Subject: Para uma adequada leitura... Carta de Carvalho da Silva a Miguel Sousa Tavares |
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Visitante atento
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Date Posted: 7/07/05 13:47:14
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Visitante
's message, "O sindicalismo vigente." on 6/07/05 23:07:18
Carta ao Dr. Miguel Sousa Tavares
Ex.mo Senhor
Dr. Miguel Sousa Tavares
Lisboa, 05.07.2005
O reconhecido prestígio que V. Exª. muito justamente conquistou junto da opinião pública como comentador político, confere-lhe uma responsabilidade acrescida perante a sociedade, na medida em que as opiniões que vai
publicamente expressando têm um inegável impacto no juízo que se vai formando sobre tal ou tal assunto.
Vem isto a propósito dos seus comentários, do passado dia 28 de Junho na TVI, acerca dos sindicatos e dos sindicalistas que, em substância, não podem deixar de ser entendidos com um violento e injustificado ataque à acção
sindical em geral e, em particular, à CGTP-IN.
Entre várias outras afirmações, diz V. Exª. que os sindicalistas se desligaram do mundo do trabalho, querendo com isto talvez dizer que o "desprezível" estatuto de sindicalista lhes retira, sem apelo nem agravo, a sua intrínseca condição de trabalhador.
Ora tal afirmação revela um profundo e talvez natural desconhecimento da realidade sindical. Desde logo, porque dos 6.562 dirigentes das associações sindicais do universo da CGTP, são menos de 10% os que exercem o seu cargo a tempo inteiro. Esquece V. Exª que a própria lei sindical determina limites máximos para o número de dirigentes a quem é conferido crédito de horas para o exercício dos cargos sindicais e esquece também os muitos milhares de
delegados sindicais que militam nas empresas e serviços, prestando, em permanência, o seu trabalho profissional.
E provavelmente desconhece a frequência com que os dirigentes sindicais participam em plenários e reuniões realizadas nos locais de trabalho e a amplitude da sua intervenção directa e solidária com as acções
reivindicativas dos trabalhadores quando estes são confrontados, por exemplo, com problemas de ameaça de despedimento, encerramento de empresas, não pagamento de salários, violações da lei ou não cumprimento dos seus
direitos contratuais.
Poder-se-á, assim, concluir que a grande maioria dos sindicalistas estão estreitamente ligados aos seus locais de trabalho e neles exercem a respectiva profissão, sendo, portanto, errado dizer-se que estes se desligaram do mundo do trabalho.
E já agora convém lembrar que se é verdade - e parece que sim, pelo menos formalmente - que em Democracia é imprescindível a existência de sindicatos e que estes desempenham um papel de interesse público, então não se pode desligar esse reconhecimento da necessidade de termos dirigentes à altura de responder aos complexos desafios que o mundo do trabalho hoje nos coloca e perceber que tal objectivo requer, como em qualquer outra actividade, uma
adequada especialização e uma dedicação que comporta muitos sacrifícios pessoais e familiares mas também prejuízos, por vezes irremediáveis, para as suas carreiras profissionais.
Daí que muitos dirigentes procurem responder a essa situação com uma valorização académica ou por via da certificação de competências adquiridas no exercício da sua função sindical.
Diz, também, V.Exª que tem estatísticas que mostram que há cada vez menos pessoas sindicalizadas e a pagar quotas para os sindicatos, porque os sindicatos não fazem aquilo que, no seu entender, deviam fazer. Como é que quer que não hajam menos sindicalizados quando se sabe da existência de mais de meio milhão de desempregados, de cerca de um milhão de trabalhadores precários, da crescente desregulamentação do trabalho, da proliferação do trabalho ilegal e clandestino e da repressão patronal para quem os sindicatos são um inimigo a abater? A sindicalização não é, aliás, um problema exclusivamente nacional, mas antes uma questão que tem expressão a nível mundial e, particularmente, na Europa.
A CGTP-IN não encara essa realidade como uma fatalidade irremediável e porque assim o entende, procura actuar de forma a contrariar tal tendência, através de campanhas de sindicalização, cujos resultados se traduzem em que, nos últimos cinco anos, se tenham filiado nos seus sindicatos 269.885 trabalhadores, dos quais 33% são jovens com menos de 35 anos.
Em qualquer caso, não se afigura dever ser motivo de grande satisfação, como V. Exª parece perfilhar, as dificuldades actuais de sindicalização. Será, muito provavelmente, para algum patronato para quem um interlocutor representativo e com poder reivindicativo é um incómodo basto indesejável.
Refere, também, V.Exª que os sindicatos em vez de mostrarem o seu desagrado pelas medidas anunciadas pelo Governo, deviam estar a propor ao Governo medidas concretas, nomeadamente na área da segurança social. Tal afirmação denuncia um desconhecimento completo do trabalho dos sindicatos e da sua acção proponente com este e com todos os governos anteriores.
Se há área em que a CGTP-IN mais propostas tem feito ao poder político, ela é, sem dúvida, a da segurança social. Seria, totalmente, fastidioso enumerá-las, tantas são elas, mas apenas a título de exemplo, deixamos o registo da contribuição da CGTP-IN na discussão da Lei de Bases da Segurança Social e respectivas revisões ou na promoção das várias conferências sindicais feitas em torno desta mesma temática, em regra com a participação de especialistas na matéria.
Também, quando da negociação, em 2001, do "Acordo sobre a Modernização da Protecção Social", a CGTP-IN foi a primeira organização do país a propor a criação de um Fundo de Reserva para a Estabilização da Segurança Social, matéria que ficou acordada, assim como a clarificação do financiamento dos vários sub-sistemas da segurança social, questão que foi adquirida na Lei de Bases.
