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Subject: A França precária | |
Author: Teresa de Sousa |
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Date Posted: 21/03/06 18:21:41 In reply to: Jorge Fiel 's message, "La France est malade" on 20/03/06 12:07:00 A França precária Teresa de Sousa A única coisa que pode haver de comum com o Maio de 68 é a eterna propensão da França para as revoluções, em vez das reformas. Há 38 anos a revolta era libertária e individualista, queria outra sociedade, não a mesma. Hoje os jovens não querem nada de novo. Querem o que os seus pais tiveram. Ao Contrato Primeiro Emprego contrapõem o Contrato de Tempo Indefinido 1.A vida do actual primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, não tem sido fácil. No último Outono, a explosão dos banlieues de Paris e de outras cidades francesas pôs a nu uma sociedade ainda mais doente do que se pensava. A segunda e terceira gerações de imigrantes, franceses de lei, sem outra pátria nem outro destino, revoltava-se violentamente contra a sua própria marginalização - do acesso ao emprego, da integração social, da verdadeira cidadania sem cor nem origem, que lhes parece ser, afinal, pouco mais do que uma miragem na França republicana. Revolta cultural ou revolta social foi, então, o grande debate. Em apoio da segunda tese estavam os números assustadores do desemprego dos jovens dos banlieues (45 por cento) e a falta de oportunidades muitas vezes ligada à mais crua discriminação. Era a revolta dos "excluídos do sistema". Hoje, são os estudantes universitários e liceais, sobretudo oriundos da classe média, que ocupam as ruas de Paris com o seu protesto imenso, quase sempre alegre, poucas vezes violento, contra uma lei do Governo que encaram como o caminho mais rápido para a "precariedade" e a "exclusão". O sociólogo francês François Dubet chama-lhes no Monde "a réplica nas classes médias da revolta dos banlieues". 2. Mas há diferenças. Os jovens que agora se manifestam nas principais artérias de Paris vêm com as famílias. Com os pais da classe média que gozam de um emprego para a vida e que não aceitam o facto de os seus filhos estarem condenados a viver pior que eles. Têm o apoio dos sindicatos. "Eis o cúmulo: os estudantes e os jovens que são os excluídos do mundo do trabalho, os "out", desfilam com os sindicatos dos "in", dos funcionários públicos e do emprego para a vida, os mesmo que bloqueiam qualquer evolução em nome de uma pseudo-resistência contra o ultraliberalismo e a precariedade", escreve no Monde Eric Le Boucher. Ironia das coisas, não a precariedade a que os condena a nova lei que Villepin lhes promete - uma precariedade limitada até aos 26 anos e de duração máxima de dois. Mas a precariedade real, de um novo estado de coisas em que a sua sorte já não é a de um confortável emprego que um bom diploma praticamente garantiu aos seus pais. A única coisa que pode haver de comum com o Maio de 68 é a eterna propensão da França para as revoluções, em vez das reformas. Quanto ao resto, há 38 anos a revolta era contra a sociedade autoritária, hierarquizada, conservadora, fechada, asfixiante - dos pais. Era libertária e individualista, queria outra sociedade, não a mesma. Hoje os jovens não querem nada de novo. Querem o que os seus pais tiveram. Ao Contrato Primeiro Emprego contrapõem o Contrato de Tempo Indefinido. "É a primeira vez desde muitas gerações que os jovens têm a premonição de que vão viver menos bem que os seus pais", escreve Yves Kerdrel no Figaro. Explicação para dois fenómenos extremos. "Por um lado, 75 por cento dos que têm menos de 30 anos declaram querer ser funcionários. Por outro, um número recorde de partidas: um milhão de jovens franceses trabalha no estrangeiro." Só 300 mil - sem qualificação ou altamente qualificados - atravessaram a Mancha para trabalhar nesse reino terrível do "neoliberalismo anglo-saxónico". Supremo insulto. 