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Subject: Re: Fidel Castro: biografia a duas vozes


Author:
O Hermínio
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Date Posted: 13/01/07 11:52:33
In reply to: Fernando Morais 's message, "Fidel Castro: biografia a duas vozes" on 13/01/07 11:30:45

Cem horas com Fidel Castro

Castro Fidel.jpg

Biografia relatada do líder cubano

Quer se queira ou não queira, Fidel Castro é uma lenda. O seu escritório pessoal está pejado de símbolos que fazem a narrativa do último rebelde mítico. Entre os objectos destacam-se três: uma estátua de Simão Bolívar, o libertador da América espanhola, um busto de Abraham Lincoln e, num recanto, abarcando tudo, uma escultura de bronze do Quixote montado no Rocinante, símbolo da quimera. No ar, a frase de Che: «uma grande revolução só pode nascer de um grande sentimento de amor».

Lidou com dez presidentes norte-americanos: Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho. Nenhum conseguiu derrubá-lo, tampouco vergá-lo nas convicções de talhar a Revolução Cubana, que mantém com mão e persistência férreas, ao jeito do lema de Santo Inácio de Loiola: «Numa fortaleza assediada, qualquer dissidência constitui uma traição».
Há quase meio século que é o líder carismático da ilha de Cuba, pequeno país rodeado por um muro desde 1962, quando o vizinho gigante americano lhe impôs o embargo, que reforçou nos anos noventa.

Famoso também pelos longos discursos, deu, porém, apenas cinco entrevistas em toda a vida. É esta última, terminada no ano passado, que surge agora publicada num livro imprescindível e arrebatador sobre Cuba e sobre a História mundial do século XX. Ou seja, sobre a história de Fidel. São cem horas com Fidel Castro, numa leitura sem cansaço!


Fácil de seguir, «Fidel Castro – Biografia a duas vozes» é uma grande entrevista feita por Ignacio Ramonet com mais de seiscentas páginas, organizada em 26 temas seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos. Numa introdução contextualizadora, o autor explica que a «longa conversa» iniciou-se em Janeiro de 2003 para terminar em Dezembro de 2005. O palco da entrevista foi o escritório pessoal de Fidel, com o líder cubano vestido no seu sempre «impecável uniforme verde-azeitona» e a costumeira frescura, não obstante as longas horas de diálogo noite dentro.

A ordem dos acontecimentos relatados parece ser ditada por Fidel, que explana a Revolução Cubana desde o século dezanove, onde lhe encontra as forças embrionárias. Uma dessas fundações está no nome José Martí, o «apóstolo», o herói comemorado em Cuba em 2003 quando do 150º ano do nascimento, altura em que também se comemorou o 50º aniversário do assalto falhado ao quartel de Moncada, perpetrado por Fidel e alguns companheiros de ideais na tentativa de deposição de Batista.



Percurso de um homem só…


Além das conversas no gabinete, o entrevistador acompanhou Fidel em vários momentos da sua agenda e deixou-se magnetizar pelo carisma do dirigente com hábitos de «monge-soldado», vida modesta, quase espartana, noctívago, com a jornada de trabalho, sete dias por semana, a terminar quando nasce o dia, bastando-lhe dormir quatro horas. O retrato vai mais longe no deslumbramento: «quase tímido, educado e muito caloroso, que dá atenção a qualquer interlocutor, com sinceridade e sem vaidade. Com modos e gestos de uma cortesia de outros tempos, sempre atento aos outros, em particular aos seus colaboradores e seguranças, é uma pessoa que não altera o tom de voz. Nunca o ouvi dar uma ordem. Apesar de tudo isto, exerce uma autoridade absoluta em seu redor. A razão é a sua personalidade avassaladora. Onde quer que ele esteja, só uma voz se ouve: a sua. (…) Desde a morte de Che Guevara que não há ninguém, no círculo do poder em que se move, que tenha um calibre intelectual que se assemelhe ao seu. Neste aspecto, dá a impressão de ser um homem só. Sem amigos íntimos, nem parceiro intelectual ao seu nível».

Concorrendo para uma interiorização da luta, é significativa, refere o autor, a inexistência do culto da personalidade. Embora presente na Imprensa, a imagem de Fidel Castro não existe em mais lado nenhum, em fotografias oficiais ou estátuas ou moedas ou avenida.


«para que todos sejam como o Che»

É sabido que uma das bandeiras da Revolução Cubana é a luta contra o analfabetismo e o trabalho para uma Educação de excelência. Fortíssima, a imagem de Che surge surpreendentemente no discurso de Fidel como exemplo e inspiração do programa educacional, pela «força moral indestrutível», pela causa, pelas ideias: «é um dos homens mais nobres, mais extraordinários e mais interessantes que conheci, que não teria importância se acreditarmos que homens como ele existem aos milhões e milhões e milhões nas massas de pessoas. Os homens que se destacam de um modo tão singular não poderiam ter feito nada se não houvesse muitos milhões como eles, com o mesmo embrião ou a capacidade de adquirir essas qualidades. Por isso, a nossa Revolução se interessou tanto por lutar contra o analfabetismo e pelo desenvolvimento da educação, para que todos sejam como o Che.».


O terrorismo americano

Em resposta a questões sobre a emigração cubana, Fidel aponta em riste para o longo embargo com consequências trágicas para os habitantes do território com pouco mais de cem mil quilómetros quadrados e onze milhões de habitantes, que querem ter uma vida melhor, além da permanente guerra ideológica e mediática que a América faz contra Havana através das rádio e televisão Martí, instaladas na Florida para inundar a ilha de propaganda, «à semelhança dos piores tempos da guerra fria»: A tudo isto, acrescem organizações terroristas hostis a Cuba, instaladas em campos de treino de Miami – entre outras, as Alpha 66 e Omega7 –, donde saem comandos armados para a ilha, com conivência das autoridades americanas: contando com as vítimas nos acidentes que acontecem na travessia, lê-se, «Cuba é dos países que mais vítimas tem tido (mais de três mil) e que mais tem sofrido com o terrorismo nos últimos quarenta anos». Não obstante este quadro construído pelos americanos, refere-se, são conhecidas as declarações de Fidel sobre o 11 de Setembro: «Que me cortem uma mão, se alguém encontrar aqui uma só frase que seja que tenha por intuito amesquinhar o povo norte-americano. Seríamos uma espécie de fanáticos ignorantes, se culpássemos o povo norte-americano pelas divergências entre os governos dos nossos países.».

Diz o autor que Fidel «acredita apaixonadamente naquilo que faz. O seu entusiasmo move as vontades» e as «palavras tornam-se realidades. Esse deve ser o seu carisma.». Talvez esse carisma, fundeado num ideal inamovível, seja a bússola que o guia apesar de entrincheirado, e lhe aponte novas ideias para a sua sociedade menos desigual, sem privatizações, mais sã e melhor educada, e agora, a defesa da ecologia.

Talvez assim se explique porque não há registo de uma única sublevação popular, que os seus ideais se tenham mantido incólumes à queda do Muro de Berlim, ao «desaparecimento da União Soviética e ao fracasso histórico do socialismo autoritário». Fidel e a Revolução Cubana fragmentam opiniões, mas nenhuma consegue ser desapaixonada.

Fonte:Fidel Castro - Biografia a duas vozes, Ignacio Ramonet; Editorial Campo das Letras; Porto, Dezembro 2006

O Hermínio

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