Author:
Correia da Fonseca
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Date Posted: 7/07/05 14:20:45
In reply to:
Artur Costa, JUIZ CONSELHEIRO. JN, 07/07/05
's message, "Qualquer dia, todos os direitos adquiridos pelos trabalhadores serão considerados privilégios" on 7/07/05 1:22:01
Os indignados
Correia da Fonseca, Avante, 07/07/05
Foi numa breve reportagem incluída num dos serviços noticiosos da SIC: nela, diversos patrões, todos ou quase todos de pequeno porte, queixavam-se com indignação por não conseguirem recrutar empregados mesmo, e sobretudo, quando recorriam a desempregados inscritos no Fundo de Desemprego.
Dessa experiência partiam em grande velocidade para a conclusão de que «o que eles não querem é trabalhar» e preferem estar à boa vida subsidiada pelo Estado. Nem todos disseram quanto estavam decididos a pagar, mas um pelo menos informou que seria quase quinhentos euros/mês, dando todos os sinais do que isso seria um chorudo ordenado.
A reportagem não curou de saber se o próprio empresário se governava com quinhentos euros mensais, pelo que ficou insaciada esta minha curiosidade, mas qualquer coisa me segreda que não. Vários outros acusaram os desempregados que abordaram de terem recusado o emprego a pretexto de que o salário proposto seria significativamente inferior ao subsídio que recebiam.
Pelos vistos, a esses patrões não passa pelas cabecinhas que uma família, mesmo modesta, precisa de uma receita mínima para que não resvale para situações de extrema angústia, e que por isso persegue a esperança de obter a remuneração indispensável pelo menos enquanto essa talvez ilusória esperança dura.
Desta vez não ouvi o que há uns tempos ouvi numa emissão do «Opinião Pública»: uma criatura escandalizada por saber que alguns desempregados se atrevem a recusar o lugar de cantoneiros de estrada. Mas ouvi queixas de recusas por alegada incompatibilidade dos horários propostos com inevitáveis obrigações familiares. Isto é, com cuidados de mãe de crianças de muito pouca idade. Como se se tratasse de uma desculpa absurda. Ou, numa imaginada hipóteses extrema, caricatural se se quiser, como se fosse mais aceitável o abandono dos filhos (que tal reproduzir a roda dos enjeitados nos costumes do povo trabalhador?) que a recusa de um emprego que o candidato a patrão se proponha remunerar mesmo acima do salário mínimo nacional.
O horizonte apetecido
É claro que os patrões que a tal reportagem ouviu e que assim se exprimiram (nem todos o fizeram, acentue-se) são uns tontos antes de serem maus, mas a triste verdade é que muitas vezes a tontice, ou o que quer que se lhe chame, não é inocente e precede de perto a maldade pura e dura.
No caso, o significativo é que aqueles depoimentos correspondem de facto a uma espécie de paradigma do pensamento de grande parte do patronato português, e não apenas dele, relativamente à protecção social contra o desemprego que os trabalhadores conquistaram ao preço de muitas décadas de luta.
Para muita gente que nem sequer tem consciência do lugar onde se coloca, isto de haver subsídio de desemprego é um estímulo à malandrice e à fraude. Na lógica inconfessada mas efectiva da sua atitude, o que era óptimo é que os trabalhadores desempregados batessem às portas do patronato sem quaisquer meios de defesa, lançados às portas da miséria extrema ou já nela situados, resignados por isso a trabalharem em quaisquer condições: salários miniaturais se não apenas simbólicos, nada de horários de trabalho nem de férias nem de outras esquisitices, nem pensar em descontos para a Segurança Social, estabilidade laboral «zero» porque isso é coisa do passado.
A quem pensa que este inventário está ferido por grande exagero pede-se que se lembre de que é para este horizonte que querem caminhar os que invocam a necessidade de competir com centros de produção onde estes «benefícios» ainda não existem ou já deixaram de existir.
Contra o subsídio de desemprego, e também contra o subsídio de doença (outra chaga para o interesse das empresas, já se vê), invoca-se com grande frequência a existência de abusos e fraudes.
Será verdade, ainda que majorada nas versões dos que acham uma violência que o empregado doente não seja obrigado a ir trabalhar mesmo assim para evitar que o dinheiro falte à família, lá em casa. Mas, em matéria de abusos e fraudes, ninguém se lembra dos comportamentos que abundam no patronato de diversas dimensões.
Ninguém sabe dos muitos milhares de empresas que fogem ao pagamento dos impostos graças a aldrabices contabilísticas? Ninguém sabe dos que só declaram salários mínimos para os seus gestores que contudo embolsam dez vezes mais por mês, assim escapando ao pagamento de contribuições para a Segurança Social por saberem que não irão precisar dela? E das que fazem o mesmo quanto aos seus empregados, pagando alguma coisa por fora, assim os condenando a reformas de miséria mais tarde? Ninguém sabe? E as estações de TV, quaisquer delas, não querem saber?
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