O AMOR: UM ESTRANHO SENTIMENTO -- LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPOR�NEA

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Date Posted: 15:18:11 06/21/07 Thu
Author: C�lio Benvindo de Souza
Subject: O AMOR: UM ESTRANHO SENTIMENTO

O AMOR: UM ESTRANHO SENTIMENTO
Uma poss�vel interpreta��o de �as sem-raz�es do amor�
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)

AS SEM-RAZ�ES DO AMOR
Eu te amo porque te amo.
N�o precisa ser amante,
e nem sempre sabe s�-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor � estado de gra�a
e com amor n�o se paga.

Amor � dado de gra�a,
� semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicion�rios
e a regulamentos v�rios.

Eu te amo porque te amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor n�o se troca,
n�o se conjuga nem se ama.
Porque amor � amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor � primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
(Carlos Drummond de Adrade)

Ser� que o amor existe? Por que se ele existe n�o pode ser traduzido em palavras, e se � traduzido n�o � o amor? Ent�o, � poss�vel descrever o amor? Traduzi-lo em palavras? O que � o amor afinal? O que sinto � amor? Como dizer que � amor? Certa vez uma poetisa inglesa escreveu para o seu esposo que tamb�m era poeta um lindo poema. Neste poema ela tentava expressar sua maior preocupa��o enquanto esposa: tenho medo que um dia voc� me diga por que me amas.

Se formos pensar bem, ser� que essa poetisa estava louca ao escrever isso para o seu marido? Pois qual mulher ou pessoa n�o gostaria de ouvir da boca do seu amado(a) as raz�es que o leva a amar? Quem n�o se sentiria bem de saber os motivos que o faz ser amado? S� um louco ou uma loca n�o gostaria de saber. Nesse sentido ser� que os poetas s�o loucos? Talvez o sejam, mas com uma loucura bem especial. Entretanto, se s�o loucos, o s�o bem diferentes uns dos outros, o que permite dizer: �cada louco com as suas loucuras�.

Nesse sentido, vale observar as loucuras, ou melhor, a loucura de um bem conhecido pelo nome de Carlos Drummond, autor de As Sem-Raz�es do Amor. Neste poema tentaremos entender o que quer dizer as sem-raz�es do amor. Seria o mesmo que dizer que o amor n�o tem raz�es nenhuma de Ser? E se n�o tem, por que ser� que n�o tem? E se n�o tem raz�es nenhuma como � que o amor se sustenta? Depois desta an�lise estudaremos o poema O Amor do poeta tocantinense Angelly Bernardo. N�o ser� um estudo comparado literalmente pelo pr�prio disparate que existe entre um e outro, n�o s� pelas quest�es relacionadas � temporalidade, mas at� mesmo de experi�ncia na arte de descrever as met�foras. Todavia, n�o ser� o poeta o nosso objeto de estudo, mas os poemas como �express�es� ou a linguagem do �eu � profundo� no dizer de Mois�s.

Neste sentido vale ressaltar a diferen�a entre poesia e poema que na vis�o de Mois�s, o poema seria a materializa��o da poesia. Assim, o poema, fragmento de ess�ncia subterr�nea existente no �mago do poeta, uma vez transcrita graficamente, ou seja, materializado � que ser� o objeto de estudo deste trabalho.

Uma vez realizado essa primeira abordagem ser� discutido as diferen�as existentes nos dois poemas. Isso tudo sem fechar o assunto por consider�-lo de fundamental import�ncia dentro da critica liter�ria.

As sem-raz�es do amor, poema de Carlos Drummond de Andrade, poeta da segunda gera��o modernista brasileira, tamb�m conhecida como a �gera��o de trinta�, que teve in�cio em 1930 com a publica��o de �Alguma poesia�, de Drummond e foi encerrada em 1945. Esta gera��o incorpora as conquistas de 22: �O verso livre, a liberdade tem�tica, a introdu��o do prosaico, do coloquial e do ir�nico no contexto po�tico�.

Um tra�o pr�prio desta gera��o na poesia e na prosa � a mudan�a de enfoque quanto � tem�tica nacionalista de 22. A consci�ncia nacionalista que predominou em 1920, e a partir de 1930, come�ou a se ampliar e tornar-se uma consci�ncia social, mais ampla, elevando assim, as quest�es regionais e locais a um lugar de destaque, num contexto universalista.

� neste contexto que est� inserida a poesia de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da poesia brasileira, se n�o o maior, questiona alguns especialistas no assunto.

