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Subject: Boa sorte, senhor Presidente!


Author:
ANTÓNIO BARRETO
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Date Posted: 5/03/06 17:30:47

Boa sorte, senhor Presidente!
ANTÓNIO BARRETO



Desde que esta coluna iniciou vida já tive muitos inquilinos. Com o próximo, serão três os Presidentes da República. E já lá vão cinco primeiros-ministros. E um sem número de alvos de estimação, na Justiça, Educação e outras. Além de três chefes do PC, outros tantos do CDS, quatro do PS, cinco do PSD. Mas só dois Procuradores-Gerais da República...
Gostei de alguns destes figurantes, de outros não. Comecei por apreciar uns, mudei depois de opinião, até porque eles próprios mudaram. Critiquei-os todos. Assim continuarei. Mas quero desejar boa sorte ao novo Presidente, Cavaco Silva. Há quem diga que a sorte não tem nada a ver com isto, mas tem. Se tiver saber e circunstância, já é muito. Mas faltar-lhe-á sempre a sorte. Para o que é preciso pôr-se a jeito. Acontece que a sorte dele será também a nossa. Se o mandato lhe correr bem, serão os cidadãos os primeiros beneficiados.
O destino que a democracia reservou para os Presidentes, em Portugal, é ingrato. Neles se depositam enormes esperanças. Eleitos pelo povo, têm enorme legitimidade. Mas, sem poderes efectivos, estão sempre à beira de se transformarem em figuras de cera. Têm uma imensa visibilidade, tanta quanta quiserem, mas isso servirá mais para contemplação do que acção. Se os tempos lhes correm bem, o mérito vai para o governo. Quando é chamado a intervir, é geralmente em situação de crise. Se faz qualquer coisa, cai-lhe metade do país em cima. Se não faz, cai a outra. É tanto mais apreciado e louvado pelas sondagens quanto menos se comprometer. Desde que revela uma opinião firme sobre qualquer assunto, o que todos até agora quase sempre evitaram cuidadosamente, perdem apoio e consideração. Se são gerais e abstractos, são inúteis. Se são concretos e específicos, é porque são metediços. Os que fazem deles Pais da Pátria ficam gratos que sejam Pais ausentes. Os que lhes são fiéis, sobretudo por via dos partidos, esperam deles guerra ao inimigo, favores, nomeações e alguns jeitos. Como os presidentes se têm, neste aspecto, comportado moderadamente, os seus seguidores deixam de o ser. O resultado é curioso: no fim dos seus mandatos, os Presidentes têm menos apoio nas suas hostes do que entre os seus adversários.
Um dos problemas mais interessantes do mandato de Cavaco Silva não lhe diz apenas respeito a ele. Ou antes, a sua resolução não depende apenas dele. Trata-se do reconhecimento da sua plena legitimidade pelas esquerdas. Não está em causa, evidentemente, a legitimidade formal e eleitoral. Mas uma outra forma de legitimidade, a que resulta do reconhecimento feito pelos adversários e por todos quantos votaram noutros ou simplesmente não votaram. Essa forma de legitimação depende da acção. Recordam-se, por exemplo, os tempos de 1986, quando a direita portuguesa não quis reconhecer o Presidente Mário Soares. Chegaram a circular, depois da tomada de posse, panfletos e autocolantes com dizeres claros: "Este não é o nosso Presidente", "A culpa não é minha" e "Não votei nele"! Graças à sua maneira, o problema foi ultrapassado. Acabou por ser reconhecido e aceite, tal, aliás, como Jorge Sampaio, pelas direitas, pelas instituições nacionais, pela Igreja, pela Maçonaria, pelos cultos minoritários, pelas grandes empresas, pelos grupos económicos e até pelos monárquicos. Mérito deles? Com certeza.
Agora, para já pelo menos, as coisas são diferentes. A eleição de Cavaco Silva foi um verdadeiro balde de água fria para as esquerdas. Estas convenceram-se, há muito, que o "país era de esquerda" e que o Presidente da República era um cargo cativo da esquerda. Ouvem-se de vez em quando frases extraordinárias, tais como "o país é sociologicamente de esquerda". O facto de haver factos e anos de demonstração da falta de verdade desse raciocínio nunca impediu os militantes de professarem estas científicas crenças. Os socialistas, especialmente, não se sentem bem. Pela primeira vez, não elegeram um Presidente. E o seu candidato oficial ficou em terceiro lugar. Não sendo os mais radicais de esquerda, são agora os mais amargos.
Durante a campanha eleitoral, alguns fenómenos foram motivo de preocupação. O modo como a maioria dos sindicatos se envolveu na luta eleitoral representou um recuo nos nossos costumes políticos. Fizeram-no com especial violência. De várias origens surgiram também dúvidas quanto à seriedade do processo eleitoral. Foi um balão de ensaio, mas a tentativa estava desenhada: pretendia-se com isso criar antecedentes para mais tarde, eventualmente, pôr em causa a legitimidade do processo e do provável eleito. Finalmente, os argumentos de alguns dos seus adversários eram de molde a não deixar dúvidas: para as esquerdas (excepção para Manuel Alegre...), a eleição de Cavaco Silva era pesadelo, catástrofe ou golpe. Entre os juristas, por exemplo, não faltaram intervenções a limitar a acção do Presidente a gestos inúteis e a considerar ilegal (e até "golpe constitucional") qualquer interpretação diferente das suas. É provável que venhamos a ouvi-los retomar o tema dentro de pouco tempo.
A legitimação, no sentido acima referido, e o reconhecimento do novo Presidente pelas esquerdas estão assim em aberto. Darão as esquerdas os passos necessários e deixarão de considerar que é intruso qualquer Presidente que não seja dos seus? Fará Cavaco Silva alguma coisa para obter esse reconhecimento e conquistar os corações das esquerdas? Recorde-se o que fizeram, antes de si, em sentido contrário, Eanes, Soares e Sampaio: eleitos pelas esquerdas, depressa atraíram a si a nação, as instituições e as "forças vivas", incluindo as direitas políticas e económicas.
Esse efeito de legitimação, a não confundir com os famigerados consensos nacionais, é importante, pois reserva as forças do Presidente para o que vale a pena. O quê, por exemplo? A cooperação crítica e independente com o governo. O obstáculo à corrupção, à promiscuidade e ao favoritismo partidário. E o princípio inspirador de uma profunda alteração da justiça. Por isso é indispensável que o Presidente não se limite a conversas alcatifadas com o primeiro-ministro e que, do que pensa, faz e quer, tenha o povo como testemunha.
Uma coisa é certa: se o Presidente quer realmente influenciar o governo, tem de lhe oferecer a sua mais leal cooperação. Como tem necessidade de correr riscos, por exemplo o de que se perceba que o governo não fez algo que ele queria. Como tem, finalmente, de o criticar, fazendo-o de maneira a que se saiba.
Será que Cavaco Silva tem essa vontade? Essa capacidade? O problema não é esse. Mas sim aquilo de que o país precisa.

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Subject Author Date
O adeus de SampaioJosé Manuel Fernandes 5/03/06 17:31:54


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