Author:
Oscar Mascarenhas
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Date Posted: 04:30:17 05/29/02 Wed
Entrou já no anedotário parlamentar a estentórea tirada daquela secretária de Estado que, muito reitora do seu nariz, lembrou que a religião oficial do Estado é a católica.
Entrou no anedotário - mas mal: deveria figurar na galeria de desgraças da República. Gaffe, disseram. Isso seria o menos: qualquer um se engana e derrapa com o verbo. Dá-se uma gargalhada e segue a vida. Não foi gaffe, como se deduz, a montante e a jusante do disparate: ela quis ancorar a religião católica nos currículos - porque a maioria é católica.
É isto que é grave e que acabou despercebido nos pés-por-mãos em que ela enrolou explicações.
O problema da senhora não é ignorar a Constituição - é não saber de democracia. Para ela, há uma aritmética de poder: existem mais católicos - ela quer dizer baptizados - do que não católicos, portanto, impõe-se a religião e o catecismo. O mal é que ignora essoutro catecismo onde consta um valor bem nobre e elevado: o pudor republicano. Aquele que ensina que maioria, mesmo absoluta, não é dominação - muito menos em coisas das convicções.
Porquê recriminar só a ela, que é tão-somente "ajudante" de um Governo que lhe dá o exemplo de ausência de pudor republicano? Que dizer de um Executivo que se entrincheira, guerrilheiro, a legislar debaixo de bivaques levantados na alcatifa do palácio - se eles votarem contra, sai lei revogadora, se não, chiu!, não se fala nisso? Das leis se diz que devem ser gerais, abstractas e não retroactivas. Haverá, por certo, rábulas jurisconstitucionais que provarão que esta, sobre a RTP, está conforme. Todos, porém, a começar pelos autores - vá lá saber-se quem, ninguém o confessa... -, sabem que esta lei é tão particular que só lhe faltam nomes e moradas, mesquinhamente concreta e visivelmente retroactiva pela sua intenção de revogar causas, e não efeitos. Mas só quem tem pudor republicano pode senti-lo. Não um Governo com esta catequese.
Não só do Governo. Veja-se a velocidade com que Mota Amaral fez questão de retomar a sua antiga tendência para a autocracia e para o silenciamento das minorias. É pena. Depois de um passado remoto de obscuras ligações e proximidades, seguindo-se um longo e arrogante exercício de poder regional, dir-se-ia que tinha apostado em se reconstituir, no Continente, como um senador da República. Mas não: a um estalo de dedos da maioria, usou dos seus poderes para fazer a leitura mais curtinha e pirraceira dos direitos da minoria. O pudor republicano - largamente exibido pelos antecessores de Mota Amaral - leva a que, na dúvida, antes sobrem que faltem direitos às minorias. Mas isso seria se Mota Amaral se movesse por pudores republicanos.
João Bosco é apenas um primeiro entre os seus pares - os da maioria, porque os da minoria já se perceberam seus ímpares. E os pares de Mota Amaral também não primam por exibir pudores. Veja-se: na legislatura anterior, considerou-se que uma decisão sobre a co-incineração de resíduos tóxicos deveria basear-se em pareceres de uma comissão científica independente. A actual maioria nem sequer permite que tal colectivo compareça perante uma comissão parlamentar. Para quê falar-lhes em pudor?
E o melhor estava para vir: a assim-chamada mulher forte do Governo disse que as medidas fiscais vão atingir com maior dureza, como sempre, os mais fracos, "aqueles com menos capacidade reivindicativa". Ena!, mulher de coragem esta, que diz: "Vá, juntem-se, reivindiquem, façam lobbies, que eu cedo; só apertarei o papo a quem não dê luta..."
Ora, digam lá se não há anedotas melhores do que aquela da catequista da religião oficial!...
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