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Subject: Presidenciais 2007: a gruta do cego?


Author:
Georges Labica
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Date Posted: 3/02/07 11:16:15

Presidenciais 2007: a gruta do cego?

Georges Labica
O perigo da eventual eleição do ultra-direita e racista Sarkozy, não pode fazer esquecer que Segolène Royal, a elegante candidata do PS, terá sido escolhida mais por critérios de marketing que pela sua preparação para o exercício do cargo de Presidente da República de França. Oriunda da direita do PS francês, Segolène não faz os revolucionários franceses esquecerem que foi “a luta de classes que fez a originalidade da história” do seu país.

Georges Labica* - 03.02.07

A actual conjuntura

A actual conjuntura caracteriza-se por um deslizar para a direita das principais forças políticas. Daí, nunca os eleitores tiveram tantas opções de escolha à direita: Le Pen, De Villiers, Sarkozi, Bairou, Royal.

O discurso securitário, hoje ideologia dominante, legitima todos os dispositivos do liberalismo, derradeira fase do capitalismo mundializado, ao declará-los inultrapassáveis.

O sistema

Quando não é pura e simplesmente ignorado, o sistema pode ser objecto de alusões (VI República?), mas nunca de declarações programáticas precisas.

É necessário lembrar que o sistema não é democrático: por um lado, sectores inteiros de opinião, verdadeiras forças sociais, são excluídas de toda e qualquer representação, através do jogo da recolha de assinaturas para propor um candidato (situação agravada ainda pela decisão de interdito do PS), e do mecanismo eleitoral; por outro lado, pelo papel figurativo/consultivo do Parlamento e pela sua submissão a um governo, retirado à avaliação eleitoral; pelo plebiscito de um indivíduo investido de poderes monárquicos.

O sistema produz dois efeitos: a existência de organizações partidárias dedicadas ao jogo eleitoral, a fim de preservar ou aumentar as posições adquiridas – políticas, morais e financeiras; o número de abstencionistas, que não para de crescer, a ponto de constituir a maioria do eleitorado, e que, apesar disso, é tratado à parte da compatibilidade dos sufrágios. Esta situação tem duas consequências comuns a todas as democracias de "modelo" ocidental: o bipartidarismo, que em França se vem afirmando de eleição em eleição e que há fortes possibilidades de se consagrar no próximo escrutínio; os eleitos, incluindo o presidente, são minoritários, logo, de acordo com o bom princípio "republicano", inaptos para o exercício de funções de executivo. Vemos já, nos dois casos, o fosso confirmado, colossal, entre as "elites" e o povo.

Este empecilho (será preciso repeti-lo?) assegura a domínio dos poderosos monopolistas, através dos media que eles próprios controlam. A sua associação (de malfeitores) já distribui os papéis para a próxima consulta popular.

Os postulantes/concorrentes

Sabe-se, pois vêm de longe, através de que manipulações a dupla Sarkozi/Royal foi empurrada para a primeira linha da frente. E, daqui em diante, parece que não resta outra solução que a de pôr luto pela alternativa que se lhes poderia opor. Só para lembrar: ela consistia em definir um programa antiliberal apoiado pela união de todas as forças sociais que se tinham empenhado nas lutas contra a constituição europeia, nomeadamente, o CPE, pelos motins dos subúrbios que não descansaram nem encontraram porta-voz. Podemos especular sobre as razões do falhanço, sem esquecermos, é claro, de apontar os culpados. Eu diria, de forma mais directa, que face ao desafio de constituir a força unitária (trans-partidária e apartidária), necessária à réplica que o recusava, o sistema, mais uma vez, afastou-a. Estavam em jogo, coragem, invenção, e talvez aventura. E o que é que se viu? As incoerências da AG sem uma verdadeira base política, as reflexões de café e, no que toca ao actor principal, a maioria PS que tinha escolhido o não, a gritaria de Fabius a Emmanueli, fundindo-se na nebulosidade de um congresso sem picoss doutrinais. Traidores? Antes arrependidos, atestando que a lógica de classe não foi para eles senão uma recreação sem consequências. E o homem de convicções (de ideias ou de princípios), Chevènement, vinha à procura de um prato de lentilhas e de conforto para a sua boa consciência. Nada mais restava à filha desta confusão, a Senhora Royal, para lá de federar os fantasmas.

E assim recomeçaram as velhas cantilenas do voto "útil" e do voto de "bloqueio", em que se desgastaram gerações inteiras de militantes de esquerda, até, em 2002, à hipocrisia dos 80% em Chirac.

