Author:
José Manuel Fernandes
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Date Posted: 26/10/05 12:13:39
"Os portugueses conhecem-me", costuma dizer Soares, só que isso é tanto a sua força como a sua fraqueza
Mário Soares apresentou ontem o seu manifesto eleitoral. Sem surpresas: o manifesto é Soares, a conferência de imprensa foi Soares. Soares Vintage 2005, com tudo o que isso significa de bom e de menos bom.
O manifesto deixa claras as linhas de força da campanha. Por um lado - e aqui o discurso começou mal -, esta será uma campanha que se justifica pela afirmada necessidade de responder a uma ameaça: "um certo messianismo revanchista" vindo da "Direita" (com maiúscula) que reclama "a subversão do regime constitucional". Traduzindo: esta candidatura justifica-se contra a de Cavaco Silva e vai ter como linha de força a ideia de que Cavaco quer governar o país a partir de Belém. Por outro lado - e aqui o candidato respondeu com mais habilidade às perguntas dos jornalistas -, esta é uma candidatura que se distingue pelo posicionamento político à esquerda e por uma ideia de estabilidade que, sendo considerada valor fundamental, não será sacrificada à ausência de coesão social.
A marca de água da ideologia está bem presente no manifesto, se bem que o candidato tenha mitigado com pinceladas de realismo político toda e qualquer frase que contivesse um piscar de olho mais à esquerda, na linha das suas intervenções mais recentes. E se num parágrafo condenava ao esgotamento o "neoliberalismo", no parágrafo seguinte afirmava-se realista e a favor de "mudanças racionais", pois não é um "situacionista".
Ao mesmo tempo, o manifesto contém todos os ingredientes para uma cerrada marcação política a Cavaco - chega, por exemplo, ao detalhe de assumir uma das bandeiras do CDS, a da manutenção de um regime proporcional que assegure a sobrevivência dos pequenos partidos -, mas não deixa, por isso, de ir aqui e além demasiado longe nos seus "não ditos". Por exemplo: o que significa assegurar que, com ele em Belém, os portugueses "podem dormir tranquilos"? Que riscos sobressaltariam o nosso sono caso chegasse a Belém outro candidato?
Estas passagens mostram que Mário Soares conserva um instinto político capaz de tirar partido das pequenas cizânias que apoquentem o campo do adversário, mas também revela uma desajustada insistência numa linha de combate político que, se funcionou em 1985 contra Freitas, dificilmente funcionará em 1995 contra Cavaco. Com efeito, depois dos dez anos em que este foi primeiro-ministro e manejou as rédeas do poder, será que é credível que, chegado porventura a Belém, aí poria em causa as "liberdades, direitos, garantias e haveres" dos portugueses?
Mas a grande dificuldade não resolvida por Mário Soares (e, até agora, também não resolvida por Cavaco Silva) é a explicitação do que se pode esperar de um Presidente da República como agente, ou cúmplice, das reformas de que Portugal necessita. Um Presidente "moderador" e "árbitro", um Presidente "ouvidor" dos portugueses, não é a mesma coisa que um Presidente que privilegie a "magistratura de influência" e, ainda menos, um Presidente "mobilizador". Contudo o candidato propõe-se ser isso tudo ao mesmo tempo, o que nos deixa perante uma incerteza: se fosse eleito, Mário Soares actuaria como o Presidente colaborante do primeiro mandato, como o Presidente interventivo e polarizador das oposições do segundo mandato, ou encarnaria ainda uma terceira e indefinida interpretação do ser-se Presidente? E qual?
"Os portugueses conhecem-me", costuma dizer. É verdade. Só que isso é tanto a sua força como a sua fraqueza, pois também conhecem as suas virtudes e defeitos. A prestação de ontem foi insuficiente para sublinhar as primeiras e fazer esquecer os segundos.
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