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Subject: Um rio de cadáveres


Author:
Adnan Abuzaid
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Date Posted: 29/06/07 10:18:14

Um rio de cadáveres









Ao longo de séculos, o rio Tigre foi oferecendo aos habitantes de Bagdade um petisco raro: o famoso samak mezguf iraquiano, um peixe grelhado.



O Tigre era o principal fornecedor deste peixe, que era conservado vivo num tanque e, quando fosse preciso, era só apanhar um que os donos do restaurante grelhavam ao lume vivo.



Mas uma fatwa recente, ou decreto religioso, emitida por clérigos muçulmanos da cidade, proíbe que se coma peixe do rio Tigre. A razão não é a poluição, pois o Tigre era, antes da invasão estadunidense de 2003, um dos rios mais limpos do mundo.



Os cadáveres humanos em decomposição atirados para o rio, segundo a fatwa, fazem com que comer os seus peixes se torne desumano, imoral e anti-religioso.



Graças à invasão estadunidense, o rio Tigre tornou-se um cemitério de corpos flutuantes. As milícias assassinas e os esquadrões da morte – que os invasores trouxeram com eles e alimentaram – encaram as profundezas do Tigre como um local perfeito para esconderem o morticínio sectário de iraquianos inocentes, atirando para lá os corpos das suas vítimas.



Os pescadores dizem que as suas redes e anzóis às vezes apanham mais cadáveres do que peixes. O antigo regime, numa tentativa de limpar o rio qualquer lixo, tinha erigido uma rede de aço perto da cidade de Suwaira. A rede era limpa todas as semanas.



Mas em vez dos materiais não desejados que costumava apanhar, a rede começou a apresar cadáveres flutuantes. Montes de famílias visitam a área regularmente na esperança de colectarem os cadáveres de entes queridos que desapareceram sem deixar rastro.



Desde 2006, pelo menos 800 corpos foram colhidos só em Suwaira, de acordo com Abdulwahid Azzam do Ministério do Interior.



Muitos dos corpos apresentam marcas de tortura, e alguns estavam tão deteriorados que era difícil reconhecer a sua identidade.



Pessoas de diferentes idades são vítimas da loucura sectária que era desconhecida antes da chegada dos invasores estadunidenses. Hayder, um pescador, que só deu o seu primeiro nome por razões de segurança, disse que uma vez arrebatou o corpo de um menino de 12 anos de idade.



O Eufrates, o outro grande rio mesopotâmico, não é excepção. A maioria dos corpos é aí colhida por agricultores rio abaixo.



As fontes da polícia afirmam que só na área de Bagdade deparam com uma média de 10 cadáveres por dia.



Se um corpo lançado ao rio não for encontrado dentro de alguns dias, deteriora­‑se e pode perder­‑se para sempre. Ahmad, um outro pescador, diz que se deparar com um cadáver, significa que o Todo Poderoso «gostaria que eu desse um enterro apropriado à pessoa falecida».

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