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Subject: O adeus de Sampaio


Author:
José Manuel Fernandes
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Date Posted: 5/03/06 17:31:54
In reply to: ANTÓNIO BARRETO 's message, "Boa sorte, senhor Presidente!" on 5/03/06 17:30:47

O adeus de Sampaio
José Manuel Fernandes



É difícil antever que lugar reservarão os livros de história aos dois mandatos de Jorge Sampaio. Para Portugal a última década não foi gloriosa, pois começou em euforia e acabou em depressão. Qualquer leitura que seja feita sobre a sua passagem por Belém à luz do país que encontrou e do país que deixou arrisca-se a ser sombria, mesmo que injusta. Até porque estes foram dois mandatos de paradoxos, até para o próprio Presidente.
Por natureza e instinto, o homem que há dez anos chegou a Belém prezou uma leitura discreta dos seus poderes, uma leitura mais institucional do que política, o que se permitiu aos portugueses olharem sempre para a Presidência da República como uma referência de estabilidade e de respeito pela legalidade, limitou a sua capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos de acordo com as suas mais profundas preferências políticas. Sampaio, por exemplo, gostaria ao deixar Belém de ter o país dividido em regiões administrativas, mas convocou o referendo em que estas foram rejeitadas. Também teria preferido que a lei da interrupção voluntária da gravidez tivesse sido resolvida no Parlamento, mas no outro referendo que convocou teve para mais o desgosto de votar vencido.
Vindo do mundo da Justiça, pregou no deserto em favor de reformas que não ocorreram e, talvez por respeito a formalismos excessivos, sai de Belém com o sector mergulhado numa crise confiança, de ineficiência e de instituições. Homem preocupado com a planificação e o ordenamento, viu governos e autarquias desarrumarem o território sem que, porventura por receio de alimentar o "país da lamúria", fizesse mais do mediar os conflitos mais gritantes. Europeísta e defensor do novo Tratado Constitucional, impediu referendos despropositados mas não assistiu à aprovação formal do documento, o que permitiria que Portugal estivesse entre os países que já o subscreveram. Homem de hábitos probos, presidiu a uma nação onde as famílias se endividam e o Estado se arruina gastando de forma desregrada e irracional.
O seu recente regresso a Timor e o receber em Belém duas crianças que ajudou a levar à escola são por isso sinais de amargura, dois gestos que sublinham dois dos raros momentos de que guardará sincera e profunda gratificação. Momentos em que se fez útil, agiu em conformidade e pôde apreciar os resultados. Não teve muitos.
De resto basta recordar que um Presidente que nunca quis dissolver a Assembleia o fez por duas vezes, a primeira quando Guterres se demitiu contra a sua opinião, a segunda quando demitiu Santana face a um desvario que não podia mais suportar. Com a primeira dissolução contrariou o seu instinto parlamentarista, com a segunda abriu um precedente presidencialista, em ambas não lhe restava alternativa. Fez o inevitável contra o que gostaria de evitar, salvando-o a rectidão e o sentido de Estado.
Talvez por tudo isto dele se guarde apenas a memória do homem íntegro mas discreto, de um Presidente legalista mas que nunca deixou de utilizar os seus poderes, de alguém que marcou menos o país do que era sua expectativa e esperança dos que o elegeram duas vezes. Ao passar a pasta a alguém que partilha com ele uma visão institucional do cargo, mas dele diverge em quase tudo o resto, sabe que a sua imagem futura vai acabar por depender muito do que Cavaco fará - ou não fará.

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