Permita-nos ainda enunciar as inúmeras propostas feitas pela CGTP-IN na área da saúde, designadamente acerca da forma de organizar o sistema, política de medicamentos, funcionamento dos blocos operatórios, etc, ou ainda a sua contribuição activa e determinante nos acordos firmados, em sede de concertação social, designadamente o "Acordo sobre Política de Emprego, mercado de Trabalho, Educação e Formação" e o "Acordo sobre Condições de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade", reconhecida por todos os parceiros sociais e governos.
E, talvez, a realização da "Conferência Sindical Funções do Estado e Administração Publica", realizada em 18.05.2005, possa também ser uma prova da atenção que a CGTP-IN dedica a problemas tão actuais e importantes para a nossa sociedade.
E quanto a horários rígidos, está também V.Exª. enganado. A CGTP-IN reconhece a necessidade de adoptar os horários de trabalho às novas condições de funcionamento das empresas, mas exige que essa regulamentação seja fixada por via negocial e não imposta arbitrariamente ao sabor de conveniências políticas ou em resultado de pressões patronais que não querem respeitar a necessária conciliação da prestação de trabalho com a vida das pessoas nas suas diversas vertentes.
Não faltam exemplos de acordos conseguidos por essa via negocial em importantes empresas. O que já não se admite, e por isso se combate, é a imposição de horários de trabalho por via da chantagem de ameaça de despedimento ou de não renovação de contratos a tempo certo, feita por algum patronato ou mesmo o não pagamento do trabalho extraordinário como sucede, hoje, com expressão escandalosa, no sector financeiro.
Quanto à ilegitimidade dos chamados privilégios dos trabalhadores da Função Pública, asserção também defendida por V. Exª., é bom ter presente que esta é uma questão apresentada de forma distorcida, visto que são mais que muitas as diferentes condições de trabalho e direitos sociais que vigoram em variados sectores profissionais, quer do privado, quer do público, em resultado das especificidades dos sectores e empresas e do historial reivindicativo dos respectivos trabalhadores. Ilegitimidade, parece haver, especialmente entre aqueles que se aproveitam das lacunas ou deficiências das leis ou, ainda, daqueles cujos destinatários são eles próprios.
Sendo certo que as diferenças de estatutos profissionais e de direitos sociais são sempre susceptíveis de incompreensões, é bom não perder de vista que todo o percurso da humanidade tem sido no sentido do progresso social e da humanização das relações de trabalho e que este desiderato se deve manter naquilo que é essencial.
Não se pretenda, portanto, atirar trabalhadores do sector privado contra os da Administração Pública, para mais facilmente procurar resolver problemas que não são da sua responsabilidade.
Porque a vingar esta filosofia, ainda corremos o risco de ver alguém invocar a justiça social para nivelar por baixo todos os direitos laborais e sociais dos trabalhadores. Embora não se tenha chegado ainda a tal limite, a verdade é que o historial mais recente das relações de trabalho em Portugal é o de se caminhar na retirada ou limitação dos direitos dos trabalhadores, invocando-se sempre os problemas da economia e, em particular, os da perda de competitividade e da produtividade. Infelizmente, constata-se que esta receita não tem resolvido os problemas do país.
A questão é agora, de novo, colocada em função do défice orçamental, problema cuja importância não se ignora. Poder-se-á, eventualmente, resolver o problema do défice por via das medidas propostas pelo Governo, mas como se estão a atacar mais os efeitos que as causas desse desequilíbrio orçamental, que radicam sobretudo no problema da perda de competitividade da nossa economia, é muito provável que, daqui a pouco tempo, estejamos de novo a constatar que a situação económica em nada melhorou e que são precisos mais e mais sacrifícios que irão recair sobretudo sobre aqueles que não têm quaisquer responsabilidades na grave situação em que o país se encontra.
Embora se perceba que o objecto do comentário de V. Exª. nada tem a ver com o patronato, não deixaria de ser interessante ver alguma referência às responsabilidades deste, designadamente no que toca ao desperdício dos fundos de coesão, aos critérios de investimento claramente desajustados face às necessidades do país ou, ainda, ao seu insignificante contributo para a formação profissional, para não se falar já nos muitos casos de má gestão das empresas, não pagamento de impostos, retenção das contribuições para a segurança social e salários em atraso.
Exmº. Senhor. Como se vê, limitamo-nos a responder ao essencial dos seus comentários, sem nos preocuparmos em avançar com outros exemplos que poderiam eventualmente rebater a opinião deixada por V. Exª sobre a acção dos sindicatos.
Apenas a título de exemplo e na tentativa de ajudar a eliminar eventuais preconceitos anti-sindicais, deixamos este breve registo: entendendo a importância determinante da formação profissional no nosso país, a CGTP-IN mantém a funcionar, desde 1989, a Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, na qual já foram diplomados 2532 alunos e, neste ano, é frequentada por 740 alunos, empreendimento que, como é óbvio, exige aos sindicalistas uma responsabilização e empenhamento compatíveis com a importância do que está em jogo.
Está fora de questão a legitimidade de V. Exª., ou de qualquer outro cidadão, criticar os sindicatos pela sua acção. Mas que isso se faça com ponderação e conhecimento de causa, é uma exigência que não pode deixar de ser colocada. A ser assim, qualquer crítica será sempre bem-vinda e terá o melhor acolhimento da nossa parte.
Os comentários que agora levamos até V. Exª em nada diminuem o apreço que temos sobre o seu trabalho jornalístico que, inegavelmente, prima pela coragem e frontalidade com que tem tratado temas tão importantes para a nossa sociedade e, muito menos o respeito e consideração que nos merece em termos pessoais.
Aceite os nossos melhores cumprimentos,
A Comissão Executiva do Conselho Nacional
Manuel Carvalho da Silva
Secretário-Geral
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