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Subject: Grande intervenção de Francisco Louçã no parlamento


Author:
bloquista convicto
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Date Posted: 8/05/05 0:02:37

Declaração política do Bloco de Esquerda 4 de Maio de 2005
Depois da rejeição pelo Presidente da República
do referendo sobre o aborto
Francisco Louçã
O Presidente da República comunicou hoje à Assembleia da Republica a sua decisão de
não convocar o referendo sobre o aborto, que tinha sido proposto por grande maioria
deste parlamento e com a oposição de duas únicas bancadas, a do PP e a do PCP.
O Presidente exerceu os seus poderes constitucionais, tomando a decisão política de não
submeter ao Tribunal Constitucional a proposta do parlamento. Naturalmente
respeitamos embora não concordemos com esta decisão. O Presidente aceita o princípio
do referendo e considera importante a alteração da lei, como a sua carta ao parlamento
torna explícito, e assim competia-lhe exclusivamente a decisão sobre o momento em
que essa consulta se deveria realizar, para assegurar as melhores condições
democráticas.
É certo que o facto de o parlamento ter votado a resolução propondo o referendo
somente no dia 20 de Abril reduziu demasiado os prazos de consulta ao Tribunal
Constitucional para que o referendo se pudesse realizar antes do Verão. E essa é uma
responsabilidade exclusiva desta câmara, em que o atraso de uns e a conspiração
boicotante de outros favoreceu o impasse.
Está assim este Parlamento confrontado com a decisão presidencial e forçado a retomar
o debate sobre como deve ser alterada a lei que criminaliza e persegue as mulheres e
que abortam em Portugal.
Começando pelo princípio, alterar ou não a lei é a primeira escolha que devemos fazer e
ela opõe profundamente a esquerda e a direita.

Declaração política do Bloco de Esquerda 4 de Maio de 2005
A direita finge inocência, alegando que se trata agora de uma mera questão de agenda
política. Ora, pelo contrário, o que importa saber é porque é que durante os últimos sete
anos se manteve a situação criminalizadora e a consequente perseguição e humilhação
das mulheres, e se queremos ou não acabar com esta vergonha.
A direita quer, pelo contrário, que tudo fique na mesma. A direita e a extrema-direita
apresentam aliás dois únicos argumentos para manter a lei, um novo e outro velho. O
argumento novo é de Zita Seabra: a lei portuguesa seria igual à espanhola mas os
médicos recusam-se a aplicá-la e é a infinita maldade da polícia e do ministério público
que provoca os julgamentos. Como é curioso ver o PSD agora a usar como argumento
para que o crime fique na lei que as mulheres podem fazer um aborto quando quiserem
– apesar de a lei as condenar a 3 anos de prisão. Registemos com cuidado este momento
único em que o PSD atribui as culpas da lei ao sistema de justiça que tem por dever
aplicar a lei.
O outro argumento, mais velho, é o da extrema-direita, segundo o qual se pode evitar
sempre o aborto e portanto se deve manter a ameaça da prisão. Em cada debate,
apresentam-nos o que alegam que se tem feito para proteger as mulheres. Pura
hipocrisia. Já há cinco anos atrás, respondia aqui a deputada Ana Manso, do PSD:
“sejamos francos e directos, o problema, no essencial, mantém-se e muitas são as
mulheres que continuam a ter de recorrer a um aborto que não desejam, que não
pretendem e que lhes causa danos humanos e de consciência incontornáveis. E tudo isto
sucede porque, passado o tempo do referendo, nada de importante foi feito, nada de
essencial foi alterado e nada de substantivo foi realizado.” E concluiu: “Nada de
essencial foi feito porque também nesta matéria – ou sobretudo nesta matéria – a
hipocrisia é mais do que muita”. Só se combate o aborto clandestino, que vitima muitas
mulheres, mudando a lei como em toda a Europa.
Ora, a direita, que quer manter a lei que persegue as mulheres, está hoje dividida. No
PSD, mais de 30 deputados na anterior legislatura defenderam a despenalização. No PP,
onde um deputado defende que uma mulher violada que aborte deve ser julgada e presa,
também Pires de Lima defende a despenalização. E é porque está dividida que a direita

