Subject: Estes comunistas ainda são marxistas? |
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Date Posted: 4/07/05 23:09:30
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Aurélio Santos, Avante, 30/06/05
's message, "O Capitalismo virou marxista?" on 30/06/05 11:12:42
O artigo de Aurélio Santos, jornalista do Avante, tão comentado aqui é uma peça jornalística e tanto. Tem desculpa, porque um jornalista não passa de um propagandista, e este não escapa à regra. Ainda por cima escreve mal, de modo que algumas passagens são quase incompreensíveis ou sem nexo; mas, pode ser que não seja profissional do ofício e seja apenas mais um dos muitos que se voluntariam para levar a propaganda às massas. Se, para as massas, toda a palha faz palheiro, qualquer coisa serve, já os transcritores de serviço deveriam ter mais cuidado na selecção, e não trazer para este fórum análises tão ligeiras.
O Marx apontava o Estado como instrumento da dominação de uma classe por outra; no caso, a dominação do proletariado pela burguesia. E a gora vêem-se os trabalhadores e os comunistas a defender funções do Estado. De facto, alguma coisa está errada. Nesta questão, o Marx não é, certamente. Serão os trabalhadores ou os comunistas? Os trabalhadores, coitados, se puderem sacar algum a quem lhes saca tanto dão-se por satisfeitos, mas melhor se sentiriam se pudessem não depender do Estado, tanto mais que as receitas do Estado são uma fatia do bolo que eles ajudaram a fazer e que lhe é extorquida, directamente, através dos impostos e das taxas, ou, indirectamente, pelos impostos e taxas cobradas àqueles que ficaram com a maior parte do bolo. Porque isso do Estado dar alguma coisa aos trabalhadores só existe na cabeça dos outros defensores do Estado: os comunistas.
Os trabalhadores conquistaram muitas coisas ao Estado dos capitalistas, nada mais correcto. As oito horas e a progressiva redução do período de trabalho, os direitos de organização sindical e outros de cidadania, o direito a férias pagas, etc. Em grande medida essas conquistas deveram-se à sua luta por uma melhor repartição do bolo em cuja confecção participavam, isto é, por um aumento do salário real. A produtividade crescente, mercê de produções em grande escala durante a guerra, mantida depois pela pressão da reivindicação que obrigou a uma revolução técnica e científica que não mais parou, permitiu à burguesia abrir um pouco os cordões à bolsa, tanto mais que passou a compreender que a taxa de lucro só poderia manter-se ou ampliar-se se o consumo interno absorvesse a parte do aumento da produtividade que a exportação não escoava. Tudo isto foi possível em período de expansão económica e pela luta reivindicativa dos trabalhadores nos seus países.
Apenas nalguns países, nomeadamente na Europa, em que os partidos social-democratas, de certo modo também herdeiros da tradição de efectuar a revolução através das reformas do Estado do capital, foram poder, isoladamente ou em coligação com os comunistas, essas conquistas dos trabalhadores foram integradas como funções do Estado. Não que fosse maquiavélico, mas o certo é que a integração de algumas dessas conquistas nas funções do Estado, nomeadamente, os seguros de reforma e os seguros de saúde, colocava os trabalhadores dependentes de quem conquistasse o poder, o que os social-democratas, como defensores de muitas delas (porque única forma de prestarem qualquer serviço aos trabalhadores), não deixavam de aproveitar. Onde elas não foram obra das associações sindicais e mutualistas operárias ou não foram complementadas com o fortalecimento dessas associações é precisamente onde elas são mais precárias e onde passaram a ter o efeito perverso de reforçar o domínio da burguesia, colocando os trabalhadores numa maior dependência e a defender o Estado dos capitalistas.
De qualquer modo, nada mais falaz do que afirmar que essas funções do Estado foram produto de lutas dos trabalhadores “inspiradas pelos ideais do socialismo e do comunismo” ou se ficaram a dever a concessões da burguesia motivadas por “uma correlação mundial que colocou o capitalismo em recuo” e “pelo desenvolvimento em muitos países de um rumo socialista que pela primeira vez na história levou à prática, como inerentes à pessoa humana, direitos sociais que o Estado capitalista ignorava e espezinhava”. E com que despudor se pode afirmar que os trabalhadores tinham o apoio dos comunistas se toda a sua propaganda os criticava por aburguesamento, por rendição aos valores do consumismo e do desperdício capitalistas, por serem usufrutuários da exploração dos povos das colónias e dos países menos desenvolvidos? Digamos que é preciso ter lata, mas nisto, na reescrita da História, como sabemos, são os comunistas uns finos.
O mais caricato na prosa do propagandista Aurélio, contudo, é a sua afirmação de que nos paraísos comunistas aquelas eram funções do Estado, como se pudesse ser de outro modo sendo o Estado o patrão praticamente único e o dono e senhor de tudo! Apesar dos sindicatos serem órgãos do Estado, não associações livres dos trabalhadores, a concentração totalitária chegava ao ponto de nem lhes reservarem a função de fornecedores daqueles serviços. Um erro, que a não ter sido cometido poderia, ao menos, ter servido como exemplo de propaganda do modelo de organização autónoma que os trabalhadores tinham naqueles paraísos. O propagandista não chega ao ponto de comparar os níveis de vida, porque aí a patranha saltaria à vista.
O mais engraçado, exemplificador do que passa pela cabecinha do propagandista Aurélio, é a sua terrífica antevisão das pretensões do neo-liberalismo: nada mais, nada menos, do que um regresso ao capitalismo selvagem do século XIX! É obra a premonição catastrofista!
Numa coisa tem ele razão: os trabalhadores vão ter de passar a comprar no mercado os seguros de saúde, os seguros de reforma, etc, etc. Com isto, talvez passem a lutar contra o Estado do capital, que vai pretender continuar a sacar-lhes parte do salário com impostos e taxas, mas, ao menos, não terão ilusões acerca de quem é o Estado e de quais as suas funções. A lição vai ser dura? Vai! Por todos os dissabores, os trabalhadores deveriam pedir contas aos trapalhões dos comunistas, que lhes andaram a impingir durante este tempo que o Estado era de todos nós!
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