3. A ideia de Villepin é absurda? Longe disso. O primeiro-ministro francês achou que a melhor forma de responder à revolta dos banlieues era criar mais oportunidades de emprego para os jovens. Como? Introduzindo medidas que permitissem contornar as rígidas leis laborais que dificultem ao máximo os despedimentos e que levam os empregadores a evitar as novas contratações. Sem esta rigidez, mesmo que num período muito limitado, os jovens poderiam ter mais facilmente acesso a um emprego que, mesmo precário, os ajudaria a inserir-se no mercado de trabalho. Pode ser uma reforma muito limitada, mas é difícil de dizer que vá no mau sentido. E, no entanto, uma esmagadora maioria de franceses rejeita-a. A esquerda, para além do discurso mais ou menos vazio contra a "precariedade", acusa o Governo de ter feito a lei às escondidas, sem negociação e sem diálogo. Alguns sectores da direita criticam-na por ser apenas um desvio fácil para o verdadeiro problema, que é a urgente reforma do mercado laboral. 4. O que se passa hoje com Villepin é já um clássico. Sempre que um governo tenta lançar uma reforma, por mais limitada que seja, que toque nos direitos sociais dos franceses, ou recua ou arrisca-se a cair na rua. Foi assim com Edouard Balladur (1994), que quis introduzir uma espécie de "salário mínimo para o primeiro emprego". Com Alain Juppé, por causa das alterações aos regimes especiais de reforma e da Segurança Social. Ou com Jean-Pierre Raffarin em 2003 (de novo as pensões de reforma). O socialista Lionel Jospin, que governou com a economia a crescer (1997-2002), evitou a rua, mas sofreu a suprema humilhação de não passar à segunda volta nas eleições presidenciais de 2002, ultrapassado por Jean-Marie Le Pen. A França não aceita a ideia de que o mundo mudou e que a globalização económica alterou profundamente os equilíbrios em que assentava a riqueza ocidental e está a alterar da mesma forma as sociedades europeias. "A França distingue-se por um recorde desastroso", escrevia recentemente o Prémio Nobel francês da Economia, Maurice Allais. "É o país onde se entra mais tarde na vida activa; o país onde a duração do trabalho é mais reduzida (a célebre lei das 35 horas introduzida por Jospin); o país onde a reforma é mais cedo." O problema é que, mesmo que os sucessivos governos tentem algumas reformas, o discurso das elites políticas, à esquerda como à direita, recusa-se a mudar. As reformas são anunciadas timidamente, quase à socapa, em nome da mesma ideia de preservação de um "modelo social" que já não funciona. As pessoas não entendem e reagem em conformidade. Protestam contra uma realidade que contradiz o discurso, produzindo uma sociedade cada vez mais dual, em que uns têm todos os direitos e os outros, que são cada vez mais, têm cada vez menos. A começar pelos jovens. 5. Curiosamente, enquanto a França se debate esquizofrenicamente entre a "cultura do declínio" (três em cada quatro franceses pensam que o seu país está em declínio) e a "cultura da excepção", são dois "outsiders" que emergem nas sondagens como os mais populares candidatos às presidenciais de 2007. À direita, Nicolas Sarkozy é o anti-Villepin. Menos arrogante e mais próximo das pessoas, defensor cauteloso da mudança, errático mas iconoclasta. Do outro lado, uma mulher, Ségolène Royal, emerge entre a classe uniformemente masculina dos dinossauros socialistas. Royal também não diz muito sobre o que tem de mudar, mas evita a repetição dos chavões cansativos e sem sentido da esquerda francesa. Ambos parecem ser, mesmo na sua ambiguidade ideológica e na sua indefinição política, a válvula de escape de um país em crise social e política profunda. Jornalista [ Next Thread | Previous Thread | Next Message | Previous Message ] |
Subject | Author | Date |
A revolta francesa | Jorge Nascimento Fernandes | 22/03/06 22:51:07 |
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