Declaração política do Bloco de Esquerda 4 de Maio de 2005
se procura unificar nos truques processuais, na sabotagem legislativa, na chantagem
com um único objectivo: adiar ao máximo a mudança da lei. A direita resume-se ao
obstrucionismo.
Pelo contrário, a esquerda une-se pela necessidade de mudar a lei tão depressa quanto
possível.
Nesse sentido, defendemos que, depois de referendo não vinculativo de 1998, a
mudança da lei deveria ser apoiada por uma consulta popular. Nunca concordamos com
a ideia de que assim “se trocaria o certo pelo incerto”: não temos nenhuma dúvida de
que uma consulta popular participada determina a alteração da lei, que a maioria das
portuguesas e dos portugueses exige. O referendo é a forma democraticamente mais
forte de acabar com a vergonha da perseguição às mulheres, e quem tem medo do
referendo tem sempre uma posição fraca e temerosa. Nós não temos medo da maioria.
Somos a maioria e assim se provará se houver referendo.
Com essa determinação, tudo fizemos para que esse referendo se realizasse em tempo
útil. E esse referendo sempre assustou a direita. No ano passado, a direita rejeitou a
primeira iniciativa popular da história da democracia portuguesa, que propunha a
realização deste referendo. Rejeitou igualmente os projectos de lei para a
despenalização. Agora, faz tudo para adiar o referendo para 2007, como continuará a
fazer tudo contra essa consulta popular.
Pela parte do Bloco de Esquerda, fizemos tudo e não se poderia ter feito mais pela
realização do referendo.
Mas não aceitamos o adiamento para 2007. Nem nenhum deputado ou deputada de
esquerda pode aceitar esse adiamento porque é irresponsável, porque é desumano e
porque seria uma mentira aos eleitores. O PS comprometeu-se a mudar a lei: pode
esperar até metade da legislatura para cumprir a promessa aos seus eleitores? A
esquerda comprometeu-se com a mudança da lei: podemos aceitar mais julgamentos,
mais perseguição e mais humilhação?

Declaração política do Bloco de Esquerda 4 de Maio de 2005
Todos os estudos de opinião, incluindo um hoje mesmo publicado, dizem que os
portugueses não só se querem pronunciar com urgência sobre a despenalização do
aborto como querem acabar com a perseguição judicial das mulheres e com o drama do
aborto clandestino. Os números são claros: 54 por cento querem alterar a lei, contra
apenas 29 por cento que a querem manter. Alterar esta lei que envergonha o país não é a
agenda do Bloco de Esquerda, como sugeriu Ribeiro e Castro do CDS ou como repete
Marques Mendes. É a agenda e a prioridade do respeito pelas mulheres e do fim dos
julgamentos. A esquerda está com as vítimas, a direita com os carrascos.
Não podemos esperar mais. Compete por isso ao Partido Socialista, que é maioria
absoluta no parlamento, esclarecer se garante as condições para a realização de um
referendo ainda em 2005, ou seja, se garante a maioria para a revisão constitucional e de
outras leis. Pelas indicações actuais, essa garantia não pode ser dada.
Pela parte do Bloco de Esquerda, não estamos dispostos a afastar-nos do essencial: o
Parlamento deve escolher entre continuar o processo referendário em 2005 ou aprovar a
nova lei sem esperar pelo referendo se este for adiado para 2007. Essa decisão deve ser
tomada agora.
Se não houver referendo em 2005, a Assembleia não pode esperar mais tempo. Deve
alterar a lei. E tem o mandato para isso, tem a legitimidade para isso e tem a obrigação
de o fazer.
Naturalmente, pode a direita vir a pedir em 2007 um referendo para revogar esta nova
lei e para voltar a impor a pena de 3 anos para as mulheres que tenham abortado.
Aceitaremos esse referendo e estamos certos de o ganhar, se a direita o propuser.
Estamos aqui, como sempre, empenhados em corrigir uma injustiça. Não se adia uma
lei justa, e é a democracia que nos exige que a maioria deste parlamento tome a
iniciativa sem ceder à chantagem da direita.

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