Hipóteses

Devemos votar em Royal? Várias atitudes são possíveis: apertar o nariz; a resignação, o realismo, a confiança, a esperança. Com que argumentos?

Invoca-se, com a ajuda de alguns filósofos que se auto-apelidaram de reforços para dar credibilidade à questão, ainda que não sejam mais competentes na matéria que qualquer outro cidadão, a existência de "contradições" no seio do PS, passíveis de rebentar com a sua unidade de fachada, e sobre as quais poderiam "pesar" formações associadas cada vez mais orientadas para a esquerda. No entanto, não é necessário lembrar o que se passou, ainda não há muito tempo, com a singular "esquerda plural", nem de rememoriar as experiências históricas, para levantar uma série de dúvidas sobre as actuais capacidades do PS. Este partido está a caminho da perda o seu S, e de passar a representar apenas as camadas médias superiores e os quadros (os novos aderentes, são mais de 116% do que em 92, pelo que é pouco provável que eles pertençam aos "bairros"), enquanto um número considerável de proletários vota FN. É evidente que o comboio de Royal, mesmo que não acabe numa espécie de bilhete Sarkozy/Royal, como sugere o analista italiano, Cesare Martinetti, de La Stampa, estará mais de acordo com Bayrou do que com Buffet. Para alguns, é precisamente esta guinada à direita que abrirá caminho para uma esquerda radical, capaz de vencer onde os comités do não fracassaram. Ainda mais audaciosamente, e apoiando-nos na analogia Royal/Sarkozy, podemos esperar que a força atractiva cesse, e que novas cartas sejam distribuídas… no centro-direita. Enquanto se espera e se põem de lado compromissos sociais inerentes à verborreia eleitoralista, faltam as garantias quanto a duas questões claramente diferentes: a Europa e o conflito do Médio Oriente. Se, a propósito da Palestina, afirmam que Royal foi mal aconselhada, há razão para sérias preocupações com as aptidões da Madame "Eu quero" para o desempenho da função de primeiro magistrado de França. Se o desejo e o prazer de barrar o caminho a um Sarkozy não é de modo algum ilegítimo, e se é preciso escolher o menor de dois males, podemos preferir não adoecer.

O recurso a José Bové? É tarde demais, a porta está fechada e a dispersão de candidaturas apenas reforçará a chantagem do voto "útil". Além do mais, a personagem, para quem as revoluções não passam de velharias do século passado (entenda-se, o XIX), não se declara hostil a uma associação com o PS.

Que fazer?

Aí está o cerne da questão, a lição da actual conjuntura, que obriga a romper com as ilusões tradicionais, rejeita o princípio de uma aliança ou de um compromisso com o PS. Vontade, votando em branco, de manter as mãos limpas ou, abster-se, deixando correr? É evidente que não, mas antes de nos atrelarmos à situação concreta de hoje, que se apele, não nos cansemos de o dizer, que se apele a um sobressalto revolucionário. O que significa denunciar o eleitoralismo que se cola à pele, quer o tenhamos ou não, ou dito de outra maneira, a redução do cidadão às intermitências dos escrutínios. Chegará o dia em que os votos em branco e os nulos, somados à abstenção e aos não-inscritos, deixarão de ser considerados como merda, e passarão a ser reconhecidos como uma expressão política, apesar de tudo não mais ecléctica, do que foram os votos anti-Europa. Não se trata igualmente de se substituir ao movimento de massa, que evidentemente, sob os efeitos conjugados da degradação das condições de trabalho e de existência, do condicionamento mediático e dos servilismos sindicais, ainda não está maduro para se comprometer, de forma organizada, no processo de mudança radical, cujas formas serão necessariamente inéditas. Será um sonho vão, a recusa em acreditar que este país foi domesticado ao ponto de ter abandonado a luta de classes, que fez a originalidade da sua história?

A tarefa, desde já, para cada um de nós, consiste em contribuir, seja qual a for a modéstia dos nossos meios e, tratando-se de intelectuais, unicamente das suas palavras tornadas inaudíveis, para a tomada de consciência e para o apoio, contra todos os consensos dominantes, a todas as cóleras e a todas as contestações que atingem a nossa sociedade.

* Georges Labica é amigo e colaborador de odiario.info, professor na Universidade de Paris, autor do «Dicionário crítico do Marxismo» e de duas dezenas de livros sobre temas filosóficos e políticos, é um dos mais eminentes pensadores franceses contemporâneos.

Tradução de Jorge Pires Guedes

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