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Subject: Quando a realidade desmente as boas intenções


Author:
José Manuel Fernandes
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Date Posted: 28/02/06 12:20:29
In reply to: Francisco Melro 's message, "Sector de serviços criou 217 mil empregos em quatro anos" on 27/02/06 9:26:58

Quando a realidade desmente as boas intenções
José Manuel Fernandes


Portugal criou nos últimos quatro anos tantos empregos no sector público como os que destruiu no sector privado


Quando, lá nesses remotos tempos em que, com a viragem do milénio, Portugal se apercebeu de que tinha um problema de contas públicas, elaboraram-se os primeiros planos de contenção do crescimento da despesa. De entre as muitas medidas então anunciadas todos se recordarão que Pina Moura garantiu que era necessário conter as admissões na função pública a um funcionário por cada quatro que saíssem. Manuela Ferreira Leite chegou e endureceu o discurso: ninguém seria admitido sem autorização da responsável pelo Tesouro. Já Sócrates apenas se propôs diminuir o número total de funcionários públicos limitando as admissões a uma por cada duas saídas.
Diz o povo que de boas intenções está o Inferno cheio, e os números extraídos da análise da Inteli que o PÚBLICO ontem revelou são disso dramático exemplo. Entre 2001 e 2005 o sector público viu crescer o número de funcionários em... 121 mil. Mais, e pior: nesse intervalo de tempo a população activa cresceu (mais 325 mil portugueses, fazendo subir a taxa de actividade de 51,9 para 52,7 por cento), mas o nível global de emprego manteve-se estável. Desse desequilíbrio resultou que ao mesmo número de trabalhadores empregados corresponde o dobro dos desempregados (a taxa de desemprego passou de 4,1 para oito por cento).
Mas o pior foi que a economia criou emprego no sector dos serviços e destruiu na indústria e na agricultura. Isso não seria mau se exportássemos serviços, que até podem ter um valor acrescentado superior ao dos produtos manufacturados de uma indústria transformadora baseada na mão-de-obra intensiva. Contudo, como a maioria dos empregos criados nos serviços foi para a administração pública, e não se exportam serviços públicos, isso não representou qualquer aumento das vantagens competitivas do país. Gastamos mais connosco próprios, vamos garantindo empregos numa administração do Estado que devia estar a emagrecer e assistimos ao contrário do que devia estar a acontecer, pois agrava-se o défice público, agrava-se o nível de endividamento das famílias e agrava-se o défice da balança comercial.
Os mesmos dados do INE também não permitem optimismos quanto às intenções de investimento declaradas para 2006, mesmo se este indicador apresenta o melhor valor desde 2001. Só que parte desses investimentos, em particular os anunciados para a indústria transformadora e para o sector bancário, permitirão aumentar a produtividade mas deverão também traduzir-se numa redução líquida do número de empregos. Como? Basta pensar, por exemplo, que as novas caixas Multibanco, cuja instalação começará em breve, como hoje noticiamos, realizarão funções até agora a cargo de empregados de balcão.
Isso é mau? Tão mau como as máquinas a vapor que substituíam operários no início da revolução industrial, pois se numa primeira fase se destroem empregos, depois podem libertar-se recursos capazes de contribuírem para o aumento da produtividade geral do país. Para tal será contudo necessário que voltemos a ser capazes de exportar, e nesse domínio as intenções de investimento em sectores que, por venderem para países onde a retoma começa a ganhar balanço, são cruciais para o relançamento da economia revelaram-se de novo em baixa.
A Comissão Europeia tem pois razão: ainda vai ser necessário ser mais duro nas medidas de contenção do défice público, porque a continuarmos assim apenas aceleraremos a velocidade a que vamos ficando para trás.

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