Desta forma, o poema �As sem-raz�es do amor�, retrata a maturidade humana e po�tica do sujeito l�rico. Poema que tr�s como tema, uma conceitua��o do amor. Do amor tal como ele � ou deveria ser, na sua significa��o mais profunda: amor como doa��o total. Amor gratuito: �O amor � dado de gra�a�, canta o sujeito l�rico. E continua o seu belo hino sobre o amor: O amor n�o � interesseiro, nem tira proveito, �eu amo porque te amo�. Ama porque quer amar, n�o porque quer ser amado, afinal, quem ama, ama porque s� se realiza amando, como dizia S�o Francisco de Assis: �O amor n�o � amado�. E ainda, o amor � forte, invenc�vel, supera tudo: �O amor � primo da morte e da morte vencedor�. Ainda que me matem, n�o poder�o impedir-me que o ame. E se n�o � morte f�sica, o amor sempre me rejuvenescer�.

E mais, o amor � forte, invenc�vel como j� foi dito, mas n�o � para ser vendido. O verdadeiro amor � doa��o. � doa��o porque � dom, e dom n�o se vende, nem se troca, mas se doa. Amor � para dar.

Assim vai o eu po�tico, voando sobre o amor, como um p�ssaro a voar, �sobre os vales e ribeiras��, decifrando os seus enigmas ou somente admirando-os: o �amor � estado de gra�a�. � como se esbarrasse diante deste sublime dom, e parecesse �s vezes contemplar somente. Afinal, diante do amor, s�o pobres todas as palavras: �O amor foge a dicion�rios..., n�o se conjuga nem se ama, (...) porque amor � amor a nada, feliz e forte em si mesmo�. � como se maravilhado, cheio de entusiasmo, se perguntasse: o que mais dizer do amor? Se o amor � tudo? Neste sentido o sujeito l�rico assemelha-se a Paulo ap�stolo, quando descrevia o grande hino sobre o amor, em 1Corintios 13. Em outras palavras; diante do amor, parece que s� o sil�ncio � digno de se expressar. Tudo mais, n�o passa de vagas e meras express�es que por mais impregnadas de sentidos que sejam, s�o incapazes de descrever o real sentido do amor. N�o esgotando jamais.

Desenvolvido em quatro estrofes, os versos livres, sem preocupa��o de rimas, embora apare�am em alguns momentos: �... da morte vencedor�, �... a cada instante de amor�. Dan�am numa certa musicalidade, talvez para demonstrar melhor a liberdade de cria��o e express�o do sujeito l�rico. Dessa forma, a liberdade nos versos aproxima tamb�m do pr�prio tema que � o amor, essencialmente din�mico e livre em si mesmo.

O sujeito l�rico n�o se preocupa com o espa�o f�sico, embora subtenda que este exista em outras categorias intr�nsecas ao sujeito que ama. A raz�o de aus�ncia do espa�o f�sico se deve ao fato de n�o est� se tratando de um encontro propriamente dito, mas do amor em si, ou seja, de como �eu te amo...�. Neste caso s� a necessidade do tempo, que neste poema est� no presente, demonstrado pelo verbo �ser�; �amor � dado..., amor � estado..., amor � primo...� etc. Isto se justifica, porque o sujeito l�rico romanticamente n�o se refere a um caso particular de amor nem a uma paix�o passada, mas simplesmente faz afirma��es sobre o amor, tal como inicia o poema: �Eu amo porque te amo�.

A repeti��o dos versos � uma forma de fortalecer, alicer�ar, estruturar, imortalizar o seu pensamento. � como se dissesse: eu amo porque amo, e quero deixar gravado, eternizado, e ningu�m tem nada a ver com isso. Por isso ele fala, e fala de novo, e de novo fala, como se dissesse: o amor � isso e nada mais.

O amor �� semeado no vento, na cachoeira, no eclipse�. Em outros termos, amar � semear flores � beira do caminho da nossa exist�ncia, ainda quando n�o temos certeza se um dia, pelos mesmos voltaremos. Mesmo assim, vale � pena amar. Porque amar � viver, e revivescer, a cada instante de amor.

