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Subject: Temas presidenciais entre Soares e Cavaco


Author:
José Pacheco Pereira
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Date Posted: 27/10/05 16:34:12
In reply to: martim silva 's message, "Cavaco muito perto de Belém, Manuel Alegre ultrapassa Soares" on 27/10/05 16:33:20

Discursos presidenciais - São todos muito pobres porque são modelados pela enunciação de "propósitos", "desígnios", "ideias para Portugal", tão vagos, genéricos e retóricos como os slogans de campanha. É preciso conhecer muito bem os candidatos e perceber as nuances, saber quais são os não-ditos, para entender a lógica das candidaturas. Hoje a retórica está tão estabelecida no discurso político que é cada vez maior o seu efeito de ocultação. O que salva estas eleições do vazio discursivo é que os candidatos principais são bem conhecidos do eleitorado, e por isso são mais facilmente "lidos" nas suas efectivas intenções.

"O que nos distingue? Estilo e conteúdo." Disse Mário Soares e é verdade. Só que quer o estilo, quer o conteúdo já lá estavam antes da campanha. Esta é tão dominada por convenções que é preciso escavar mais fundo para perceber as diferenças. A pose e encenação valem hoje mais do que os discursos, fazem "falar" a coreografia dos actos de apresentação. São eles que temos de analisar para ir mais longe.

Encenações - Em nenhum momento da campanha houve uma pura encenação autónoma, e quer Soares, quer Cavaco, cada um já se constrói face ao outro: um tem apoiantes na sala, o outro só os mandatários, um entrega o cartão, o outro só entrega depois de ganhar as eleições, um aceita perguntas à cabeça, outro recusa-as, para depois as aceitar quando verifica que o adversário o faz, um intitula-se "político profissional", o outro recusa o epíteto, um afirma-se independente dos partidos, o outro nega a condição de "suprapartidário". Há todo um diálogo coreográfico, como se ambos "falassem" por estes gestos quer entre si, quer connosco. E é aqui que estão efectivamente a falar.

Pose - Toda a pose é uma metáfora programática e de poder. Cada um coloca-se diante de um Portugal imaginário, feito de densidade significativa, escolhendo lugares, posturas, silêncios e falas. A solidão desejada de Cavaco, a sua pose ritualística, a sua relação com os símbolos do poder, as bandeiras alinhadas, a perfeição do cenário, o controlo do espaço à sua volta, onde só entra a esposa, pretendem acentuar a ruptura do exercício do poder com os actos quotidianos, valorizar o sentido de Estado da função presidencial.
Soares, pelo contrário, chega normalmente a uma porta de hotel, conversa, acelera e recua, olha para trás, acompanha um jornalista com quem conversa, passeia mais do que anda. Soares é mais terra a terra, mais natural, menos convencional, domina melhor o espaço à sua volta, por isso sente menos necessidade de o organizar. Onde Cavaco está contido e tenso, Soares está à vontade, é mais corporal nos gestos, a qualquer momento espera-se que dê um braço a um amigo. Nesta diferença ambos são naturais, embora depois a encenação acentue artificialmente o que os separa. Soares, a quem Cavaco irrita, tende a ainda mais acentuar a sua liberdade corporal, a dizer o que lhe apetece, a fazer o que lhe apetece. Cavaco não se pode dar a esse luxo, nem se sentiria bem nele.
Soares é um típico membro de uma elite, preparado por toda a sua vida a estar naturalmente próximo do poder, mesmo quando, antes do 25 de Abril, era perseguido. Cavaco forçou a sua entrada numa elite que não o reconhece como um dos deles, que o verá sempre, como Soares o faz, como um parvenu. Só que, quando Cavaco tem poder, tem mais poder e quando Soares o tem, tem menos.

Palavras contidas, palavras distraídas - Cavaco falou pouco, Soares falou muito mais e falou de mais. O valor da palavra é aliás diferente em ambos. Cavaco valoriza mais o gesto, a postura, a locução severa e escassa. Sente-se menos à vontade do que Soares na fala, o que o leva a acentuar a sua característica de acção.
No actual sistema político isso tem vantagens e inconvenientes. Por um lado, valoriza na sua imagem o papel de realizador, de "trabalho" (a frase "deixem-nos trabalhar", ou a metáfora do "bom aluno" só podiam ter vindo de Cavaco e nunca de Soares), por outro torna mais importante a autoridade do que diz. Falando pouco e escrevendo pouco, obtém maior efeito das suas palavras, e os seus escritos pesam mais (Soares escreve muito mais do que Cavaco, mas os seus artigos raramente têm impacto).
O que faz Cavaco é um procedimento adequado em períodos longos, em que a raridade das intervenções torna-as escutadas e influentes. Mas numa campanha eleitoral, com muitas situações em que o controlo da palavra não existe ou é partilhado, como nos debates, é um inconveniente.
Com Soares é o contrário. Soares é um grande conversador nato, um mestre da conversa mais do que do discurso, por isso prefere como terreno o maior número possível de debates. Terá para eles uma só condição, evitar que sejam demasiado específicos ou técnicos, dado que Soares evitará o confronto entre saberes específicos, como seja a economia, que, quer se queira quer não, entrará sempre nos debates como questão global. Soares insistirá por isso em debates colectivos, que o resguardam mais.

Linha de ataque - Uma linha de ataque vinda da candidatura de Soares é o combate ao pretendido "presidencialismo" da candidatura de Cavaco. Duvido que resulte, até porque não tem objecto. Cavaco nunca se revelou "presidencialista", e a maioria dos seus apoiantes nunca defendeu com a sua candidatura qualquer reforço dos poderes presidenciais. As excepções são excepções ou são exercícios de má-fé destinados a comprometer o candidato. Quando Soares ataca uma direita "batida nas urnas", com um "messianismo revanchista" que pretende uma "subversão do sistema presidencial" - as palavras mais duras e politizadas da sua intervenção programática -, pretende conjurar um fantasma, mais do que o esconjurar.

Linha de ataque 2 - Uma outra linha de ataque de Soares a Cavaco é antiga: Cavaco não teria passado de luta contra a ditadura. Foi avançada por António Tabucchi, em resposta a um artigo que escrevi no PÚBLICO, e foi retomada esta semana por Medeiros Ferreira no Diário de Notícias:
"Com efeito, o professor, embora não tenha sido um fura-greves como estudante, nos anos 60, resignou-se perante a ditadura, e não se conhecem atitudes suas contra o regime salazarista e marcelista. (...) Não foi um bom começo para quem quer ser Presidente da República em democracia, (...) além de demonstrar fraco entendimento sobre os decisivos momentos históricos do seu país."
Também me parece que a candidatura de Soares não irá longe por aqui. Caso tomássemos a sério este critério de exclusão, António Guterres, que também não tem qualquer passado de luta contra o regime não podia ter sido primeiro-ministro, e o mesmo acontecia com Maria de Lourdes Pintasilgo. E, tomando à letra este "argumento", por maioria de razão, estariam banidos da vida pública portuguesa muitos políticos como o socialista Veiga Simão ou o centrista Adriano Moreira, que foram ministros de Salazar e Marcelo.
(Continua para a semana, falando-se de partidos e candidatos antipartidos, independentes e "dependentes", Soares e o PS, Cavaco e o PSD, a comunicação social, Europa, outras linhas de ataque, e outras coisas mais.) Historiador

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Portugueses querem PR mais activom. s.27/10/05 16:35:31


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