Subject: É Isto Um Ministro? |
Author:
Mário Mesquita
|
[
Next Thread |
Previous Thread |
Next Message |
Previous Message
]
Date Posted: 10:08:59 06/15/02 Sat
Havia um ministro que se fixou como objectivo alienar o segundo canal da RTP.
Havia um ministro que bramou que esse objectivo era tanto mais legítimo quanto decorria do programa do Governo, mas que meteu no bolso o enunciado metódico desse mesmo programa: "Antes de qualquer iniciativa sectorial importará, porém, aperfeiçoar o enquadramento legal e de actuação dos diferentes agentes de comunicação, públicos e privados".
Havia um ministro que resolveu retomar directamente para si actos de gestão de uma empresa e se apressou a garantir que na RTP haveria Fátima e Futebol.
Havia um ministro que entendeu que o Parlamento da República é uma instituição tão acessória que os seus objectivos para o serviço público de televisão anunciou-os antes a um "Parlamento de crianças".
Havia um ministro que nomeou um Conselho de Administração da RTP mas não cuidou atentar que na legislação da República está consignada a existência de um órgão estatutário da empresa, o Conselho de Opinião, a quem compete emitir parecer vinculativo.
Havia um ministro que nomeou um Conselho de Administração da RDP desconhecendo que a legislação da República só confere ao accionista Estado a capacidade de indicar directamente o nome do presidente, sendo o vice-presidente e o vogal apontados pelo respectivo Conselho de Opinião com base, isso sim, em perfis apresentados pelo accionista.
Havia um ministro que, como porta-voz do Governo, negou que este, reunido em Conselho, tivesse aprovado nova legislação para contornar um eventual veto do Conselho de Opinião da RTP e umas horas apareceu brandindo uma iniciativa governamental como tendo sido decidido no mesmo Conselho de Ministros.
Havia um ministro que, confrontado com um entendimento desfavorável do Tribunal Constitucional às alterações legislativas que protagonizava, se ufanou triunfante e reconfortado porque afinal o Tribunal não negara constitucionalmente nem a possibilidade de alienação do segundo canal da RTP nem a capacidade de o Governo poder indicar o Conselho de Administração da mesma, como se alguma das questões que o Presidente da República suscitara ao Tribunal Constitucional tivessem sido essas.
Havia um ministro que em vez de ter o pudor de aguardar a redefinição legal decorrente do acórdão do Tribunal Constitucional, a começar no consequente reenvio pelo Presidente da República à Assembleia da matéria não validada, entendeu antes chamar publicamente o putativo novo Conselho de Administração da RTP e instruí-lo de que entrará em acção em breve, em novo "blitzkrieg".
Esse ministro havia e há e chama-se Nuno Morais Sarmento.
Não há memória de um Governo da República, num tão breve espaço de tempo em funções, ter tido uma tão patente derrota que lhe afecta a credibilidade política como aquela que, quaisquer que sejam as maquilhagens, o actual executivo agora conheceu por obra e graça da incompetência do ministro Nuno Morais Sarmento.
Foi referido mesmo que ele teria chegado a ponderar a sua demissão, o que finalmente não teria tido acolhimento junto do primeiro-ministro - é questão que, como é evidente, só ao Governo e ao seu mais alto nível político diz respeito. No que às práticas políticas correntes diz respeito, e aos jogos perversos que suscitam, as oposições externas e também internas ao partido do Governo até poderão ficar satisfeitas: continuarão a ter o seu bombo da festa. Não são os entendimentos de pequena política que nos devem afastar da percepção do que está verdadeiramente em causa: uma estratégia ponderada para o serviço público de radiotelevisão que vise não só superar o presente estado calamitoso da RTP como pensar articuladamente os públicos e objectivos e mesmo se a empresa deve ser mantida como concessionária do serviço nos termos fixados pelo contrato em vigor. Em termos do serviço público de televisão, em si mesmo, e na consciência da sua situação no mais lato espaço televisivo, de radiodifusão e audiovisual.
O respeito por um tempo de reflexão não é função de ser pró ou contra este Governo, pró ou contra sequer a política que o ministro Morais Sarmento decidiu protagonizar. Que em primeiro lugar havia a necessidade de reflexão disse-o mesmo o líder parlamentar do outro partido representado no Governo, o deputado Telmo Correia; será que é assim tão difícil de discernir?
Se o Governo tivesse atentado à legislação da República, às possíveis contradições que resultam de diferentes momentos, não lhe teria sido difícil discernir que, como o Tribunal Constitucional deixou indicado, o poder de veto do Conselho de Opinião da RTP pode ser considerado excessivo designadamente tendo em conta que a mesma capacidade vinculativa não está atribuída a um órgão consagrado na própria Constituição, a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Mas o ministro Morais Sarmento desconhecia.
Não se pode em boa-fé negar a um Governo legítimo que entenda não postergar a entrada em funções de um novo Conselho de Administração da RTP, para mais atendendo ao desnorte estratégico e à falta de pudor do que ainda está em funções. Mas a boa-fé não é para ser considerada em sentido único. É assim tão difícil de perceber?
Publico 15/6/2002
[
Next Thread |
Previous Thread |
Next Message |
Previous Message
]
| |