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Subject: A felicidade dos portugueses | |
Author: ANTÓNIO BARRETO (Público, 11 Fevereiro 2007) |
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Date Posted: 11/02/07 14:55:04 In reply to: John Gray 's message, "O humanismo não é ciência, é religião" on 11/02/07 14:45:55 A felicidade dos portugueses RETRATO DA SEMANA ANTÓNIO BARRETO AOs bons vi sempre passar No mundo graves tormentos E para mais me espantar Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Luís de Camões cabam de ser publicados os resultados de mais um Inquérito Social Europeu. O Instituto de Ciências Sociais, com Jorge Vala, é o parceiro nacional deste trabalho. O inquérito é muito interessante e vale a pena ser analisado por todos quantos se ocupam de políticas sociais e públicas. OS PORTUGUESES ESTÃO ENTRE os mais machistas dos europeus. As mulheres são as que trabalham mais em casa. Os homens são os que menos partilham as tarefas domésticas. Os nossos compatriotas são os que mais se identificam com o seu país e os que mais receiam os imigrantes. Parecem ser os que menos se interessam por política. A maioria está insatisfeita com a democracia (mais de metade) e com o governo (mais de dois terços). Consideram-se os mais doentes da Europa e mais de metade estão insatisfeitos com o sistema de saúde. Um pouco menos de metade estão descontentes com o sistema de educação. E mais de dois terços estão insatisfeitos com a economia. TUDO SOMADO, QUAL É O RESULtado? Os portugueses são felizes? Uma observação geral permite concluir que, embora avaliando razoavelmente a sua qualidade de vida, os contemporâneos queixam-se muito, de quase tudo. As percentagens de "satisfeito" e "muito satisfeito" com qualquer dos principais objectos de avaliação (saúde, educação, democracia, economia e governo) oscilam entre os 5 e os 20 por cento. Convenhamos que é pouco. Mas as apreciações gerais sobre a qualidade de vida não parecem tão negativas quanto as avaliações parcelares sugerem. A verdade é que a felicidade, entidade tão difícil de medir como o amor ou a esperança, parece depender de outros factores e não se limita a ser a soma das apreciações sectoriais de cada. Um indivíduo pode estar descontente com o emprego e a saúde e, estranhamente, achar que o seu bem-estar é razoável. Podem o rendimento e a justiça fazerem-lhe a vida negra, mas, para se considerar feliz, muitas vezes, basta uma viagem, um livro, uma vizinha ou uma obra bem acabada. Mistérios dos sentimentos. PARA A FELICIDADE ACTUAL DOS portugueses contribui ainda, creio, o sentimento de melhoramento das últimas décadas. Quem tenha mais de trinta anos sabe como era. Queixa-se, e muito bem, dos hospitais e dos médicos, mas sabe que a saúde pública e o serviço nacional de saúde trouxeram um progresso fenomenal a este pobre país. Quem vive nos horrendos subúrbios das áreas metropolitanas e passa umas horas por dia na estrada queixa-se amargamente e com toda a razão. Mas sabe também que a casa da geração anterior, a barraca e o casebre, são hoje quase recordações. A felicidade e o sofrimento, o bem-estar e o queixume vivem assim, a meias, na mesma alma. Mas a expressão de cada uma desses sentimentos merece distinção. É mil vezes preferível aquele que critica ou sofre, do que aquele que elogia e se gaba, ou que é pago para uma coisa e outra. MUITO MAIS ESTRANHO DO QUE a felicidade é o optimismo. Não necessariamente o dos cidadãos, que, a considerá-lo uma função da satisfação com a vida presente, é mediano, mas o dos políticos e de alguns dirigentes da economia, da cultura e das instituições em geral. O optimismo dos dirigentes é uma profissão de fé. Se estão em posição de poder, se mandam em alguma coisa ou alguém, se sentem segurança na sua posição social, declaram-se previsivelmente optimistas. O problema é que também entendem que os outros devem ser optimistas. E fazem o que podem para concretizar tal desejo. Ouve-se com assiduidade nas televisões dizer aquela frase esquisita: "Quero deixar uma mensagem de optimismo". Para contrariar alguém mais pessimista ou mesmo realista, replicam com o seu optimismo. Perguntados sobre as razões ou os sinais dessa atitude, dizem as coisas mais vagas e etéreas: "Há que ser optimista"! Os mais concretos escolhem imediatamente uma empresa que produz bem qualquer coisa, um cientista que teve um prémio ou uma associação que ajuda os pobres. Os que tudo têm são assim: querem que os outros se sintam felizes, aconselham esperança e vendem optimismo, pois, assim, vivem em paz, sem culpa nem remorsos. O COMBATE PELO OPTIMISMO É uma das mais maçadoras pragas da vida pública. Se alguém escreve nos jornais ou aparece na televisão a mostrar algo errado, a criticar as filas de espera em qualquer instituição, a descrer da justiça que temos ou a mostrar repugnância pelo sistema educativo, logo é acusado de pessimista, descrente e céptico. Daí a serem denunciados como intelectuais bem pensantes e profetas da desgraça não é preciso esperar. "Só sabem dizer mal", é a frase mais ouvida aos poderosos quando se referem a quem se exprime no espaço público. Alguns dizem mesmo, sem perceberem que se diminuem, que não lêem jornais, não vêem televisão e não ouvem rádio. É verdade que a qualidade da imprensa deixa muito a desejar. A facilidade com que os jornais não percebem os números, as estatísticas, os factos, as datas, as unidades de conta ou os nomes é surpreendente. A quantidade de fontes anónimas ainda é de espantar. A superficialidade é pletórica. E a opinião infiltra-se impunemente pelas notícias. Mas nada disso justifica que se julgue que a imprensa poderia ser sobretudo uma folha congratulatória. PIOR AINDA DO QUE ESSA ATITUDE é o esforço colossal que os governos, as instituições, as empresas e os organismos da Administração Pública fazem para dourar a pílula e cuidar da sua propaganda. Se fosse possível contá-las, são milhares as pessoas envolvidas nas "agências de informação", nas empresas "de relações públicas", nas assessorias "de imprensa" ou no aconselhamento "de imagem". Sem contar os jornalistas reciclados em consultores e os que aceitam recados. Eis porque vale a pena que alguns, poucos que sejam, se especializem na crítica e na explicação, quite a serem injustos, isto é, a não se preocuparem com as coisas que correm bem. Para estas últimas e para apresentar bem o que corre mal, ou para simplesmente esconder o que não corre, andam por aí milhares de profissionais, consomem-se milhões de horas de trabalho e gastam-se dezenas de milhões de euros. É por isso que a liberdade é sobretudo a de criticar, não a de elogiar. (Declaração de interesses: sou investigador do ICS, mas não colaborei no inquérito citado). [ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ] |
Subject | Author | Date |
O humanismo não é ciência, é religião... E depois? What's new? | Guilherme Statter | 11/02/07 23:41:48 |