Neste poema percebe-se que o amor como foi dito � elevado ao n�vel mais alto de conceitua��o, fugindo assim dos �dicion�rios� e dos �regulamentos v�rios�, entretanto o poeta n�o escapa de cai no velho golpe plat�nico de elevar as coisas do mundo concreto para o mundo das id�ias. Ou seja, o amor verdadeiro n�o � este que existe por ai, mas sim o verdadeiro Amor fugindo dos dicion�rios mora no mundo das id�ias. No mundo onde quem ama, ama por amar e n�o por querer ser amado. Por outras palavras isso � t�o religioso quanto �s palavras de Jesus de Nazar� ou como o pregava � maioria dos profetas. Sem d�vida � lindo esse irreal amor que tamb�m � amor. � amor distante �ou demais a mim�. Ent�o, o que dizer do amor? Que existe? Ou n�o existe? Talvez o tocantinense com o seu amor tocante, t�o tocante como o s�o as �guas do rio Tocantins, possa dar uma explica��o menos racional, menos plat�nica e mais concreta.

O �AMOR� DE ANGELLY BERNARDO, POETA TOCANTINENSE.

Amor
� sentimento guardado no peito,
� a busca de tudo que tem emo��o,
� o grito forte de minha can��o.

� felicidade, alegria e muito respeito,
� aquilo que guardo dentro do peito,
� o direito de um gostar t�o perfeito.

� a vida que levo sempre sorrindo,
� a estrela que me deixa t�o lindo,
� o amar sem medida que vem vindo.

� n�o ter medo algum de amar,
� o que vive sempre a me chamar,
� o que sinto na terra ou no mar.

� saber viver perto de algu�m,
� ser amado e poder amar tamb�m,
� viver e querer o outro bem.

� essa enorme grandeza de sentimento,
� o que sinto nesse jubiloso momento,
� o fim e o come�o de um sofrimento.
( Angelly Bernardo, 2004: p.24).

Angelly � um autor tocantinense e como j� sabemos a literatura do Tocantins d� os seus primeiros passos. Por ser considerada literatura tocantinense, isto �, uma literatura nova, vale a pena ser estudada, j� que, muitas obras publicadas aqui nem chegam a ser lida como deveriam. Sabemos ainda, que nem todas as obras publicadas na atualidade podem ser consideradas contempor�neas. Por isso, bom seria se todas as obras tocantinenses passassem por uma critica liter�ria que sem d�vida contribuiriam para que estas tivessem mais consist�ncia, contribuindo assim, com os autores e tamb�m com os leitores que se sentiriam convidados a conhecer este universo.

A quest�o do desconhecimento devido ao processo de ilhamento de algumas obras e seus autores se d� desde o processo de coloniza��o. Neste per�odo se formavam as col�nias e geralmente s� os mais dotados de poder aquisitivo tinham acesso ao conhecimento. Devido essas col�nias ficarem nas regi�es sul e sudeste, se tornaram grandes p�los de comercializa��o e conseq�entemente todos corriam para l�, o que permitiu que se criasse a id�ia de que s� quem vai para estas regi�es podem obter sucesso. Esta informa��o � dada por Alfredo Bosi no livro Dial�tica da coloniza��o..

Vale ressaltar tamb�m que a contemporaneidade � marcada por uma dic��o que teve inicio na gera��o de 22. Isto �, a liberdade tem�tica, o verso livre, o social..., como j� foi abordado anteriormente na introdu��o do estudo de Drummond, come�ou a fazer parte da literatura com muito mais afinco. A contemporaneidade por sua vez presa mais pela tem�tica social, muitas vezes, transformando a poesia em den�ncia social como nos poemas de Cantigas de Resist�ncia de Paulo Aires Marinho. O poema que o poeta escolhe para iniciar o livro, o mesmo que explica os motivos porque escreve, retrata bem o que estamos falando:

Escrevo
olhando o mundo
mergulhado no verbo humano.
Escrevo
Porque n�o vivo s�,
porque preciso dizer o que sinto
sobre o mundo e as pessoas
o tempo e a mat�ria
o sonho e o desespero.
Escrevo
para testemunhar
que este � ainda um tempo sombrio;
que cultivo um canteiro de teimosas flores
e a poesia n�o pode negar a vida.
(Marinho, 2003: p.17).

Neste cen�rio est� o poema de Angelly Bernardo. Se n�o com uma forte carga social, mas com um forte e intrigante sentimental(ismo) que � muito pr�prio desta gera��o. Ou seja, a contemporaneidade tamb�m � marcada por este desabafo sentimental que diferentemente do Romantismo que muitas vezes ficavam apenas no platonismo ut�pico se encarrega de concretizar ainda que, s� seja �eterno enquanto dure� o momento.

