Author:
Jerónimo de Sousa
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Date Posted: 13/07/05 10:47:29
"Lenine deu uma excelente contribuição para a apreciação do capitalismo"
Acreditando que o capitalismo não é o fim da História, Jerónimo de Sousa sustenta que o caminho é a luta por uma nova sociedade em três etapas: democracia avançada, socialismo e, por fim, o comunismo
O secretário-geral do PCP assume a filiação ideológica do PCP sem hesitações. Reconhece actualidade a conceitos marxistas como luta de classes, propriedade social e mais-valia, mas também a Lenine, sobretudo à caracterização de imperialismo. E reafirma que o PCP é leninista também na organização.
No XVII Congresso, em que foi eleito secretário-geral, o PCP fez uma reafirmação do marxismo-leninismo. O que é ser hoje marxista-leninista?
É sabido que este partido defende uma democracia política, económica, social, cultural. No plano da democracia política, defendemos um regime de liberdades com existência de pluralismo partidário, o recurso a eleições.
Isso é ser marxista-leninista?
Não. Estou a falar do nosso programa, de uma fase de democracia avançada na perspectiva da construção do socialismo. Em relação à questão do marxismo-leninismo, em Portugal, assumimos, desde a fundação do partido, uma teoria revolucionária, naturalmente impulsionada pela influência da revolução russa e tendo em conta as características de partido de novo tipo de Lenine. Mas sempre com algumas originalidades. Não é por acaso que nós sempre nos afirmámos o partido da classe operária e de todos os trabalhadores. Um partido que, tendo essa teoria revolucionária, considera que a inserção na realidade, na vida, nos problemas do nosso povo, é a questão central.
Mas em que é que o PCP continua a ser marxista-leninista?
Continua a ser marxista-leninista em termos de grandes ensinamentos de Marx. Continuamos a pensar que a questão da propriedade social continua a estar na ordem do dia e que a questão da mais-valia continua a ser um elemento crucial. São duas referências. Eu admito que Marx não tenha acertado em tudo, mas a permanência destes elementos é real.
Também falou há pouco da permanência da luta de classes que vem de Marx. Mas de Lenine? O que é que o PCP mantém de Lenine, além do modelo de organização?
A visão em relação ao estádio actual do imperialismo. Continuamos a considerar que Lenine deu uma excelente contribuição para a apreciação do capitalismo e do imperialismo. Hoje fala-se em globalização, em conflito no Iraque, no carácter predador do capitalismo. Vale a pena reler o Lenine em relação à questão do imperialismo como estádio superior do capitalismo. Em termos de intervenção, achamos que a intervenção não pode estar desligada da organização de um partido revolucionário. Por isso, somos um partido com um funcionamento democrático, mas onde o centralismo democrático é uma referência incontornável, um partido que não é uma federação de tendências, mas um partido unido, coeso, com base numa só orientação e numa só direcção.
Para além da defesa de dois ou três princípios, não correm o risco de passar a ideia de que o PCP continua a dizer-se marxista-leninista por uma questão mais de folclore, de manutenção de um logótipo? Porque o PCP defende uma democracia avançada para o século XXI, com uma vertente política, económica, social, cultural, põe enfâse nas questões do pluralismo, da democracia, das eleições e depois defende um modelo que tem como objectivo uma sociedade socialista e, numa última fase, comunista, sem classes, ou seja, mantém a utopia revolucionária da construção de uma sociedade igualitária. Isto não entra em contradição? Como é? Queremos uma coisa agora para aqui, mas queremos outra para depois.
Fez uma descrição que merece alguma reflexão e alguma correcção. Estamos perante um processo de evolução da sociedade humana, em que o capitalismo é triunfante. Hoje o capitalismo tenta impor o pensamento único. Houve quem teorizasse que o capitalismo era o fim da História, que não havia alternativa ao capitalismo. Isto foi ainda mais animado com as derrotas do socialismo e com a desintegração da URSS. Mas a verdade é que a vida hoje está a provar que o capitalismo não vai ser, não pode ser o fim da história. Não é porque o PCP diz. A natureza do próprio capitalismo determina que ele não vai ser o fim da História. E não vai porque ninguém é capaz de explicar à humanidade como é que 300 indivíduos concretos têm fortunas superiores a mil milhões de seres humanos.
Então essa crítica da sociedade actual é que é o marxismo-leninismo. O futuro é o socialismo e agora, por enquanto, vamos tentar a democracia. É isso?
Não basta decretar-se marxista-leninista. Tem que se fazer uma analise real da situação da evolução do mundo de cada país concreto. Você falou em utopia.
Utopia enquanto conceito político, não estou a menosprezar.
Mas nós, nesse sentido, consideramos que cada vez mais, tendo em conta a realidade social, há alternativa. Recentemente fiquei impressionado com uma frase de Kofi Annan. Ele dizia: "Nunca houve tanta fome no mundo como agora." E simultaneamente verifica-se que o mundo avançou em criação de riqueza. Que sistema é este?
Então, a alternativa continua a ser o comunismo?
A alternativa é o socialismo.
Porque insiste em corrigir para socialismo quando falo em comunismo?
Porque no processo histórico está a referir a última etapa. Quando nós defendemos a democracia avançada, pode dizer-me: mas isso não é o socialismo. Pois não, é uma fase intermédia de evolução e construção da sociedade socialista. Mas insisto nesta ideia de que estamos num processo. O capitalismo ainda é jovem em relação a outros sistemas vigentes à escala da humanidade, em relação ao esclavagismo, ao feudalismo.
E vigoroso.
E vigoroso. E perigoso.
Como vê e se relaciona com os partidos e os movimentos que em todo o mundo estudam e aprofundam novos desenvolvimentos para o marxismo, muitos deles pondo de lado o leninismo? Como vê essa recusa do leninismo por partidos que continuam a afirmar-se marxistas e comunistas?
Quais?
Por exemplo a Refundação Comunista em Itália.
Primeiro temos de ver o velho PCI, que começou também a fazer o questionamento do comunismo e acabou por ser um partido destruído.
O PCP fez sempre uma autocrítica tentando controlar os danos e os estragos na própria organização. Como é que o PCP vê hoje esses partidos, alguns já não são partidos, são movimentos, associações, mas continuam a buscar novas propostas sociais e a afirmar-se comunistas?
Ninguém é dono de verdades absolutas, inclusive nós. Consideramos muitas vezes uma ingerência que se vá dar lições a partidos ou movimentos. Mas observamos essas evoluções, a procura de saídas. Em relação aos movimentos sociais que hoje existem na Europa e não só, participamos com grande interesse nessas acções.
Está a referir-se aos movimentos que integram o Fórum Social Mundial?
Vá lá. Tendo causas muito diferenciadas, sendo movimentos heterogéneo, o que implica logo que não haja uma estruturação, ou seja, em termos orgânicos não é alternativa, tendo em conta a diversidade das causas dos objectivos por que lutam. Mas têm uma natureza anti-imperialista, antiguerra.
E acha que são compagináveis com uma organização leninista como o PCP?
Nós, PCP, que temos uma concepção e uma matriz revolucionária, sempre consideramos a importância da existência de movimentos, de causas que, não sendo idênticas às concepções que o PCP tem, são causas justas e causas nobres, que podem fazer frente àquilo que consideramos o inimigo principal, que é o imperialismo, que é o capitalismo.
Portanto são aliados.
Há convergências e confluências muitas vezes conjunturais, mas que ajudam a travar esta força brutal que é o capitalismo. S.J.A./N.S.L.
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