Author:
Fernando Penim Redondo
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Date Posted: 5/07/05 17:30:46
In reply to:
Visitante
's message, "Um outro projecto comunista? Para quê?" on 4/07/05 6:13:41
Caro Visitante,
Não há duvida, as questões que coloca são muitíssimo pertinentes.
Concorde-se ou não com as opiniões expressas temos que louvar o cuidado posto no texto, especialmente quando o comparamos com os dislates avulsos que, infelizmente, enxameiam o DOTeCOMe Fórum.
Vou tentar explicar porque continuo a bater-me por “um outro projecto comunista”, para usar as palavras do Visitante. Quero, antes de mais, esclarecer que o meu “desapontamento” com o PCP se estende também à “Renovação Comunista” e ao Bloco de Esquerda pois, qualquer deles, foge como o diabo da cruz de proceder às indispensáveis redefinições do paradigma (penso que tal se deve a uma visão eleitoralista de merceeiro).
O meu distanciamento do PCP iniciou-se no fim dos anos 80, depois de muitos anos de militância disciplinada desde 1966, quando me apercebi da irreversibilidade do descalabro na URSS. Ainda hoje me revolta a atitude irresponsável adoptada na altura pela Direcção do PCP, com desprezo pela angústia dos milhares de militantes e simpatizantes comunistas a quem o “sistema soviético” fora sempre apresentado como o caminho a seguir (mesmo que para amenizar a coisa se falasse em respeitar as características nacionais).
Eu era responsável por uma célula de empresa desde 1974 e não podia suportar a ideia de que eu, e os restantes camaradas, tínhamos andado 15 anos a lutar por uma miragem; entendia que o partido, já que não soubera prever e preparar a reacção aos gravíssimos acontecimentos que se sucediam em catadupa, tinha pelo menos a obrigação de tirar todos os ensinamentos e consequências da enorme derrota que acabávamos de sofrer.
Como todos sabem o desaparecimento da URSS e do restante “campo socialista” foi praticamente ignorado pelo PCP, como se nada de especial se tivesse passado, como se tal cataclismo fosse o resultado de uns quantos erros avulsos dos “camaradas soviéticos”.
Foi nesse ponto que percebi que não podia continuar a confiar no discernimento de tais dirigentes e que não tinha outro remédio senão procurar, eu próprio, as razões do fracasso.
Tomei posição sobre estas matérias em 1990 (ver texto publicado na Vértice) e fiz uma intervenção no XIII Congresso, em Loures, recusando a “explicação oficial” para o fim da experiência soviética (nesse Congresso houve muitos “responsáveis” a falar como se a situação da URSS ainda fosse reversível).
Em 1993 cansei-me de esbracejar dentro do partido e suspendi, até hoje, a minha militância.
Por coerência com as minhas convicções procurei, no meio do descalabro, as peças que permitissem explicar o passado e ser também usadas na construção de um futuro. Como alguém que, após a queda de um avião numa zona inóspita, procurasse nos destroços algo com que sobreviver.
Parti da ideia básica de que o capitalismo não é eterno e que, como qualquer outro ser, objecto, ou sistema, terá um fim. Adoptei a teoria enunciada por Marx sobre os modos de produção, e da sua sucessão no tempo e no espaço.
Desta forma a questão política podia ser vista, em termos muito gerais, como a capacidade para:
- perceber os modos de produção
- detectar a sua degenerescência
- explorar as suas contradições
- antever as novas formas que lhes vão suceder
- tentar influenciar a sua gestação e desenvolvimento.
Em “Do Capitalismo para o Digitalismo” procedemos a um exercício deste tipo. Mais do que a demonstração das hipóteses nele levantadas o livro pretendeu essencialmente mostrar o tipo de trabalho que é necessário realizar.
Sem ter ideias coerentes sobre o grau de “apodrecimento” do capitalismo, sobre os mecanismos internos do sistema que o estão a corroer (como em qualquer ser vivo), sobre as potenciais rupturas e soluções alternativas que a vida sempre encontrará, não é possível conduzir a acção política prática de forma inteligente nem navegar no meio dos milhões de informações com que somos bombardeados.
Por isso, caro visitante, não se trata de definir em abstracto um modelo para o futuro mas sim deduzir esse modelo das contradições observáveis na sociedade actual e das formas da sua superação. Esquecendo as mitologias e as liturgias.
Lamentavelmente não se encontra ninguém que queira ir por este caminho; estão todos demasiado obcecados com o Santana, com o Carrilho ou com o Isaltino...
É a força das telenovelas.
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