Desde o in�cio, o eu - l�rico de o Amor parece se preocupar ainda que em v�o em uma poss�vel conceitualiza��o do amor. Em v�o, se considerarmos as categorias de �Ato� e �pot�ncia� de Arist�teles. Ou seja, neste poema ainda que o tempo esteja no presente (Amor �), o sujeito l�rico fica entre o Amor e o amor conjugado. Ou melhor, sem querer, parece que o eu - poeta faz uma conjuga��o do Amor. E com isso ele retira o amor de uma condi��o de ess�ncia e o p�e numa condi��o de amor - para, como �sentimento�, �paix�o�, etc. Aqui, n�o basta apenas amar. O amado sente necessidade de ser correspondido � altura de seu amor, como uma condi��o de continuar amando: �� ser amado e poder amar tamb�m�. Porque o amor �� viver e querer o outro bem�; �� o amar sem medida que vem vindo�, etc.

Poema dividido em seis estrofes com versos curtos e rimas sempre nos finais das frases o poeta parece querer indicar alguma surpresa a cada nova rima, a cada novo verso. Entretanto, o poeta n�o consegue atingir um grau de maturidade suficiente para evitar que uma chuva de sentimentos, emo��es invada o seu poema. Isso, n�o s� empobrece o Amor como aproxima o Amor de um sentimento ego�sta, interesseiro, que s� se realiza n�o amando, mas sendo amado. Por outro lado a rela��o parece imbu�da de esp�rito capitalista que por tr�s desta rela��o impulsiona o desejo, n�o permitindo que o amante nada espere em troca.

Segundo Mois�s (2005: p. 229):

� propor��o que o poeta se empenha em transmitir o sentimento, muda a express�o correspondente, pela simples raz�o de que o sentimento tamb�m se transforma: O sentimento se altera de acordo com os est�gios cronol�gicos e psicol�gicos que constitui o corpo do poema.

� o que acontece com o eu - po�tico de o Amor, o objetivo � conceituar o amor, no entanto, parece confuso de mais durante o processo de conceitua��o.

Pois o ato de exprimir o conte�do l�rico constitui altera��o em sua ess�ncia: entre o expresso e a express�o se estabelece um acordo de reciprocidade que impede ao cr�tico saber at� que ponto foi o sentimento ou a express�o, isoladamente, que se alterou. ( Mois�s, 2005: 229).

Isto faz com que o sentimento diferencie do sentimento expresso pelo eu - l�rico de As Sem-Raz�es do Amor.

Em o Amor de Angelly o eu - po�tico parece travar uma luta entre o Amor de Drummond e o amor dos demais homens. Isto significa que o eu - po�tico de As Sem-Raz�es do Amor presa mais em conceituar o amor propriamente dito. N�o faz parte de sua inten��o falar do amor pragm�tico vivenciado pela maioria das pessoas.

Se em Drummonnd o amor n�o � amado, em Angelly ele s� o � amor na medida em que ama e � amado ao mesmo tempo. Neste �ltimo, o amor sofre com uma carga de car�ncia muito grande. Ou seja, o Amor aqui n�o � um sentimento perfeito como e Drummond, embora o poeta diga ele �� o direito de um gostar t�o perfeito�.

Se em As Sem-Raz�es do Amor o Amor � escrito com letra mai�scula, Em Angelly ele n�o pode por uma quest�o defini��o: Em Drummond ele � o mais perfeito sentimento, o mais puro e abstrato desejo de d�-se. Aqui ele (o amor) s� o �, enquanto est� em constante troca. O amor � rec�proco.

Se o amor � o que �sinto neste jubiloso momento�, ent�o, o amor � mais sentimento do que raz�o, o que diferencia de Drummond.

REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS:
� LIMA. Pe. H�ber Salvador de, A valsas das flores. 6 ed. S�o Paulo: Loyola.
BIBLIA SAGRADA
CALVINO, �talo. Seis propostas para o pr�ximo mil�nio. 2 ed. S�o Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MOIS�S, Massaud. A cria��o liter�ria: Poesia. 14 ed. S�o Paulo: Cultrix, 2000.
_____________. A cria��o liter�ria: Prosa I. 16 ed. S�o Paulo: Cultrix, 2003.
_____________. A cria��o liter�ria: Prosa II. 18 ed. S�o Paulo: Cultrix, 2003.
MOIS�S, Massaud. A cria��o liter�ria: poesia. 14.ed. S�o Paulo: Cultrix, 2000.
BOSI, Alfredo. Dial�tica da coloniza��o. S�o Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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