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Subject: Dez anos que não abalaram Portugal | |
Author: Miguel Sousa Tavares |
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Date Posted: 18/02/06 17:37:55 Dez anos que não abalaram Portugal Foram dez anos vividos a cultivar os tão queridos «consensos» de Jorge Sampaio - com o bom, com o mau e com o insustentável DOIS pontos de partida: um, a afirmação de que Jorge Sampaio é, obviamente, um homem sério, culto e bem intencionado, para quem a política, independentemente da apetência pessoal, é vista como devendo estar sempre ao serviço do bem comum; o outro, a constatação de facto de que Jorge Sampaio presidiu, a partir de Belém, a uma década em que Portugal regrediu em quase tudo - na educação, na economia, nas finanças públicas, na criação de emprego, na agricultura, na defesa do ambiente e na gestão do território, na qualidade da democracia e, até ao ponto de tocar no fundo, na justiça. Note-se que eu não digo que Jorge Sampaio seja o responsável, ou sequer co-responsável, por este retrocesso do país. Digo simplesmente que presidiu a ele e que o fez à sua maneira, aliás semelhante à forma como dirigiu os destinos de Lisboa durante seis anos: sempre consciente e preocupado com os problemas, e sempre impotente para os ajudar a enfrentar. Houve uma única e notável excepção, que teve a ver com o desenlace da questão de Timor, onde Sampaio - juntamente com Guterres e contra a resistência de Durão Barroso - teve uma intervenção firme e decisiva para que se tenha podido pôr fim à ocupação de Timor pela Indonésia. Em tudo o resto, mesmo na área da justiça, que melhor dominava e que mais intervenções lhe inspirou, os seus discursos viveram sempre dessa contradição insanável e desesperante entre o acerto do que dizia e a sensação de absoluta inutilidade do que dizia. Basta atentarmos no último exemplo em data: o que sucedeu com o ultimato dirigido ao procurador-geral da República para que «num prazo curtíssimo», esclarecesse como é que, no âmbito do processo Casa Pia, o Ministério Público entrou na posse da lista dos telefonemas particulares efectuados por um vasto leque de políticos que nada liga ao processo, naquilo que o próprio Presidente classificou como «uma forma intolerável de intromissão na reserva privada dos portugueses, que não pode passar em claro»? Sucedeu que, uma semana decorrida, Souto Moura foi a Belém segredar qualquer coisa ao Presidente, que aparentemente se deu por satisfeito, nunca mais tendo falado no assunto. E, entretanto, o «curtíssimo prazo» já ultrapassou um mês e, como é habitual, o procurador confundiu o que está em causa: em vez de investigar quem obteve e quem facultou essa lista, resolveu investigar o jornal que deu a notícia. E, com isso, o dr. Souto Moura conseguiu o que queria, que era fazer Sampaio esquecer a sua ameaça de extrair do caso «as adequadas consequências», transferindo o ónus de nos livrar de Souto Moura para o Presidente que se segue. E assim foi também em outras ocasiões e outras matérias igualmente importantes, que ninguém pode dizer que escapem à alçada dos poderes do Presidente. Como a situação de fantochada democrática que se vive na Região Autónoma da Madeira e que mais dez anos de passividade presidencial (incluindo nos discursos não ditos) tornaram já habitual, impune e fora de controlo. E se não é o Presidente da República a exigir que vigorem em todo o país as mesmas leis em que se funda o Estado democrático, quem será? Assim foi igualmente na forma passiva e acrítica com que Sampaio aceitou a indecente deserção de Durão Barroso e o critério de sucessão dinástico-partidária que levou à chefia do Governo, sem que os portugueses o tenham escolhido, o inimaginável Santana Lopes. É verdade que, depois e ao primeiro pretexto, nos desembaraçou dele, mas entretanto o país perdeu um ano numa altura crítica e o prestígio das instituições políticas desceu ao seu mais baixo nível da era democrática. Há uma substancial, e não apenas subtil, diferença entre o que foi a «magistratura de influência» de Mário Soares e a de Jorge Sampaio. Talvez porque Soares tinha um peso político próprio, aqui e lá fora, que Sampaio nunca teve. Talvez porque Soares, ao contrário de Sampaio, concentrou-se no essencial e não se dispersou em milhares de temas, desgastando-se em palavras e mais palavras, ao ponto de já quase ninguém as escutar. Mas, sobretudo, porque Soares não viu o cargo como um púlpito do politicamente correcto ou uma eterna fábrica de consensos, onde tantas vezes o que se exigia era rupturas e escolhas. A grande desilusão que me fica dos anos de Sampaio em Belém é a sensação que ele deixou instalar de que o cargo é perfeitamente inútil. É verdade que há a «bomba atómica», mas, entre ela e tudo o resto não existe mais nada, nem sequer a possibilidade de usar uma pressão de ar para caçar pardais. O estilo acabou por contagiar o próprio Soares, que, na sua absurda tentativa de rebobinar o filme, nada de melhor encontrou para nos propor do que a promessa de que iria para Belém fazer rigorosamente nada, porque nada poderia ser feito dentro do quadro dos poderes presidenciais (com toda a lógica, Manuel Alegre chegou a perguntar-lhe porque se candidatava, então). Desconfio que uma das razões da vitória de Cavaco Silva foi justamente o inconformismo de uma parte do eleitorado, que não aceitou a tese da inutilidade presidencial e que viu nele, bem ou mal, alguém que não se dispunha apenas a passar dez tranquilos anos de vida no Palácio de Belém. A imagem que Soares quis fazer passar de um Cavaco Silva assustadoramente intervencionista teve o efeito exactamente contrário: nas urnas, os eleitores responderam que preferiam isso do que outros dez anos de desempenho presidencial inócuo. Agora, este episódio final da Presidência de Sampaio, esta frenética enxurrada de condecorações - umas públicas, outras às escondidas - é uma espécie de resumo da filosofia que presidiu a estes dez anos. Ao condecorar tudo o que mexe, desde gente com valor até artistas sem qualquer valor, empresários sem mérito algum, gente que se limita a cumprir banalmente a sua profissão ou ex-estalinistas a quem deu a Ordem da Liberdade, Jorge Sampaio revela bem qual é seu critério na política: não distinguir, não escolher, não susceptibilizar ninguém. (É possível que, como ele disse, Eanes e Soares tenham condecorado ainda mais gente, mas, exactamente porque o fizeram ao longo de vinte anos, já não restava ao Presidente Sampaio gente em qualidade e quantidade suficiente para justificar a total banalização, para não dizer outra palavra, das condecorações presidenciais). Este frenesim condecorativo assenta como uma luva no perfil político de um Presidente que não foi capaz de dar uma lição pública a Durão Barroso, não foi capaz de dizer não a Santana Lopes, não foi capaz de meter na ordem democrática Alberto João Jardim e nem sequer foi capaz de despedir o procurador-geral da República. Foram dez anos vividos a cultivar os seus tão queridos «consensos» - com o bom, com o mau e com o insustentável. E está à vista de todos o que o país regrediu nestes dez anos de consensos. Valha-nos que, ao menos, não faltam comendadores! [ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ] |