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MIGUEL PORTAS (DN 15/5/2002
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Date Posted: 05:29:40 05/20/02 Mon
Por achar que tem interesse, aqui vai um artigo de opinião do Miguel Portas no Diário de Noticias de 15 de Maio de 2002.
IVO
Miguel Portas
Raios te partam!
O ministro incendiou a pradaria. Disse que não pagava
indemnizações e que o canal 1 iria pelo cano. Tanto bastou para o
regresso da RTP ao centro da agenda política. Juntem-se agora
as águas agitadas: uma empresa com um passivo elevado que
fez contratações milionárias e blindadas na fase terminal da
gestão socialista; um canal capaz de elevar as anedotas a
serviço público, que o povo também tem direito ao riso, nem que
seja de escárnio; e outro que, bem menos mau, é curto de ideias e
audiências. Some-se a isto uma empresa que maltrata os seus
trabalhadores, se alimenta de prateleiras e burocracias e é má
pagadora de compromissos; e complete-se o quadro com dois
operadores privados agressivos, impondo ao público um padrão
hegemónico de televisão que não precisa de anedotas para ser,
ele mesmo, um escarro. É aqui que intervém o ministro, ao estilo
"agarrem-me senão mato-os". Ele sabe que as suas palavras
soam bem - a RTP que temos tido é, simplesmente, indefensável.
Mas entre o que o povo quer ouvir e as medidas que podem
mudar as coisas, vai a distância entre populismo e competência. E
esta última não é, definitivamente, a especialidade preferida do
novo Executivo.
No debate sobre a RTP anda tudo de pernas para o ar.Tenha o
serviço público um ou dez canais, conta "quem manda". Na
realidade, a RTP tem tido dois "patrões": o Governo e o mercado.
Um e outro têm sido péssimos para a estação.
O pecado do primeiro é a governamentalização e atravessa a
história de todos os Executivos. Ponham-se a pedir
responsabilidades que a lista não tem fim...
O pecado do segundo patrão é a desqualificação do serviço. Se a
publicidade for decisiva no financiamento da RTP, o seu modelo de
programação só pode seguir de perto os da concorrência privada.
Enquanto não se tocar em "quem manda", tudo o mais serão
defesas do status quo, ou fugas em frente. O poder é a condição
prévia de tudo o resto. E dele, do essencial, não se ocupou Morais
Sarmento - ele lá saberá porquê e eu até imagino facilmente as
suas razões, uma vez que é ministro...
Acabar com a tenaz que faz da RTP o que ela tem sido é simples:
não deve ser o Governo a nomear o presidente do Conselho de
Administração; e afine-se com a publicidade na RTP (com
excepção dos patrocínios) desde que, previamente, se encontre
um consenso político alargado para o seu financiamento público. É
possível? É. Basta mexer no actual estatuto da RTP.
A alternativa à governamentalização não é a privatização do
primeiro canal: ou o operador privado teria de o conceber como
serviço público - e isso já é o que sucede com a RTP, sociedade
anónima; ou, entregando-o ao mercado, não é lícito exigir-lhe outra
coisa. A alternativa também não é o fim da RTP. Mesmo que
desaparecesse, outra teria de nascer em seu lugar recolocando o
problema nos mesmos termos.
Existem vários modos de desgovernamentalizar.
O mais simples é o mais cândido: acreditar que os partidos de
Governo cumprissem essa eterna promessa eleitoral. A
passagem dos anos demonstra que mais fácil seria pôr a banca a
pagar impostos. Não dá.
O mais complexo seria o mais interessante: vários candidatos
apresentam-se a um conselho de opinião, também com
representantes da sociedade, que elegeria o presidente da
administração. Um regulador público do audiovisual fiscalizaria
depois o cumprimento, pelo operador, do contrato de concessão
desse serviço público. O óbice maior a este modelo é que não
existe no País um movimento de opinião sobre a televisão
independente dos vários interesses que se movimentam no
sector.
Sobra a solução mais moderada: a nomeação do presidente sob
recomendação do Parlamento, por maioria de dois terços e com
apresentação de razões de candidatura. O limite deste modelo é
que a indigitação se encontra forçosamente ao centro político. A
vantagem é que cada eleição permite debate aberto sobre o futuro
da televisão pública e, embora ao centro, o/a eleito/a deixa de ser
um instrumento de partido. Neste quadro, a empresa ganha
autonomia face à tutela e pode recredibilizar-se.
A alternativa à publicidade é o financiamento público. Repondo a
velha taxa ou por via do Orçamento. Mas, de um modo ou de
outro, isso não dispensa qualquer RTP de uma profunda ruptura
com a cultura que permite contratações milionárias,
indemnizações estratosféricas e compra de programas idiotas a
metro - a que faz nosso dinheiro o dinheiro da malta. O problema
da RTP não é "gastar muito", mas "gastar mal". Não me importo
que dez ou 20 contos dos meus impostos vão para a RTP - desde
que ela me ofereça um serviço digno. O que me irrita é pagá-los
para ter mais SIC ou TVI, ainda por cima em pior.
E é aqui que entra a publicidade. Os privados querem o seu fim na
RTP, de modo a apanharem essa fatia do bolo. Embora por razões
contrárias, concordo com o capital (alguma vez teria que ser...),
desde que se não abra a porta a um terceiro canal privado e se
interdite a publicidade no meio dos noticiários, a mola que os
tabloidiza.
Porquê? Porque quero o segundo de publicidade televisiva mais
caro, tornando apetecível a publicidade nos jornais e nas rádios,
medida indispensável para melhorar o jornalismo e o pluralismo do
nosso universo comunicacional; e porque quero uma RTP liberta
dos programas que a publicidade deseja e a que as
administrações se obrigam, porque mais baratos: os que fazem do
povo-actor a caricatura do povo que somos.
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