sei também que havia muitas cousas quase gratuitas porque os preços eram inamovíveis. O certo é que durante aquela visita me encontrei várias vezes com Ieltsine, e realmente naquele tempo tínhamo-lo em grande consideraçom polo seu radicalismo. Todo isto se passou bastante tempo antes da catástrofe da desintegraçom. Como eram as suas relaçons com Gorbatchev? Acontecia o mesmo. Houvo boas relaçons com Gorbatchev. O Raúl conhecia-o há vários anos, desde umha visita que fijo à Uniom Soviética. Tinham relaçons de amizade. Eu falei muito com ele, conhecim-o, conversamos com freqüência. Tratava-se de um homem muito inteligente, essa era umha das suas características. Connosco foi realmente muito amistoso, portou-se como amigo, e era visível o seu respeito pola Revoluçom Cubana. Enquanto exerceu o poder na Uniom Soviética fijo todo o possível para nom prejudicar os interesses de Cuba e as relaçons positivas com o nosso país. Um homem com boas intençons, porque nom tenho dúvidas de que Gorbatchev tinha a intençom de luitar por um aperfeiçoamento do socialismo, nom ponho isso em causa. “Depois começárom as concessons na esfera da política internacional, as concessons no armamento estratégico, em todo, e um dia Gorbatchev até pediu a assessoria de Felipe González e do PSOE” Mas nom conseguiu encontrar soluçons para os grandes problemas que o seu país enfrentava. Desempenhou, indiscutivelmente, um papel importante nos fenómenos que se desencadeárom na Uniom Soviética e na derrocada posterior. Nom conseguiu evitar a desintegraçom da Uniom Soviética, nom a soubo preservar como grande país e como grande potência. Polo contrário, os seus erros e as suas debilidades ulteriores contribuírom para isso. Nós sugerimos-lhe, como dixem, que para os congressos, para as efemérides que eles organizavam, convidasse nom só os partidos comunistas mas também outras forças de esquerda e progressistas. Sofremos os efeitos de um furacám, telefonou-nos e enviou-nos umha ajuda, todo muito bem. Figérom um plano inicial, que era bom, já o dixem, na base das ideias relativas à produçom intensiva que era preciso desenvolver. Depois começárom as concessons na esfera da política internacional, as concessons no armamento estratégico, em todo, e um dia Gorbatchev até pediu a assessoria de Felipe González e do PSOE. Contou-mo ele mesmo, creio que num dos parágrafos de umha carta. A sua situaçom era já muito complicada. Lim-no com espanto, mas sem surpresa. Resignei-me à realidade de que o socialismo na URSS tinha retrocedido cem anos. Nalgum momento considerárom que a sua segurança era garantida polo poderio militar da Uniom Soviética? Nunca. Em determinado momento, chegamos à convicçom de que, se fôssemos atacados directamente polos Estados Unidos, os soviéticos nunca luitariam por nós. Nem podíamos pedir que o figessem. Com o desenvolvimento das tecnologias modernas, era ingénuo pensar, ou pedir, ou esperar que aquela potência luitasse contra os Estados Unidos, se estes intervinhessem na ilhazinha que estava aqui a 90 milhas do território norte-americano. E chegámos à convicçom total de que esse apoio nunca viria. Mais ainda: perguntamo-lo directamente aos soviéticos, vários anos antes do desaparecimento da URSS. "Digam-no com franqueza". "Nom!" –respondêrom. Sabíamos que era isso que iam responder. E entom, mais do que nunca, aceleramos o desenvolvimento da nossa concepçom e aperfeiçoamos as ideias tácticas e estratégicas com as quais esta Revoluçom triunfou e venceu mesmo no terreno militar um exército cem vezes mais numeroso em homens e nom se sabe quantas vezes mais poderoso em armas. Depois dessa resposta, arreigamo-nos mais do que nunca nas nossas concepçons, aprofundamo-las e fortalecemo-nos a um nível tal que nos permite afirmar hoje que este país é militarmente invulnerável –mas nom o é em virtude de armas de destruiçom maciça. Quando a URSS se desmoronou, muitos previram também o desabamento da Revoluçom Cubana. Como é que resistírom? Quando a URSS e o campo socialista desaparecêrom, ninguém apostava um cêntimo na sobrevivência da Revoluçom Cubana. O país sofreu um golpe brutal quando, de um dia para o outro, ruiu a grande potência e nos deixou sós, sozinhos, e perdemos todos os mercados para o açúcar e deixamos de receber víveres, combustível, até a madeira para dar umha sepultura cristá aos nossos mortos. Ficámos sem combustível de um dia para o outro, sem matérias-primas, sem alimentos, sem artigos de higiene, sem nada. E todos pensavam: "Isto vai cair" –e alguns idiotas continuam a acreditar que isto vai ruir e que, se nom ruir agora, desabará depois. Quanto mais ilusons eles tiverem e mais pensarem nisso, mais devemos nós pensar, e mais devemos nós tirar as conclusons, para que jamais a derrota poda dominar este povo glorioso. “Porque resistimos? Porque a Revoluçom contou sempre, conta e contará cada vez mais com o apoio do povo, um povo inteligente, cada vez mais unido, mais culto e mais combativo.” Os Estados Unidos apertárom ainda mais o bloqueio. Surgírom as leis Torricelli e Helms-Burton, ambas de carácter extraterritorial. Os nossos mercados e fornecedores fundamentais desaparecêrom abruptamente. O consumo de calorias e proteínas reduziu-se quase a metade. O País resistiu e avançou consideravelmente no campo social. Hoje já recuperou grande parte das suas necessidades nutritivas e avança aceleradamente noutros campos. Mesmo nessas condiçons, a obra realizada e a consciência criada durante anos operárom o milagre. Porque resistimos? Porque a Revoluçom contou sempre, conta e contará cada vez mais com o apoio do povo, um povo inteligente, cada vez mais unido, mais culto e mais combativo. [ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ] |
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Re: Fidel Castro: biografia a duas vozes | O Hermínio | 13/01/07 11:52:33 |