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Subject: Voracidade


Author:
Ignacio Ramonet
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Date Posted: 9/11/07 10:51:04



Voracidade



Ignacio Ramonet

Le Monde diplomatique



Ao mesmo tempo que, contra o horror económico, o discurso crítico – a que durante algum tempo se chamou alterglobalista – se enreda e de repente se torna inaudível, vai-se instalando um novo capitalismo, ainda mais brutal e conquistador: o de uma nova categoria de fundos de rapina, as private equities, fundos de investimento rapaces, com apetites desmesurados e detentores de capitais gigantescos [1].



Os nomes destes titãs – The Carlyle Group, Kohlberg Kravis Roberts & Co (KKR), The Blackstone Group, Colony Capital, Apollo Management, Starwood Capital Group, Texas Pacific Group, Wendel, Eurazeo, etc. – continuam a ser pouco conhecidos do grande público. E graças a esta discrição estão a apoderar-se da economia mundial. Em quatro anos, de 2002 a 2006, o montante dos capitais obtidos por estes fundos de investimento, que colectam o dinheiro dos bancos, dos seguros, dos fundos de pensões, e os haveres de riquíssimos particulares, passou de 94 mil milhões de euros para 358 mil milhões… O seu poder de fogo financeiro é fenomenal, ultrapassando 1,1 biliões de euros. Nada lhes resiste. O ano passado, nos Estados Unidos, as principais private equities investiram cerca de 290 mil milhões de euros na aquisição de empresas, e mais de 220 mil milhões só no primeiro semestre de 2007, passando assim a controlar 8000 empresas… Actualmente, um em cada quatro assalariados norte-americanos e quase um em cada doze franceses trabalham já para estes mastodontes [2].



França tornou-se aliás, depois do Reino Unido e dos Estados Unidos, o seu primeiro alvo. O ano passado, em território francês, estes fundos apoderaram-se de 400 empresas (por um montante de 10 mil milhões de euros) e já gerem ali mais de 1600. Marcas muito conhecidas – Picard, Dim, os restaurantes Quick, Buffalo Grill, Les Pages Jaunes, Allociné ou Afflelou – são agora controladas por private equities, quase todas anglo­‑saxónicas, que já estão de olhos postos nos gigantes do índice CAC 40.



O fenómeno destes fundos rapaces surgiu há uns quinze anos, mas nos últimos tempos, estimulado pelo crédito barato e graças à criação de instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados, tem vindo a adquirir uma amplitude preocupante. Porque o princípio é simples: um clube de investidores afortunados decide adquirir empresas, que depois gere de forma privada, longe da Bolsa e das suas regras constrangedoras, e sem ter de prestar contas a accionistas minuciosos [3]. A ideia consiste em contornar os próprios princípios da ética do capitalismo, apostando apenas nas leis da selva.



Concretamente, como no-lo explicam dois especialistas, as coisas passam-se assim: «Para adquirir uma sociedade que vale 100, o fundo aplica 30 do seu bolso (percentagem média) e os restantes 70 pede­‑os emprestados aos bancos, aproveitando as muito baixas taxas de juro do momento. Durante três ou quatro anos reorganiza a empresa com a direcção em funções, racionaliza a produção, desenvolve actividades e capta a totalidade ou parte dos lucros para pagar os juros… da sua própria dívida. Depois revende essa mesma empresa por 200, com frequência a um outro fundo, que irá fazer a mesma coisa. Reembolsados os 70 obtidos a crédito, ficam com 130 no bolso, por um investimento inicial de 30, obtendo assim mais de 300 por cento de taxa de retorno sobre o capital investido em quatro anos. Haverá melhor?» [4]



Ao mesmo tempo que pessoalmente ganham fortunas demenciais, os dirigentes destes fundos praticam doravante, sem sentimentalismos, os quatro grandes princípios da “racionalização” de empresas: reduzir o emprego, comprimir os salários, aumentar os ritmos de produção e deslocalizar. São nisso estimulados pelas autoridades públicas, as quais, como em França hoje em dia, sonham “modernizar” o aparelho de produção. E fazem­‑no em detrimento e para desespero dos sindicatos, que denunciam vigorosamente o pesadelo e o fim do contrato social. Havia quem pensasse que com a globalização o capitalismo estaria por fim saciado. Vê­‑se porém agora que a sua voracidade não tem limites. Até quando?



______

[1] Frédéric Lordon, O mundo refém do poder financeiro, Le Monde diplomatique, Setembro de 2007.

[2] Sandrine Trouvelot e Philippe Eliakim, “Les fonds d’investissement, nouveaux maîtres du capitalisme mondial”, Capital, Paris, Julho de 2007.

[3] Philippe Boulet-Gercourt, “Le retour des rapaces”, Le Nouvel Observateur, Paris, 19 de Julho de 2007.

[4] Cf. Capital, op. cit.

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